Início da construção do muro em Lindenstrasse. Fonte: Landesbildstelle Berlin.
Logo após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945}, a situação estava bastante confusa na Alemanha. Antes da capitulação incondicional do exército alemão, a 8 de maio de 1945, as potências aliadas firmaram o Protocolo de Londres, em 12 de outubro de 1944. Por esse compromisso, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética dividiam a ocupação da Alemanha em zonas de jurisdição específicas submetidas às forças aliadas. A Alemanha perdia a soberania sobre seu território, ao mesmo tempo em que se procurava manter sua unidade de acordo com as fronteiras existentes em 1937. Um Conselho de Controle fora estabelecido em Berlim, cuja região metropolitana também seria dividida em quatro partes.
Berlim ficaria situada na zona de ocupação russa. Os russos haviam sidos os primeiros a tomarem a capital do III Reich. Por conseguinte, as tropas britânicas, francesas e estadunidenses, que estavam em menor número na zona soviètica, foram remanejadas para os seus respectivos distritos em Berlim, com os russos comandando a cidade a partir do setor leste, cortado pelo rio Spree. Diferente das demais zonas de ocupação, que ficavam sob a administração de uma potência aliada, em Berlim todas as quatro forças exerciam o controle em conjunto. Tudo sairia sem problemas se os conquistadores tivessem mantido uma política coerente para o pós-guerra na Alemanha.
A princípio, os soviéticos manifestaram a vontade de não desmembrar o país, enquanto a França, por querer anexar o Sarre, questionava a unidade alemã. A União Soviética e os comunistas alemães queriam reorganizar a Alemanha nos moldes socialistas. Nesse sentido, em abril de 1946, o Partido Comunista Alemão e o Partido Social Democrata fundiram-se no Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED). Contudo, em março do mesmo ano, os socialdemocratas dos setores ocidentais rechaçaram essa fusão. Isso marcou a primeira manifestação de independência dos partidos alemães ocidentais em relação aos orientais, que deu início ao processo de divisão política em Berlim.
Do lado soviético, os russos passaram a interferir cada vez mais na ocupação dos cargos públicos. Em 1947, a eleição do socialdemocrata Ernst Reuter para prefeitura é vetada pelos soviéticos. Neste mesmo ano, britânicos e estadunidense unem suas zonas administrativas e estabelecem as bases para formação do primeiro conselho econômico. A França, que no começo era contra a ideia de unificação, em 1949, adere à zona ocidental unificada. Desse modo, a parte ocidental pôde receber cerca de 1,5 bilhão de dólares através do Plano Marshall. Tal medida, tomada à revelia dos sovièticos, levou a União Soviética a abandonar o Conselho de Controle.
Tudo isso, devido ao fracasso da tentativa das quatro potências em lançar uma nova moeda para toda Alemanha, em substituição ao antigo marco do III Reich. Decididos a patrocinarem a reestruturação da economia européia, EUA, França e Grã-Bretanha decidiram fazer uma reforma monetária, trocando 10 Reichmarks por um Deutsche Mark. Sem o reconhecimento da União Soviética, milhares de novos marcos alemães sem valor entravam na zona sob seu controle. Ato contínuo, os soviéticos resolvem trocar a moeda alemã que circulava na sua região por um novo marco. De imediato, o marco oriental foi introduzido em Berlim para barrar o derrame de marco alemão. A tensão política logo se converteu em disputa econômica.
A fim de impedir o avanço econômico ocidental sobre Berlim e também para passar a ter controle total da capital alemã, a União Soviética resolveu restringir o acesso rodoviário à cidade, bem como o fornecimento de energia elétrica. Sem luz, Berlim teve de enfrentar a partir de junho de 1948, forte escassez de mantimentos. Como única saída, restou ao ocidente fazer uso de uma “ponte aérea” para abastecer a cidade. Um terceiro aeroporto foi construído no distrito de Tegel em 3 meses. Os aviões se sucederam então até alcançarem o intervalo mínimo de dois minutos. Em abril de 1949, atingiu-se o recorde de 13 mil toneladas desembarcadas em um só dia.
O anti-comunismo crescente e a iminente formação de um Estado independente do lado ocidental foram os estopins para o recrudescimento das hostilidades. Todavia, os objetivos soviéticos foram frustrados. Nem mesmo a suspensão do bloqueio a 5 de maio impediu a constituição da República Federal da Alemanha no dia 23 de maio. A chamada “Lei Fundamental” que fundou a nova Alemanha previa a participação da Grande Berlim na Federação, embora sob o controle administrativo dos aliados. Assim, Berlim acabou por se tornar um enclave ocidental por de trás da “cortina de ferro”, em plena Guerra Fria. A República Democrática Alemã foi proclamada em seguida, outubro de 1949, mas a parte oriental de Berlim permaneceu sob a tutela soviética, embora esse setor também tenha sido escolhido como a capital da Alemanha Oriental.
Enquanto os alemães, ocidentais e orientais, ganhavam certa autonomia, os berlinenses continuavam na condição de habitantes de um sítio ocupado. Nos anos que se seguiram, Berlim teve a divisão de seus setores militares acentuada pelo gradativo corte das comunicações. Em maio de 1952, as ligações telefônicas foram interrompidas. Em julho, os berleinenses ocidentais não puderam mais ingressar na Alemanha oriental. No começo de 1953, os ônibus e trens Urbanos pararam de circular entre os dois lados rivais. Além disso, o crescimento econômico dos alemães ocidentais motivou uma greve geral entre os trabalhadores de Berlim oriental contra o imposto de 10% sobre o trabalho e depois a reivindicação por eleições livres e a renúncia do governo. Apesar da revogação do aumento do imposto ter sido alcançada, bem como a promessa da melhoria da condição dos trabalhadores, o domínio soviético foi restaurado com a decretação do estado de sítio e a ocupação das ruas por tanques. Cinco mil pessoas foram presas, das quais cerca de 141 foram condenadas à morte, acusadas de serem agitadores. O conflito ocorreu apenas nas áreas sob o domínio da Alemanha Oriental e dos soviéticos, o que impediu a intervenção das forças ocidentais. Ficou claro, então, que Berlim passava a ser o polo onde os cidadãos da República Democrática poderiam confrontar seu padrão de vida com o ocidental. Muitos aproveitavam suas visitas aos setores ocidentais para não mais voltarem. Para os soviéticos, a situação só seria resolvida em definitivo com o esvaziamento de Berlim ocidental, por parte das tropas aliadas.
Em 1958, Nikita Sergeyevich Khrushchev (1894-1971), primeiro ministro soviético, lança um ultimato às potências ocidentais exigindo a retirada das três potências do lado ocidental de Berlim. Passado seis meses do prazo final, o impasse continuava. Em 1960, por toda fronteira ocidental o número de refugiados só fazia aumentar, sendo que 75% deles saíam através de Berlim. No intuito de garantir os direitos civis dos berlinenses ocidentais, os EUA reiteravam sua proteção à parte aliada da cidade. Por fim, na madrugada de 13 de agosto de 1961, o “muro da vergonha” começou a ser erguido. De forma abrupta, laços de amizade e parentesco foram interrompidos. Ao longo dos dois países e em torno de toda cidade guarda pelos ocidentais, as fronteiras foram fechadas.
Em memória dos que morreram na fuga. Fonte: Salvat Ed. do Brasil
A escalada da tensão até a construção do muro em Berlim constituiu o período inicial da Guerra Fria – na expressão cunhada já em 1947 pelo investidor estadunidense Bernard Baruch (1870-1965). Para não abalar o frágil equilíbrio do interesses que poderia detonar uam guerra atômica, as partes testavam passo a passo o limite da resistência moral do adversário. Por conta disso, Berlim teve de se sujeitar e servir de palco ao desenrolar dos acontecimentos internacionais. Nesse processo, cerca de 72 pessoas foram mortas ao tentar atravessar o muro sem autorização prévia, enquanto 3100 detenções foram efetuadas.
A construção do muro e o fechamento da “fronteira verde” visavam cessar o êxodo crescente de mão de obra especializada. A solução radical e desumana permitiu o desenvolvimento econômico da Alemanha Oriental [veja CLOS, M., CUAU, Y. A Revanche dos Dois Vencidos, p. 255]. Sem a possibilidade de escolha, restou a quem não quis se arriscar contribuir para melhorar a qualidade de vida para os que ficavam. Assim, a Alemanha Oriental acabou por se tornar o país comunista com a melhor infraestrutura. Porém, o sucesso do “paraíso socialista” obrigou a sua conversão em uma “prisão a céu aberto”. Foi só a partir de 1971, que uma política de distensão em ambos os lados proporcionou a retomada do diálogo e o fim das dificuldades de acesso a Berlim.
Cada vez mais, o muro da vergonha transformava-se em um lembrete da divisão artificial da Alemanha ao mesmo tempo que chamava atenção para o fato de que somente a coerção estrangeira inibia a reunificação do país e da coletividade alemã. Quando a corrida armamentista e a corrupção tornaram-se insustentáveis para um dos lados – notoriamente o soviético – o muro ruiu em pedaços pela determinação dos jovens alemães que, em 9 de novembro de 1989, ao som de Pink Floyd, alegremente punham “aquela coisa a baixo”. Foi mais uma vitória da perseverança dos indivíduos contra as ameaças de massificação das instituições autoritárias. Como diria Hannah Arendt (1906-1975), “o poder jamais florescerá da violência” [ARENDT, Da Violência, p. 29].
Continua…