O Primeiro Livro da Física

A importância da Física de Aristóteles não se reduz a ser um marcador de lugar ou parte do título que compõe o nome da Metafísica aristotélica. Em várias passagens da obra posterior, sobretudo as mais antigas, são feitas referências aos argumentos expostos na Física e sua crítica aos pensadores pré-socráticos, que o próprio Aristóteles chamava de physikoi. Além disso, começa na Física a elaboração da teoria das quatro causas, que, ao lado das categorias e dos conceitos de substância e enteléquia, constituirão o cerne da sua teleologia na natureza e ontologia metafísica.
O primeiro livro da Física foi composto entre os anos 355 e 332 a.C., período que vai do final da participação de Aristóteles na Academia de Platão até a fundação de seu Liceu. Ao lado dos livros II a IV, constitui a parte mais antiga do texto, que aborda os temas das causas primeiras e da natureza material, enquanto os restantes estudam a questão do movimento. O objetivo da física seria a determinação dos princípios das coisas naturais. Para chegar a eles, é preciso analisar as características que se apresentam confusas e generalizadas, à primeira vista, até reconhecer os princípios dotados da verdadeira generalidade, de forma clara e cognoscíveis por si. O conhecimento e a ciência surgem, assim, nos métodos de pesquisa onde existam princípios, causas ou elementos distintos. A ciência da natureza deve definir quais são seus princípios em primeiro lugar. Nesse sentido, o caminho a seguir parte do que é mais conhecido até chegar no conhecimento daquilo que existe em si plenamente inteligível (menos conhecido de imediato). O método mais apropriado à física seria indutivo, portanto. Através da análise, os princípios e elementos misturados são separados do geral ao particular.
O exame da unidade e imobilidade do ente não se põe à física, que deve se ater aos princípios naturais. Os argumentos dos teóricos antigos que não perceberam isso devem ser superados ou excluídos, por falta de fundamento analítico. Desse modo, ficam inicialmente excluídas as teorias eleáticas que negam o movimento e afirmam a unidade do ser. Assume-se que os seres na natureza são misturas e estão em movimento. E, se o ser se entende de vários modos, não faz sentido afirmar que todos os seres são uno.
Os antigos tentaram evitar o problema entre a unidade e o múltiplo, suprimindo a partícula “é” que atribui diversas categorias ao ser. De um modo geral, o erro dos eleatas estava em não distinguir aquilo que é atribuído ao sujeito, do próprio sujeito. Aristóteles propõe que a teoria do ato e potência soluciona esta dificuldade, ao separar o ser em ato, do ser em potência. A unidade do ser em potência não pode ser confundida com os atributos de suas ações. Enquanto tal, o ser não é atributo de nada, mas a ele tudo é atribuído.

Os Verdadeiros Físicos

O eleatismo e seus seguidores são refutados por serem falsos estudiosos da natureza, nos capítulos II e III. Qualquer doutrina que negue o postulado do movimento das coisas é afastada do âmbito da física. A partir do capítulo IV, outras teorias, como as de Anaxágoras, Empédocles e Platão, entre outros, embora trabalhassem questões da natureza de forma adequada, considerando as mudanças observadas, também precisam ser afastadas, pois defendem que a multiplicidade da matéria leve a um número infinito de contrariedades.
Toda teoria que redunde em infinitas causas ou divisões acaba por se tornar incognoscível, seja no número ou grandeza. Se os princípios são infinitos, não se pode ter nenhum conhecimento do qual possa derivar. O composto só é conhecido pela forma e pelo número de seus elementos. Ao passo que um número infinito de grandezas não pode ser extraído de grandezas finitas.
A crítica de Aristóteles à física arcaica recai, então, sobre as noções de infinito, separação e geração que se propõe. Por ser incognoscível, caso tudo estivesse no todo, sem ser gerado, as coisas seriam extraídas por separação de algo preexistente. Assim, qualquer coisa poderia ser gerada de qualquer coisa por separação, o que levaria à conclusão errada de um número infinito de grandezas finitas sendo tiradas de grandezas igualmente finitas. Portanto, deveria se supor que houvesse um número limitado de contrários e não infinito, como se pensava antes.
Mais adiante, no terceiro livro, as objeções aos argumentos matemáticos anteciparam em dois milênios às considerações de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), sobre o assunto.

Não há necessidade, nem utilidade, pois, para se aumentar ou diminuir uma grandeza, basta apenas que se a prolongue ou reduza até onde se queira ir (…). Não faz diferença, para efeito de argumentação, se há realmente um infinito entre as magnitudes reais (ARISTÓTELES. Física, III, cap. 7, 207b 27-34).

Nesse sentido, Wittgenstein dizia que proposições gerais, como as sobre a infinitude, são sempre suspeitas, por irem além do que a aplicação conhecida de uma prova.

Uma proposição como “não há o último número cardinal” é ofensiva ao ingênuo – e correto – senso comum. Se eu perguntar “qual a última pessoal na procissão?” e me disserem que “não há uma última pessoa” eu não sei o que pensar (…).
Este é sempre um exemplo de erro visto em conceitos gerais e casos particulares na matemática (…) a generalização só faz sentido quando temos uma região particular da aplicação em mente.
Na matemática, não há tal coisa como uma generalização cuja aplicação a casos particulares ainda é imprevista (…). Nós sentimos que isto não está propriamente conectado com coisas reais (WITTGENSTEIN, L. Philosophical Grammar, part. II, cap.7, §40, pp. 465 e 467).

Diferente do infinito, os contrários podem ser aceitos como princípios. Afinal, “tudo o que se gera na natureza ou são contrários ou vem dos contrários” (ARISTÓTELES. Física, I, cap.5, 188b.). Contudo, se nem o uno, nem o infinito, servem como números certos de princípios. Há a necessidade de se limitá-los a não mais do que três causas necessárias. Os contrários exigem que haja pelo menos dois opostos. Por outro lado, deve haver um sujeito ou substância, sobre os quais os contrários possam agir. Por isso, três seria um número suficiente para sustentar a existência da unidade do sujeito e os contrários que o transformam.
De acordo com a teoria da geração proposta no livro I da Física, a substância é tudo que surge do sujeito. A partir deste, se produz a geração. Tudo é gerado e composto. A matéria é o princípio do sujeito, enquanto a forma é o princípio que altera os atributos do sujeito. O sujeito, então, é uno quanto à matéria e duplo quanto à forma acrescentada a ele. Isto é, aquilo que por privação ou presença, dois contrários, efetuará as mudanças na matéria.
Na Física, não há uma definição se a forma ou sujeito constituirão a substância. O livro Zeta da Metafísica desenvolverá uma resposta mais precisa, depois. A Física trata inicialmente de tentar solucionar as dificuldades dos antigos, estabelecendo um começo no sujeito que seja um ponto de partida de toda geração, seja por ação ou atribuição de algo em potência.
Os antigos e até mesmo seu mestre Platão, não teriam percebido que a matéria e a privação são coisas distintas. A matéria está junto ao ser e só por acidente o não-ser é gerado. A privação, ao contrário, é o não ser por si mesma. Não é uma substância de nenhuma maneira. A matéria, por sua vez, é o primeiro substrato de cada coisa, seu elemento imanente. O princípio formal, entretanto, só será estudado em profundidade pela filosofia primeira.

Quatro Causas e o Fim do Mundo

Do livro II em diante, inicia-se a teoria das quatro causas (matéria, forma, motriz e final) e suas limitações, consolidando o estudo da física como básico para o da filosofia primeira. O esforço de análise de Aristóteles, com os poucos instrumentos que dispunha, foi o fundamento da ciência da natureza pelos séculos seguintes. Sua determinação do método indutivo para tal disciplina foi acertada.

A visão de mundo geocêntrica, compartilhada por Aristóteles, foi consolidada no sistema de Cláudio Ptolomeu, no século I. CELLARIUS, A. Harmonia Macrocosmica, 1660.

Matéria e forma também podem ser considerados princípios válidos atualmente, uma vez associados à matéria e à energia que transforma as coisas. Contudo, a ideia de um universo fechado e com uma finalidade própria se mostrou errada. Pelo que se sabe, o universo continuará em expansão permanente até toda energia concentrada na matéria se dissipar. O que vale dizer que o universo se ampliará infinitamente e não tem um fim (telos) específico, como pensava Aristóteles.
Em 2011, os físicos Saul Perlmutter, Brian P. Schmitt e Adam G. Riess dividiram o prêmio Nobel de física pela desco­berta, anunciada em 1998, da ex­pansão acelerada do universo visí­vel. O que acar­retará, em um futuro longínquo, num congelam­ento completo de tudo que existe, por causa do es­gotamento de toda energia. A notícia surpreendeu os cientistas que esperavam por uma contração e desacelera­ção da expansão conhecida. Desse modo, o consenso em torno do fim do universo passou a aceitar um término dife­rente do que se previa antes.
Um final sem a realização de qualquer finalidade, a não ser o cumprimento da lei da termodinâmica que diz que a energia térmica passa sempre do objeto mais quente, para o mais frio. Assim, a energia será dissipada por todo universo, causando o resfriamento completo da matéria, o término de todo movimento e, por conseguinte, a passagem do tempo.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Física. – Madrid: Gredos, 1995.
JAEGER, W. Aristóteles. – México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1997.
NOBELPRIZE.ORG. “The Nobel Prize in Physics 2011”. Disponível em <https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2011/summary/&gt;. Acesso em 11 dez de 2020.
WITTGENSTEIN, L. Philosophical Grammar. – Oxford: Basil Blackwell, 1974.

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