Transformações

Alargamento de Barcelona feito por Cerdá

Vista aérea de bairro de Barcelona urbanizado por Ildefonso Cerdá Suñer (1815-1876). Fonte: Biblioteca Salvat de Grandes Temas.

Os estudos sobre a natureza e sociedade mudaram as concepções do mundo em volta e da maneira de viver dos agrupamentos humanos. Os conceitos variavam de acordo com o grau de entendimento obtido das pesquisas científicas e filosóficas. Ora a natureza era tida como algo perfeito e sublime a ser imitado e admirado, ora era vista como um universo imperfeito e ameaçador. A sociedade também teve suas diretrizes alteradas ao longo de sua história. Da participação irrestrita de poucos cidadãos livres nas decisões políticas para um maior número de eleitores interessados nos destinos da sociedade e com demandas crescentes de ampliação de seus direitos.
Uma cultura voraz consumidora dos recursos naturais disponíveis tomou abrangência global. Depois que os efeitos nocivos de sua indústria de transformação se tornaram nítidos, a preocupação com a sobrevivência no planeta passou ao centro das decisões políticas internacionais. Vários movimentos ecológicos surgiram no último século e os alertas de especialistas de diversos setores levaram à realização de inúmeros encontros internacionais voltados para avaliação das consequências dessas transformações. Mesmo correntes econômicas e políticas aversas à intervenção começam admitir a necessidade de se preparar para as mudanças climáticas acontecem com maior rapidez.
Alguns especialistas reunidos em torno do conservador Consenso de Copenhagen, promovido pelo economista Bjorg Lomborg em 2004, consideraram os custos de implementação das metas de emissões do Protocolo de Quioto muito dispendiosos. Melhor seria, na visão desses críticos, criar um fundo de pesquisa dedicado ao desenvolvimento de tecnologias para redução dos danos causados pelos gases poluentes[1]. Nesse ínterim, outras propostas polêmicas são especuladas por personalidades mistificadoras, como o físico e místico Fritjof Capra, autor de uma interpretação esotérica da teoria quântica (lançada no livro O Tao da Física, 1975), que agora se volta para questões da “alfabetização ecológica”.
Capra defende uma compreensão sistêmica e unificada da vida que integre as dimensões biológica, cognitiva e social, em todos os seus níveis, como uma teia interligada por redes complexas. para ser sustentável esse complexo deveria seguir cinco características básicas: interdependência, reciclagem, parceira, flexibilidade e diversidade. Esses seriam os cinco princípios ecológicos que levariam à sustentabilidade. Assim, “a sobrevivência da humanidade dependerá de nossa alfabetização ecológica, da nossa capacidade para entender esses princípios da ecologia e viver em conformidade com eles”[2].
A “alfabetização ecológica” sugere que seria possível extrair algum princípio de ação válido da mera integração da sociedade humana com as redes complexas que sustentam a vida no planeta. Esse argumento é obviamente falacioso pois do fato da natureza ser um sistema dinâmico que age de tal maneira, não significa que se deva agir da mesma forma. Não há nenhum valor intrínseco na natureza por ela mesma. Todo valor moral da exigência de se preservar as condições de vida no planeta reside no fato dele interessar a pessoas que dependem dela para poder existir. Sem a presença de um agente moral que lhe atribua um valor específico, nada mais possui valor por si mesmo.
O ineditismo do problema climático tem sido um campo fértil para especulações oportunistas. Por outro lado, as pesquisas avançadas das ciências da natureza e cognitivas ajudam a entender melhor as causas do comportamento predatório da espécie humana e da fonte de calor e poluição gerada pelas cidades. Do ponto de vista ecológico as crianças como todos os seres vivos procuram reter da natureza os recursos indispensáveis para sua sobrevivência momentânea e futura reprodução. Muitos dos fatores comportamentais são resultantes de estratégias evolutivas que foram adquiridas geneticamente devido à seleção natural. O que não significa que seja uma garantia de sucesso futuro. Cada organismo deve estar preparado para se adaptar às mudanças ocorridas no meio ambiente em sua geração.
De um modo geral, as sociedades bem sucedidas são aquelas que estimulam a cooperação entre seus membros e punem as deserções de modo eficaz. O movimento internacional das Cidades Educadoras, surgido em 1990, em Barcelona (Espanha), nesse sentido, visa portanto fazer das cidades um ambiente propicio para o desenvolvimento integro das pessoas. Entre outros compromissos importantes a Carta das Cidades Educadoras de 2004 estabelece que:

A cidade deverá garantir a qualidade de vida de todos os seus habitantes. Significa isto, um equilíbrio com o ambiente natural, o direito a um ambiente sadio, além do direito ao alojamento, ao trabalho, aos lazeres e aos transportes públicos, entre outros. Deverá promover ativamente a educação para a saúde e a participação de todos os seus habitantes nas boas práticas de desenvolvimento sustentável (Carta das Cidades Educadoras, princ. 11).

A história da humanidade privilegiou até agora os aglomerados urbanos como espaço efetivo das trocas comerciais e sociais. O sucesso aparente desta iniciativa produziu um excesso de demandas cujo custo ambiental se tornou uma sobrecarga para o planeta. A conscientização desse impacto e das propostas para minimizá-los são um bem público que movimentos como o Cidades Educadoras podem gerar aos países subdesenvolvidos que tentam se desenvolver de uma maneira insustentável que só leva a uma maior desigualdade, orientados por governos corruptos e demagógicos.

Ética do Cuidado

Muitas discussões em ética têm trazido à tona questões que abordam o cuidado que se deve ter com as ações tomadas hoje e que influirão na qualidade de vida das futuras gerações. Derek Parfit, filósofo britânico, destaca-se nesse cenário por abordar de forma precisa as consequências previsíveis de ações que possam afetar pessoas que ainda não nasceram. Seu livro Reasons and Persons (1984) tornou-se uma referência obrigatória para compreensão do conceito de pessoa e de racionalidades envolvidas deliberações morais.
Reasons and Persons traz pontos que foram tratados antes em artigos como “Future Generation: Further Problems” (1981), onde se discute, entre outros problemas, a avaliação de decisões políticas tomadas por um governo que afetarão a saúde e o bem estar das futuras gerações a longo prazo. Entre outros casos, analisa-se os resultados da implantação de uma usina nuclear, cujos defeitos ocorridos em sua construção atingirão as pessoas 200 anos depois. O foco da discussão é se o bem estar momentâneo e imediato de uma geração constitui uma razão que se sobrepõe aos prejuízos permanentes que serão impostos a pessoas que sequer existem. Um tipo de problema que envolve o conceito de pessoa e a preservação da natureza ao longo das gerações. O objetivo é saber se uma geração pode dispor dos bens materiais a seu alcance, sem se preocupar com quem virá depois a sofrer suas consequências: a consideração do direito de pessoas que ainda não nasceram por pessoas atuais[3].
Uma possível solução seria considerar todo princípio moral categoricamente válido para toda eternidade, como propunha Immanuel Kant (1724-1804), mais de dois séculos atrás[4]. Mas isso implica em pressupor uma capacidade racional perfeita que está além dos limites atuais da espécie. Ignorar os interesses das gerações futuras, por sua vez, resulta em desconsiderar os direitos das crianças atuais que não são consideradas como pessoas de posse plenamente formadas. O que diz respeito diretamente ao trabalho dos educadores que preparam as crianças para se tornarem cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.
Assim sendo, não restaria outra postura senão condenar as políticas imediatistas que tentam garantir apenas o bem estar de curto prazo e o direito de uma geração aproveitar integralmente dos recursos naturais existentes. Todas essas questões e outras que podem ser levantadas sobre a natureza e sociedade estão em constante transformação por sua vinculação aos sistemas dinâmicos que fazem parte. Cabe ao educador da infância estar atento e pronto para refletir sobre elas.

Notas

1. Ver COPENHAGEN CONSENSUS. “The Results”
2. CAPRA, F. “Alfabetização Ecológica”, in A Teia da Vida.
3. Ver PARFIT, D. “Future Generations: Further Problems”, pp. 113 e ss.
4. Ver KANT, I. Crítica da Razão Prática, I part, liv. I, cap. 1, §7, A54.

Referências Bibliográficas

CAPRA, F. A Teia da Vida. – São Paulo: Cultrix e Amana-key, 1997.
CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS. – Gênova: Congresso Internacional das Cidades Educadoras, 2004.
COPENHAGEN CONSENSUS. Disponível na internet via http://www.copenhagenconsensus.com/CCC%20Home%20Page.aspx
KANT, I. Crítica da Razão Prática; trad. Artur Morão. – Lisboa: Edições 70, 1986.
PARFIT, D. “Future Generations: Further problems”, in Philosophy & Public Affairs, 11, nº2, 1981.

Conceitos de Ética Ambiental

Arthur Schopenhauer e seu cão Atma

Caricatura de Wilhelm Busch (1832-1908) sobre Arthur Schopenhauer (1788-1860) e seu cão Atma

Considerações sobre os costumes e hábitos humanos são tão antigas em filosofia como as investigações sobre a natureza. Foi a partir do ateniense Sócrates (470-399 a.C.) que se buscou uma argumentação sistemática para a ética tal como já vinha sendo esboçada na física e depois na metafísica. Ao longo do tempo, a ética foi ocupando o lugar central da filosofia, à medida que a física passou a ser campo de trabalho específico para os físicos e a metafísica perdeu-se na procura de definições sempre pendentes por falta de fundamentos últimos inalcançáveis.
Os estudos éticos foram gradualmente ampliados conforme cresciam os interesses humanos pelo melhor ordenamento de suas relações e a realização de seus objetivos mais elevados. Primeiro, tratou-se de conhecer a si mesmo, depois as pessoas de sua família, em seguida os amigos, mais tarde os vizinhos, os compatriotas e por fim toda humanidade passava a fazer parte das motivações morais de uma pessoa. Depois de Arthur Schopenhauer (1788-1860), os animais superiores também ganharam estatuto moral quando se encontrou um argumento pela compaixão que permitia a consideração do sofrimento dos animais.
A ética da compaixão sustentava a identificação dos interesses dos animais com os interesses do próprio sujeito que deve evitar a crueldade, como um mal. No momento que tal identificação fosse forte o suficiente para suprimir o egoísmo natural das ações humanas, surgiria a compaixão como sentimento que impede a aplicação do sofrimento ao outro. Para Schopenhauer, “essa compaixão sozinha é a base efetiva de toda a justiça livre e de toda a caridade genuína. Somente enquanto uma ação dela surgiu é que tem valor moral e toda ação que se produz por quaisquer outros motivos não tem nenhum”[1].
Tal formulação permitia o alargamento do ciclo de consideração ao outro, que é o cerne de todo o comportamento moral. O senso comum tende a confundir preceitos morais com as restrições religiosas ou uma lista arbitrária de proibições ou permissões consagradas pela tradição. Também se vincula erradamente a ética a comportamentos sexuais que dizem respeito apenas às preferências do indivíduo. Ao contrário disso tudo, a filosofia atual trata a moral a partir de questões relativas às ações humanas que envolvam os interesses dos outros. Nesse sentido, o que Schopenhauer fez foi encontrar um fundamento – a compaixão – que possibilitava a abordagem de temas até então difíceis para quem quisesse defender os direitos dos animais.
Isso explica também porque simples códigos de “ética” classistas não podem ser considerados moralmente válidos, enquanto permitam exclusões corporativas quando o direito de terceiros são prejudicados. A ética não pode ter seu fundamento restrito a uma profissão específica, a uma religião, ou espécie vivente qualquer. Para ter valor moral universal reconhecido, as ações éticas têm que levar em conta os interesses de todos os concernidos e não apenas a perspectiva relativista ou egoísta de um agente racional.
Ao lado da ética da compaixão de Schopenhauer, o utilitarismo de preferência defendido por autores contemporâneos, como o filósofo australiano Peter Singer, permitiu a inclusão dos direitos dos animais através da manifestação de suas preferências em suas ações e reações diante da busca por maior utilidade e menor dano. Os animais dotados de sistema nervoso complexo – incluindo os seres humanos – demonstrariam os mesmo interesses em evitar a dor e maximizar o prazer. Assim, toda ação humana que atingisse seres sencientes deveria ser considerada boa ou má, na medida em que contribuísse para aumentar o bem estar de todos os seres sencientes envolvidos e, por conseguinte, ajudasse a diminuir seus sofrimentos. No caso de conflito de interesses entre entes morais, a vida dos seres com maior grau de consciência deveria ter preferência em detrimento daquela que se encontra em nível inferior[2].
O cálculo das preferências, como o da felicidade no utilitarismo clássico[3], é um problema de difícil solução sob a ótica do balanço dos sentimentos. Entretanto, se as escolhas forem definidas sob o padrão contratualista, pode-se tomar as comparações viáveis ao se defrontar a lista de preferências racionalmente transitivas dos agentes em questão. Se alguém prefere “X” a “Y” e “Y” a “Z”, então sempre preferirá “X” a “Z”. Por outro lado, se dois “Z” equivalerem a “X”, o mesmo agente racional poderá preferir “2Z” a “Y”, na ausência de “X” e assim por diante. Destarte, as preferências podem ser comparadas e se fazer uma ponderação adequada com os pesos que lhe são conferidos.
Nestas circunstâncias, para as relações de troca existentes entre os agentes serem consideradas válidas, bastaria que o acordo resultante levasse em conta a tabela de preferências manifestas e seu devidos pesos intercambiáveis, a fim de que um equilíbrio fosse estabelecido nos ganhos obtidos por todos envolvidos. O contratualista, por fim, poderia tratar de preferências sem apelar para sentimentos subjetivos, mas considerando os valores objetivos observáveis por todos.
Para a ética ambiental, essas definições são importante posto que não só os interesses dos seres conscientes e sencientes estão em jogo, mas toda a diversidade da vida e os próprios recursos naturais que a mantém também precisam ser avaliados. Nesse sentido, trata-se de saber qual o peso que a preservação de uma determinada espécie terá na sobrevivência de outra. Além disso, o ecossistema que sustenta várias espécies depende do frágil equilíbrio do conjunto dos seres que o compõe. O que gera uma carga complexa de informações que tem de ser inserida no cálculo do valor moral da ação em termos ambientais com pretensões universalistas.

Ética Ambiental para Crianças

No ensino da ética para crianças na primeira infância, conforme o ponto de vista desenvolvimentista de Jean Piaget (1896-1980), não se pode abarcar os mesmos princípios formais que mais tarde os adultos podem discutir. Antes de atingir a competência linguística completa, aos 10 anos de idade, as crianças em geral manifestam compreensões morais diferenciadas. Segundo Howard Gardner, elas podem perceber o montante dos danos causados, embora não possam compreender as intenções de quem cometeu a ação[4]. Antes do domínio pleno da linguagem, a criança só pode constituir as noções básicas da ética que mais tarde serão melhor trabalhadas no enfrentamento das discussões éticas das quais tomará parte.
O psicólogo estadunidense Lawrence Kohlberg (1927-1987) foi quem primeiro procurou relacionar os estágios de desenvolvimento da consciência moral, sobre as premissas do processo cognitivo defendido por Piaget. A pesquisa de Kohlberg – apresentada em Essays on Moral Development (1981) – divide em seis estágios consecutivos, o progresso moral dos indivíduos. As duas primeiras etapas estão incluídas no nível pré-convencional, onde prevalece a perspectiva egocêntrica nas interações das crianças, que são dirigidas por uma autoridade externa, no primeiro estágio, e pelos próprios interesses, no segundo. A faixa etária desse período vai do quinto ao nono ano de vida, aproximadamente. Dos sete aos 12 anos de idade, são estabelecidas as relações convencionais e o dever passa a concorrer com as inclinações, no nível convencional. Já é possível a formação de papéis sociais, no terceiro estágio, quando a autoridade é interiorizada, passando a adotar a perspectiva coletiva do grupo, na etapa seguinte. Após os 10 anos e até os 15, consolida-se a posição autônoma do indivíduo diante da heteronomia. É o nível pós-convencional. Os conflitos são resolvidos com base nas perspectivas dos falantes e do mundo. No estágio cinco, a pessoa orienta-se por meio de princípios de justiça, enquanto, no sexto e último, seria possível apelar para fundamentação de normas e às regras de segunda ordem que examinam os princípios e o processo de formação de normas. A passagem por cada um desses níveis é entendida como um processo de aprendizagem do indivíduo.
O primeiro nível, chamado pré-convencional, abrange todo o primeiro ciclo fundamental -da primeira a quarta série. Dois estágios iniciais subdividem esse nível. No primeiro estágio, o castigo e a obediência orientam as ações da criança. O que esta entende por “direito” é a obediência irrestrita às regras e autoridade. Aqui, trata-se de evitar o castigo e o dano físico a pessoas e bens alheios. O ponto de vista egocêntrico prevalece nesta etapa e as ações são julgadas em termos de suas consequências físicas, não em função do respeito aos interesses dos outros.
No segundo estágio do nível pré-convencional, as relações de troca passam a fazer sentido. O “direito” já é entendido como seguir regras que sejam de interesse próprio e permitir que os outros também o façam. A troca justa é entendida como a transação mental para servir suas próprias necessidades em um cenário que se reconhece no outro os mesmos “direitos” a busca de seus respectivos interesses. Agora, a perspectiva individualista concreta é adotada. Já é possível separar seus objetivos dos outros. A interação entre pessoas nessa fase ocorre em função da necessidade instrumental – voltada para fins – dos serviços dos outros. Neste sentido, são admitidas as partilhas em termos de igualdade, onde cada pessoa recebe a mesma quantidade de recompensa. O primeiro nível é uma preparação para o estágio contratualista – orientado pela “regra de ouro”, de reciprocidade – que o sucede na fase convencional do desenvolvimento moral[5].
A ética ambiental que pode ser ministrada por profissionais dedicados à educação infantil deve então considerar essas particulares do desenvolvimento cognitivo e moral da criança. Mesmo que esteja imersa na perspectiva egoísta pré-contratual, é possível fazer prosperar a cooperação infantil no trato da natureza, desde que ela perceba a preservação do meio ambiente como parte de seus próprios interesses. Faz-se isso seguindo as sugestões feitas por Konrad Lorenz (1903-1989) de inserir a criança no contato com a natureza logo nos seus primeiros anos de vida.

Notas

1. Ver SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral, III, §16, p. 129.
2.Ver SINGER, P. Ética Prática, cap. 4, p. 117.
3.O utilitarismo clássico segue os princípios de felicidade expostos por seu fundador Jeremy Bentham (1748-1832) que visa ampliar ao máximo a felicidade aumentando o ganho de prazer e reduzindo ao mínimo a dor.
4.Ver GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom, cap. 4, p. 80.
5.A teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg tem uma descrição em português resumida na tradução de HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo, cap. 4, pp. 152-155.

Referências Bibliográficas

GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom; trad. Álvaro Cabral. – Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo; trad. Guido A. De Almeida. – Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
LORENZ, K. A Demolição do Homem; trad. Horst Wertig. – São Paulo: Brasiliense, 1986.
SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral; trad. Mª L. Cacciola. – São Paulo: Martins Fontes, 1995.
SINGER, P. Ética Prática; trad. Jefferson L. Camargo. – São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Educação Ambiental na Primeira Infância

As preocupações da humanidade com os efeitos de sua atividade sobre o meio ambiente são relativamente recentes. Datam de pouco mais de 150 anos. Antes disso, existiam apenas algumas manifestações isoladas de um santo – como Francisco de Assis (1182-1226) – que admoestava para a necessidade de cuidados para com os animais e a natureza, em geral. Poucos filósofos do passado dedicaram alguma atenção ao tema. Dentre eles, destaca-se Arthur Schopenhauer (1788-1860), que fundamentou sua teoria moral na compaixão, definida como evitar cometer atos cruéis contra outros seres vivos[1].
Schopenhauer também foi pioneiro na defesa dos direitos dos animais, mas quem primeiro apresentou um estudo sistemático acerca dos efeitos da superpopulação sobre os recursos naturais foi o economista político inglês Thomas R. Malthus (1766-1831), autor de um ensaio de 1798 que inaugurou esse novo campo de pesquisa. Para Malthus, o excessivo crescimento populacional acabaria com os escassos recursos naturais não renováveis[2]. O argumento de Malthus recebeu uma versão contemporânea mais consistente através do artigo “The Tragedy of the Commons” (1968), do biólogo Garrett Hardin (1915-2003).
A tragédia dos comuns descreve a situação na qual se encontram criadores de gado que resolveram explorar a área de pasto comum a suas propriedades que não tem dono. Para economizarem na compra de ração esses pecuaristas decidem estender o manejo de seus rebanhos às terras devolutas. Ao ampliarem suas pastagens, novas áreas são ocupadas por novas cabeças adquiridas. O gado cresce até o ponto de ocuparem todo o espaço físico disponível. Nesse instante, começa a escassear o pasto natural que existia em comum e o custo de alimentação do número crescente de cabeças de gado acaba sendo maior do que antes da invasão ter sido iniciada. A tragédia dos comuns representa, portanto, a situação paradoxal em que ficam aqueles que pensam poder usufruir indefinidamente de um bem público sem arcar com os custos de sua manutenção, quando passam além do limite que cabe a cada um[3].
O problema proposto por Malthus e Hardin só agora – quando os limites de sustentação da vida no planeta são conhecidos – ganha a clareza necessária para o entendimento em favor do controle da natalidade. Também fica cada vez mais nítido o erro em se implantar uma política de crescimento econômico que não seja sustentável ecologicamente. Vários episódios recentes têm se sucedido devido às dificuldades impostas pelo adensamento populacional, uma das possíveis causadas das mudanças bruscas no clima e na ampliação das áreas geológicas que oferecem risco a quem as ocupa irregularmente.
Nas grandes cidades, o aumento da temperatura tem sido causado pela urbanização e desmatamento, além da poluição dos automóveis. Isso tem causado a queda na qualidade de vida nas metrópoles localizadas em regiões tropicais ou próximas a outras fontes naturais de calor. A atmosfera tem um limite de recuperação que foi calculado em até 0,3 toneladas de emissões por habitante ao ano. No entanto, os países maiores poluidores do planeta insistem em defender suas emissões no limite acima de 1 ton/hab sob o falso argumento de que precisam manter ou melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos[4].
Problemas como o aquecimento mundial têm provocado o derretimento de antigas geleiras, antes consideradas permanentes, elevando o nível dos oceanos. Por conseguinte, populações costeiras vêm sofrendo com a subida da maré. Ondas cada vez mais altas varrem a superfície desses lugares. Países mais pobres e dominados por governos corruptos têm maiores dificuldades em combater os efeitos prejudiciais crescentes dos anunciados desastres ambientais.
Nesse contexto, a preocupação por estimular o ensino como o cuidado da natureza tem sido uma constante em sociedades esclarecidas. Em várias conferências internacionais, busca-se um entendimento em torno da necessidade de redução das fontes poluidoras responsáveis pelo aumento da temperatura da atmosfera. No Brasil, desde a constituição de 1988, a educação ambiental está prevista de ser aplicada em todos os níveis escolares e informalmente através da conscientização pública por meio de campanhas que promovam a preservação da natureza[5].

Legislação

Embora a constituição brasileira a tenha previsto desde 1988, só no final da década seguinte, em 1997, foi publicado os Parâmetros Curriculares Nacional (PCN) contendo em um de seus temas transversais a educação ambiental. Os PCN não tinham força de lei e serviam apenas como referência nacional para formulação de currículos dos cursos no Brasil. A inclusão da educação ambiental nos temas transversais indicava que seu conteúdo deveria ser tratado com maior abrangência, envolvendo os aspectos sociais da questão, além dos naturais tradicionalmente abordados nas disciplinas de ciências e geografia.
Do primeiro ao segundo ciclo, são sugeridos temas de acordo com a faixa etária do aluno. Da primeira à quarta série, incluem-se os ciclos da natureza -; água e materiais orgânicos -; os pontos em que a sociedade e o meio ambiente entram em atrito – os limites da ação humana -; o manejo e conservação dos recursos – saneamento, reciclagem, cuidado com plantas e animais. No geral, recomenda-se uma postura crítica em relação ao consumismo; a valorização da diversidade da vida; o estimulo à proteção da natureza; bem como o respeito ao direito do outro. Tais considerações atravessam todos os ciclos educacionais[6].
A educação ambiental ganhou força de lei em 1999, mas só em 2002 sua prática foi regulamentada. Uma amostra do pouco interesse do político brasileiro sobre a matéria. A lei 9795 de 1999 determina que em todos os níveis e tipos de ensino a formação dos professores tem de incorporar as questões ambientais, incluindo aqueles que estarão dedicados à educação infantil. Não se trata de implantar uma disciplina específica, mas de acrescentar conteúdo de ética ambiental nas atividades pedagógicas que forem desenvolvidas. O fato de não existir uma disciplina dedicada exclusivamente ao assunto, não implica na proibição de cursos de extensão ou especialização poderem desenvolver em detalhes a matéria que tem cunho nitidamente interdisciplinar[7].
Nesse sentido, o decreto 4281 de 2002 – regulamentador da lei 9795 -, além das instituições de ensino, integrou os órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) à política nacional de educação ambiental. Assim, tanto o ministro do meio ambiente, como o da educação, ambos são responsáveis pela coordenação dessa política[8]. O que vale dizer que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) devem ser ouvidos acerca das diretrizes traçadas pelo órgão gestor instituído pelos dois ministérios. Com esse acúmulo de entidades orientadoras, não surpreende o estado de atraso vivido pelo Brasil em mais de uma década de ensino em educação ambiental. Tamanho descalabro burocrático tem levado o país aos baixos níveis educacionais revelados por sucessivas reprovações em exames internacionais.
Independente das ações governamentais, as instituições de ensino particulares ou estatais, cujos diretores têm consciência das suas responsabilidades ambientais, estão livres para propor a seus educadores a consideração dos temas pelos quais o cuidado com a natureza possam ser levantados em aula. Vários protocolos internacionais – Quioto e Doha talvez tenham sido os mais discutidos – têm alertado para a urgência de se preparar o planeta para as rápidas transformações climáticas que estão por ocorrer caso não haja a reversão dos efeitos da poluição causados por uma sociedade global cada vez mais consumista.
Já sabe-se que a reversão pretendida até 2012 não acontecerá. Por conseguinte, urge que as próximas gerações sejam preparadas para lidarem com a instabilidade do clima. Enquanto os recursos governamentais não são destinados à preparação das cidades e áreas de risco, resta aos educadores, pelo menos, informarem e adotarem práticas simples, a fim de prevenir seus alunos de como enfrentar melhor os desafios que terão pela frente. Toda forma de desperdício deve ser repudiada, o envolvimento da escola com a melhoria das condições ecológicas de seu entorno pode estimular a comunidade local a se empenhar na limpeza e manutenção das cercanias da unidade de ensino. As escolas, por exemplo, poderiam promover atividades de conservação de suas fachadas livre de pichação, coleta de material reciclável, tratamento paisagístico etc.
Dentro dos domínios da escola, os alunos devem ser logo expostos ao contato mais próximo dos seres vivos, ao mesmo tempo em que lhe são explicados os ciclos harmoniosos da natureza e o desequilíbrio causado pela intervenção humana. Os passeios ao ar livre em parques ou jardins botânicos ou zoológicos também são recomentados. Konrad Lorenz (1903-1989) enfatizou a importância da criança criar um animal ou cuidar de uma planta, para que ela pudesse sentir a responsabilidade pelo seu bem-estar[9].
O significado das coisas passa a ser entendido mais facilmente pela criança quando ela está imersa em uma relação direta com seu meio. Como já dizia John Dewey (1859-1952), o conceito de “interesse”; etimologicamente está vinculado às coisas nas quais o sujeito está inserido – do latim inter esse, significa estar entre seres[10]. Logo, a criança e, por consequência, o adulto que ela será só terão interesse pelos assuntos ecológicos quando estiverem desde o início envolvidos com estes.
Os tópicos relativos à mudança climática são de conhecimento recente da maioria do público. Apesar dessa mudança acontecer em decorrência do lento acúmulo de pressão sobre os recursos naturais, só agora os efeitos do consumo descontrolado estão sendo percebido com clareza. Seus resultados passaram a afetar parte do interesse das pessoas ricas ou pobres. A poluição, como o calor, a proliferação de doenças e os desastres naturais atingem a todos. As crianças passam a ouvir mais em suas casas os adultos comentarem o assunto. Cabe à escola e à pré-escola orientarem corretamente seus estudantes no entendimento da matéria e o consequente enfrentamento desses problemas no futuro próximo.
Essa é uma tendência social da cultura atual: o debate ecológico. Sob vários aspectos a ecologia pode ser incluída no currículo pedagógico, desde a primeira infância. Por tudo isso, não se pode perder de vista as questões éticas inerentes às questões ambientais. Cientistas de renome nas mais diversas áreas como Lorenz, Edward O. Wilson, e Howard Gardner defendem explicitamente que se deve ensinar o verdadeiro distinto do falso, os valores estéticos e o bem natural e humano. Da educação ambiental se chega então à ética ambiental.

Notas

1. Ver SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral, III, 19, §8, p. 174.
2.Ver MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a População, cap. II, pp 249 e ss.
3.Ver HARDIN, G. “The Tragedy of the Commons”, pp. 1243-1248.
4.Ver INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. CO2 Emissions from Fuel Combustion: Highlights.
5.Ver BRASIL. Constituição de 1988, art. 225, §1, inciso VI.
6.Ver CZAPSKI, S. Implantação da Educação Ambiental no Brasil, III, p. 150.
7.Ver Lei 9795, arts. 8 e 10.
8.Ver Decreto 4281 de 2002, art. 1.
9.Ver LORENZ, K. A Demolição do Homem, IV part., p. 180.
10.Ver DEWEY, J. “Interesse e Esforço”, §2, 8, p. 163.

Referências Bibliográficas

CZAPSKI , S. A Implantação da Educação Ambiental no Brasil. – Brasília: Coordenação de Educação Ambiental do Ministério da Educação e do Desporto, 1998.
DEWEY, J. “Interesse e Esforço”, in Vida e Educação; trad. Anísio S. Teixeira. – São Paulo: Abril Cultural, 1985.
GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom; trad. Álvaro Cabral. – Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
HARDIN, G. ‘The Tragedy of the Commons”, in Science, 162, 1968.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. CO2 Emissions from Fuel Combustion: Highlights. – Paris: OCDE/IEA, 2009. Disponível na internet via http://www.iea.org.
LORENZ, K. A Demolição do Homem; trad. Horst Wertig. – São Paulo: Brasiliense, 1986.
MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a População; trad. Antônio A. Cury. – São Paulo: Nova Cultural, 1996.
SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral; trad. Mª L. Cacciola. – São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Desenvolvimento Infantil até os 10 Anos

Gravura de monumento dedicado a Rousseu por sua obra “Emílio” (1757)

O romantismo inerente ao texto de Emílio (1757) não tira o mérito, nem o pioneirismo de seu autor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que nesta obra inaugura a pedagogia moderna. Antes de Emílio, as crianças eram vistas como pequenos adultos que deveriam ter a instrução que interessasse à instituição formadora. Dessa forma, os estudantes eram preparados para substituir, quando crescessem, os membros de suas classes sociais ou de um setor específico da sociedade em que viviam. Depois desse romance, que tem por conteúdo um importante ensaio pedagógico, chamou-se a atenção para as características naturais da criança que precisavam ser observadas e estimuladas no que tivessem dos melhores valores humanos.
A crítica de Rousseau recaía sobretudo nos refinamentos fúteis, na hipocrisia e pedantismo de sua sociedade corrompida pelo Antigo Regime. Valorizava, por outro lado, o livre pensamento, as conquistas das ciências e as obras de arte duradouras que não se deixavam levar por modismos de ocasião. Desse modo, Rousseau alcançou lugar de destaque entre os principais reformadores da educação infantil[1].
Outros nomes, depois de Rousseau, mereceram o título de transformadores da pedagogia. Entre eles o soviético Lev Semyonovitch Vygotsky (1896-1934), nascido na bielo-rússia, e o suíço Jean Piaget (1896-1980), conterrâneo de Rousseau. Vygotsky elaborou suas teorias pedagógicas em paralelo ao trabalho de Piaget, independente das conclusões deste. Entretanto partilhou muitos pontos em comum com a epistemologia genética lançada pelo pedagogo suíço. No início do século XX, quando o cenário da educação infantil estava dominado por uma interpretação cientificista dos processos psicológicos, tanto no plano dos fenômenos naturais internos à espécie – darwinismo social -, como na influência excessiva do meio externo imposta à criança por parte do behaviorismo[2].
Vygotsky e Piaget divergiram desses radicalismos ao chamarem atenção para o papel fundamental que a interação do indivíduo com a sociedade exercia no seu desenvolvimento cognitivo, apesar de enfatizarem reciprocamente lados opostos de “uma mesma moeda”. Vygotsky considerava como sua principal divergência a questão crucial do discurso egocêntrico da criança em sua fase pré-escolar (dos 3 aos 7 anos). Para o bielo-russo, “o discurso egocêntrico da criança é um estágio na evolução do discurso vocal para o discurso interior”[3] que permanecia com as mesmas estruturas mentais da criança na etapa em que é interiorizado[4].
Na leitura que fazia de Piaget, Vygotsky lhe imputava a crença no desenvolvimento completo do primeiro discurso egocêntrico. Contudo se Piaget defendesse que esse tipo de discurso precederia inteiramente ao socializado, então o discurso interior também seria anterior à socialização, o que entraria em contradição com o pressuposto da teoria genética do próprio Piaget, cuja sequência iria do pensamento autista (interiorizado) para o socializado, através do discurso egocêntrico explícito. Na concepção de Vygotsky, ao contrário, o pensamento socializado e comunicativo da pré-escola seria anterior ao individual internalizado da escola[5].
Daí a famosa tese de Vygotsky defender a formação social da mente. O desenvolvimento da linguagem seguiria, portanto, o mesmo curso das operações mentais que usam signos, cálculos e memorização, em quatro etapas. Na primeira, ocorreria o discurso pré-verbal natural correspondente do comportamento primitivo. Em seguida, a criança passaria a experimentar o mundo e seu próprio corpo, fazendo uso até de instrumentos no exercício prático de sua inteligência infantil. No terceiro estágio, ela já conseguiria distinguir sinais externos, fazendo contas nos dedos e conversando consigo mesma em voz alta. Por fim, as operações mentais, apresentadas explicitamente antes, são agora interiorizadas. Os cálculos são feitos mentalmente, bem como o discurso egocêntrico que passa a ser silencioso e interno. Pensamento e linguagem seriam, então, na visão vygotskiana dois domínios preexistentes que se sobrepõem para formar o pensamento verbal[6].
Uma vez assumida essa ordem como válida, chega-se à conclusão de que o desenvolvimento intelectual da criança depende do seu desenvolvimento linguístico, o que para Vygotsky teria o mesmo significado de contexto social. Nessa perspectiva, o aprendizado deveria atuar na promoção do desenvolvimento mental, estimulando o avanço das fases de amadurecimento da criança. O educador, assim, exerceria o papel de estruturador das funções psicológicas ordenadas pela cultura humana[7].

Epistemologia Genética

Apesar de acusar as influências de Rousseau na obra de Piaget, Vygotsky concordava com ambos na rejeição da ideia ultrapassada de que a criança seria um adulto em miniatura e sua mente uma redução do cérebro de uma pessoa madura. Até certo ponto, as teses de Vygotsky representavam a contrapartida socialista para a epistemologia genética piagetiana, sendo portanto um herdeiro da pedagogia de Rousseau.
De fato, Piaget começou a trabalhar suas concepções sobre educação quando ingressou, em 1921, no Instituto Jean-Jacques Rousseau, de Genebra. Lá, ele lançou seu conceito de “egocentrismo”, uma peça chave de sua epistemologia genética. Com a associação do termo genética à epistemologia, Piaget queria enfatizar a necessidade de se compreender todas as fases de construção do conhecimento e não privilegiar uma forma reducionista de teoria do conhecimento centrada na biologia genética ou qualquer outra disciplina específica. Para entender o processo de conhecimento pelo qual a criança passa, Piaget tinha a consciência de que se tratava de uma tarefa multidisciplinar[8].
Segundo Piaget, o conhecimento resulta da interação entre o corpo do sujeito que aprende e dos objetos em sua volta. No início da atividade representativa, que vai desde o nascimento até o segundo ano de vida, as reações sensório-motoras do bebê consistiriam em descentralizar suas percepções dos objetos em relação ao próprio corpo, colocando os objetos a mercê de sua movimentação no mundo e iniciando a função representacional. Do segundo ao quarto ano, permanece o primeiro período pré-operatório das funções lógicas e matemáticas. Aqui, tudo está para ser constituído, os conceitos e suas relações ainda estão completamente indefinidos. Do quinto ao sexto ano, algumas “funções constituintes”; permitem o surgimento de ligações objetivas[9].
Através desses primeiros estágios, o egocentrismo passa do foco corporal para o plano superior da coordenação progressiva das funções conceituais em torno de objetos. Agora, as relações causais começam a fazer algum sentido quanto mais perto chegam do terceiro nível de desenvolvimento. Isto já anuncia as operações concretas que começam a ser executadas dos sete aos oito anos de idade. Dos 9 aos 10 anos, as operações racionais de transitividade, igualdade e as básicas da matemática – soma, subtração, divisão e multiplicação -; já são estabelecidas claramente. Doravante, as operações concretas são refinadas até se transformarem em operações formais depois dos 10 anos[10].

Novas Abordagens Pedagógicas

As divergências de cunho pedagógico entre Piaget e Vygotsky não foram suficientes para diminuir a importância das descobertas acerca do desenvolvimento mental humano. O etologista Konrad Lorenz (1903-1989), nobel de medicina de 1973, com base em suas pesquisas sobre o comportamento animal, alertou sobre os riscos que a civilização consumista estava correndo e os possíveis desastres sociais que poderiam provocar, ao ignorar as primeiras fases desse desenvolvimento.
Lorenz criticou as necessidades criadas por um tipo de sociedade que não permitia mais aos pais prestarem os cuidados vitais de seus filhos na primeira infância. A política de crescimento econômico a todo custo acabaria por levar ao confinamento das crianças em creches, para que os pais pudessem continuar produzindo sem interrupção, a linha de montagem massacrante da indústria de um modo geral. A agravante acontecia do quinto ao oitavo mês de vida do bebê, época em que se começa a estabelecer elos emocionais e afetivos por uma determinada pessoa de seu relacionamento – que nas condições naturais é a mãe -, discriminando as demais. Se nesse período, a criança é posta em uma cheche, ela pode vir a perder essa capacidade de vínculo afetivo, devido à troca constante de suas atendentes, durante o horário em que fica afastada dos pais.
O desenvolvimento do afeto à mãe – lembrava Lorenz -; é fundamental para o posterior contato social maduro. Esse amadurecimento exigiria que fossem solicitadas imediatamente muitas outras estruturas do sistema nervoso humano, a fim de evitar sua atrofia ou plasticidade – ou seja, ocupação dos neurônios inativos por outras funções periféricas. As relações afetivas da criança estão ligadas ainda ao desenvolvimento da curiosidade e do comportamento exploratório do mundo, além de diminuir sua agressividade[11].
Em estudo apresentado no livro Freakonomics (2005), o economista Steven D. Levitt e o jornalista Stephen J. Dubner comprovaram as consequências previstas por Lorenz. Levitt e Dubner relatam que a falta de afetividade na infância é um fator correlato ao aumento da criminalidade[12]. O que demonstra a importância de se ater ao fato de que o desenvolvimento natural da cognição humana depende de fatores inerentes ao indivíduo, bem como da sociedade em que se vai crescer.[13]
Segundo Lorenz, “a melhor escola para o jovem aprender que o mundo tem sentido é o trato imediato com a própria natureza, a convivência com ela” [14]. Certamente, o contato com a natureza, uma família estruturada e amorosa são importante como base de sustentação de um futuro amadurecimento equilibrado da criança. Mas uma boa escola exige que haja também a participação dos pais; a dedicação do corpo docente e o interesse da comunidade no seu bom desempenho. O psicólogo e pedagogo estadunidense Howard Gardner, autor de O Verdadeiro, o Belo e o Bom (1999), adverte, no entanto, que uma educação eficiente pode assumir muitas formas diferentes. Ela dependeria de uma visão clara dos objetivos do funcionamento de suas classes; das especialidades em que vão formar seus alunos e da correção dos métodos, quando os objetivos não forem alcançados são fatores também essenciais[15].
Gardner privilegia a formação de papéis que valorizem a competência notacional, capacidade de redação; conhecimento disciplinar; domínio da matéria e o “entendimento do verdadeiro, do belo e do bom”, desde a primeira infância Entretanto, ressalta que o êxito da prosperidade de uma escola depende da duração do apoio do sistema cultural em que estivesse inserida.

Notas

1Ver CHAUÍ, M. De S. “Rousseau: Vida e obra”, in Rousseau: Os pensadores, pp. xv e xvi.
2O behaviorismo é uma teoria do comportamento (behaviour, em inglês) desenvolvida a partir das pesquisas do fisiologista russo Ivan P. Pavlov (1849-1936) e que foi divulgada pelo psicólogo estadunidense John B. Watson (1878-1958), que rejeitava todo tipo de introspecção em favor do condicionamento e observação externa das suas causas e efeitos. Burrhus F. Skinner (1904-1990) foi o principal continuador dessa corrente pedagógica.
3Ver VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem, cap.2, II, p.31.
4Ver VYGOTSKY. Op. Cit., cap. 2, II, p.32.
5Ver VYGOTSKY. Idem, p. 34.
6Ver VYGOTSKY. Ibidem, pp 67-73.
7Ver VYGOTSKY. “Implicações Educacionais”, in A Formação Social da Mente, p. 119.

8Ver PIAGET, J. A Epistemologia Genética, intr., p. 14.
9Ver PIAGET, J. Op. Cit, seç. I-III, cap. 1, pp. 7-15.
10Ver PIAGET. Idem, cap. 1, seç III e VI, pp. 15-30.
11Ver LORENTZ, K. A Demolição do Homem, IV part., p. 167.
12Ver LEVITT, S.D & DUBNER, S.J. Freakonomics, 4, p. 141.
13Ver LORENZ, K. Op.cit., p. 189.
14Ver GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom, cap. 5, p. 133.
15Ver GARDNER, H. Op. Cit, cap. 5, p. 134.

Referências Bibliográficas

CHAUÍ, M. De S. “Rousseau: Vida e obra”, in Rousseau: Os pensadores. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom; trad. Álvaro Cabral. – Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
LEVITT, S.D. & DUBNER, S.J. Freakonomics; trad. Regina Lyra. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
LORENZ, K. A Demolição do Homem; trad. Horst Wertig. – São Paulo: Brasiliense, 1986.
PIAGET, J. A Epistemologia Genética; trad. Nathanael C. Carneiro. – São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem; trad. M. Resende. – Lisboa: Antídoto, 1979.
____. A Formação Social da Mente; trad. José Cipolla Nt et al. – São Paulo: Martins Fontes, 1994.