A Ditadura Judicial Brasileira Revelada

EM uma série de arquivos divulgados pela principal rede de comunicação de mensagens da INTERNET, foi desmascarada a ditadura judicial implantada no Brasil por uma corte suprema composta, em sua maioria, por indicados de governos corruPTos, ao longo do século XXI. Os arquivos demonstram a perseguição sistemática à oposição política, a censura prévia, bem como as prisões arbitrárias decretadas ilegalmente de quem ousasse desafiar os desmandos dos usurpadores oligarcas do poder de julgar por si mesmos ao arrepio da lei e da constituição, que proíbe tais violações explícitas do direito à liberdade de opinião e de ir e vir, em diversos artigos. Veja <https://www.twitterfilesbrazil.com/>.
A liberdade de expressão foi abolida no Brasil e a população ameaçada de prisão, caso se manifestasse contra o autoritarismo de um judiciário suspeitíssimo por violar a independência entre os poderes legítimos, constituídos por meio de eleições diretas.

As denúncias publicadas pelo serviço internacional de comunicação tornaram evidentes para todo mundo a tirania que se estabeleceu no Brasil, sob a conivência de uma imprensa marrom largamente financiada por um governo corruPTo que já fora condenado e denunciado várias vezes desde que tomou o poder no país com apoio dos mesmos juízes usurpadores que proibiu a divulgação de notícias sobre corrupção e outros delitos dessa organização criminosa durante a campanha, interferindo assim no devido processo eleitoral,

Estupidez Sanitária

NÚMEROS atualizados dos Cartórios de Registro Civil (CRC) brasileiros mostram as pertubações provocadas no histórico de registro de óbitos, no Brasil, durante os anos em que o autoritarismo sanitário cientificista impôs medidas arbitrárias à população. Tais medidas, implantadas entre 2020 e 2022, com quarentena de pessoas saudáveis, uso obrigatório de máscaras de pano e passaporte vacinal levaram a um recorde no registro de óbitos em 2021, ano que surgiu a famigerada vacina experimental à qual as pessoas saudáveis foram constrangidas a tomarem. Seus efeitos danosos à saúde pública ainda estão por serem investigados [Veja “Onda Mortal dos Vacinados”].

Gráfico 1, fonte: Cartórios de Registro Civil (CRC) do Brasil.

Em valores absolutos, o ano de 2021 foi o de maior mortalidade – com 1.767.604 registros de óbitos -, segundo os dados disponíveis para o período de 2015 a 2023 [Veja gráfico 1]. Foi também quando houve a maior oscilação positiva na passagem de um ano para o outro. De 2020 para 2021, a variação de registros de óbitos foi de 18,11%. A partir do momento em que o controle totalitário foi relaxado parcialmente, a queda observada na variação entre 2022 e 2021 foi vertiginosa, com uma taxa negativa de 15,32% óbitos a menos. Isso significa que as desastrosas decisões tomadas pelas autoridades brasileiras, na área de saúde, guiadas pela histeria cientificista, prejudicaram gravemente a saúde das pessoas, a ponto de perturbar a tendência natural dos óbitos no país [Veja gráfico 2].

Gráfico 2, fonte: Cartórios de Registro Civil (CRC) do Brasil.

Sem essas obrigações ditatoriais – apoiadas pela imprensa marrom, com o respaldo de um judiciário formado por indicados por governos corruPTos e uma classe médica patrocinada e, portanto, comprometida com os lucros da indústria farmacêutica – uma brusca correção foi feita na sequência dos registros de óbitos, no Brasil.
Tal tendência também foi observada nos Estados Unidos, onde informações independentes registram quedas sucessivas na mortalidade provocada pela vacina experimental, desde 2021, ano em as ocorrências sofreram um pico, jamais observado em qualquer outro tipo de vacina [Veja gráfico 3]. Com a população em todo mundo retomando os cuidados com sua própria saúde e o controle de suas vidas, sem a interferência de tiranos, a prática de esportes, a vida ao ar livre e o estímulo à imunidade natural, reforçaram seus sistemas imunológicos normalmente.
Depois de 2022, a oscilação do número de óbitos e o registro total voltaram ao seu ciclo regular. O que deverá se manter enquanto nenhuma nova exigência autoritária impor mais encargos ao povo, como a vacinação obrigatória de um medicamento notoriamente ineficaz.

Variantes do Princí­pio Antrópico

O princí­pio antrópico é uma falácia difí­cil de evitar. Expresso em sua formulação mais fraca não passa de uma tautologia ou truí­smo óbvio por si mesmo ao dizer que “a vida na Terra e a consciência humana são fenômenos naturais que ocorreram, devido a uma evolução especí­fica do universo, desde a grande explosão (Big Bang) até os dias de hoje”. Entretanto, quando se antepõe os efeitos à causa, as conclusões extraí­das são equivalentes ao “argumento do desí­gnio” ou do “projeto inteligente”, cujas origens remontam à  antiguidade e provocam um intenso debate nos dias atuais.
Para os cosmólogos e fí­sicos teóricos John David Barrow (1952-2020) e Frank Jennings Tipler, autores de The Anthropic Cosmological Principle (1986), as diversas versões dos princí­pios antrópicos comeí§am desde a antiguidade, quando uma série de “argumentos do desí­gnio, ou do projeto” (design argument) foram formulados pela primeira vez. A forma mais antiga poderia ser deduzida de concepções finalistas sobre o propósito do ordenamento do universo. Uma tradição cuja origem poderia ser atribuí­da ao pensador pré-socrático Anaxágoras de Clazônemas (500-427 a.C.) e seguida por Sócrates, que fora seu discí­pulo, Platão e Aristóteles [1].
De acordo com essa linha de pensamento, uma mentalidade criadora (nous) seria responsável pelo ordenamento de todas as coisas existentes depois de superar o caos primordial, determinando uma função especí­fica a cada objeto na natureza. Assim, tudo teria um fim ao qual seria destinado. O trecho do Fragmento 14, que se encontra na Physica de Simplí­cio de Cilí­cia (480-560), creditado a Anaxágoras, define o nous como o “conhecimento de todas as coisas que se misturam e se separam e dividem. E tudo o que estava para ser – o que era e o que agora é e o que há de ser – a tudo o nous ordenara” (apud KIRK, G.S., RAVEN, J.E. & SCHOFIELD, M.Os Filósofos Pré-Socráticos, p.383).
Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, acrescentou em De Anima. que a alma se identifica com todos os entes, pois os entes sensí­veis e cognoscí­veis são identificados pela ciência do mesmo modo que a percepção sensorial que, por seu turno, identifica as coisas sensí­veis [2]. Daí­ a compreensão de que a observação humana se torna possí­vel devido à configuração presente do universo. Como diria Martin Heidegger (1889-1976), a questão de entendimento do ser se dá a partir do mundo tal como este se apresenta aqui e agora [3].
Em outro lugar, Heidegger considera a capacidade humana de compreender a verdade do ser, ao observar a existência do ente tal como existe.

O homem é “jogado” pelo ser mesmo na verdade do ser, para que, existindo, desta maneira, guarde a verdade do ser, para que na luz do ser o ente se manifeste como o ente que efetivamente é (HEIDEGGER, M. “Sobre o Humanismo”, p. 158).

A relação entre ser, homem e entendimento de todas as coisas sempre esteve estritamente atada ao estudo da metafí­sica e sua concepção finalista da natureza. Entre os cientistas, uma das primeiras formulações do princí­pio antrópico pode ser encontrada no livro Man’s Place in Universe (O Lugar do Homem no Universo, 1904) do pioneiro da biologia evolutiva, Alfred Russel Wallace (1823-1913), onde se supõe que:

(…) Para produzir um mundo que deveria estar adaptado em todos detalhes para o desenvolvimento ordenado da vida orgânica que culminou no homem, um universo tão vasto e complexo como o que nós sabemos existir ao redor, pode ter sido absolutamente necessário (WALLACE, A.R. Man’s Place in Universe, p. 310).

Wallace foi o biólogo evolucionista que, ao lado de Charles Robert Darwin (1809-1882), ajudou a desenvolver a biologia contemporânea, baseada na seleção natural. Não obstante, sua interpretação antrópica da evolução da vida poderia levar a consequências contrárias à opinião dos biólogos evolucionistas que rejeitam um “argumento do projeto”, ao qual se poderia chegar por uma interpretação criacionista dessa proposição.

Por Toda Eternidade

Na fí­sica contemporânea, a proposta de um “argumento antrópico fraco” surgiu primeiro na discussão entre os fí­sicos Robert Henry Dicke (1916-1997) e Paul Adrien Maurice Dirac (1902-1984). Em 1961, Dicke publicou um artigo sobre as relações numéricas encontradas entre várias constantes importantes da fí­sica – como a da gravidade, o perí­odo de existência do universo e a quantidade de partí­culas nele existentes. Para Dicke, isso devia-se às condições que tornaram possível a formação de planetas habitáveis que poderiam abrigar vida inteligente, apta a compreender tais circunstâncias especí­ficas. A hipótese de vida inteligente no universo estaria, então, restrita às condições constantes da cosmologia que se conhecia na segunda metade do século XX, a um limitado perí­odo de tempo – o presente, portanto, a fim de satisfazer a relação entre os três números – gravidade, idade do universo e número de partí­culas [4]. Por sua vez, o próprio Dirac pensava que, na falta de um argumento decisivo, sua hipótese de que a vida poderia existir indefinidamente no futuro – além do presente -, seria a preferida: “eu prefiro a [hipótese] que permite a possibilidade de vida sem fim” (DIRAC, P.A.M. in DICKE, R.H. “Dirac’s Cosmology and Mac’s Principle”, p.441).
Sobre a possibilidade de vida eterna, Freeman John Dyson (1923-2020) apresentou, em 1978, uma série de quatro palestras – publicadas no ano seguinte -, nas quais procurou mostrar como seria possí­vel a seres inteligentes prolongar suas vidas indefinidamente em um universo aberto, cuja expansão se reduziria lentamente. Primeiro, seria necessário que a consciência dependesse apenas de sua própria estrutura informativa e não da matéria orgânica na qual se sustenta, nos seres humanos. Pois, do contrário, a vida inteligente só poderia continuar a existir em ambientes quente onde a água é lí­quida, para poder manter o metabolismo de suas moléculas dentro das células biológicas. Sendo assim, o resfriamento provocado pela expansão eliminaria rapidamente as fontes de energia livres disponí­veis para tal metabolismo.
Para ir além das limitações biológicas, a estrutura da consciência precisa ser independente de seu suporte fí­sico e poder se adaptar aos lugares mais frios. Em um futuro distante, civilizações mais avançadas – imagina Dyson – poderiam transferir suas complexas capacidades mentais para computadores analógico, mais adequados a esse empreendimento. Isso porque permitiriam que a memória analógica se expandisse na mesma taxa de crescimento do universo – diferente das memórias digitais, que têm uma capacidade de expansão limitada ao número finito de átomos em sua composição [5].

Por princí­pio, não há restrições para a capacidade de uma memória analógica, mesmo que seja construí­da com um número fixo de componentes, em um universo em expansão(…) [U]ma civilização imortal deveria, em última instância, encontrar maneiras de codificar seus arquivos em memórias analógicas com capacidade de crescimento logarí­tmica (DYSON, F.J. “Time Without End”, lec. III, pp. 456 e 457).

Computadores analógicos foram usados com mais frequência até os anos 1970, quando começaram a ser substituí­dos por digitais, com circuitos menores, mais rápidos e poderosos. Os computadores analógicos operam melhor com grandezas ou medidas contí­nuas e variáveis – como temperatura, velocidade e pressão -, por meio de manipulação de diferenciais de potências (a variação de voltagem de 0 a 1V, por exemplo, poderia ser associada a taxas precisas entre 0 e 100), enquanto os digitais precisam trabalhar com números discretos 0 e 1. Entre os componentes básicos de um computador analógico estão amplificadores operacionais dedicados a funções especí­ficas – inversão, somatória, diferenciação ou integrais. Os dispositivos, cujas correntes de saí­da são proporcionais às diferenças de suas entradas, fazem com que o sinal flua por componentes apropriados, a fim de obterem um resultado extraí­do de grandes quantidades de cálculos complexos variáveis. Funcionam bem na simulação de sistemas dinâmicos que demandem uma condução em tempo real de seus dados ou altas taxas de aceleração. Desse modo, eram empregados em simuladores de avião, usinas nucleares ou laboratórios quí­micos industriais. As medidas são trabalhadas diretamente sem necessidade de digitalização de códigos ou número. Suas operações são, portanto, mais complexas que as dos digitais, pois lidam com dados contí­nuos e não com valores discretos. Para utilizá-los, era preciso transformar cada operação em circuitos eletrônicos especí­ficos que a atendesse- geradores de sinais, amplificadores, integradores etc. Além do mais, dada a natureza variante das operações, a repetição dos processos não forneciam resultados exatamente iguais, por causa das mudanças reais de suas variáveis contí­nuas. Não obstante, não estavam sujeitos aos ruí­dos de quantização, nem às limitações fí­sicas que acometem os computadores digitais. Motivos pelos quais, Dyson os considerava mais adequados para preservarem a memória humana. Com os computadores analógicos, a transmissão de sinal por repetidoras de rádio – espalhadas em estações à larga distância – poderia acompanhar a evolução do universo por toda eternidade [6].

Princí­pio Forte e Outras Variantes

As conclusões tiradas em torno a vida eterna foram consequências da exploração da criatividade dos fí­sicos, a partir de uma versão do princí­pio antrópico considerada fraca, nos textos de Dicke e Dirac. Outras interpretações mais fortes foram estabelecidas depois. O matemático e fí­sico teórico australiano Brandon Carter levou adiante os desdobramentos da vinculação da presença humana com a possibilidade de existência do universo conhecido. Em 1974, Carter propôs uma previsão com base em um Princí­pio Antrópico Forte (PAF), segundo a qual nenhum tipo de vida seria possí­vel se as leis básicas da natureza não fossem exatamente iguais às que são agora. Somente uma teoria capaz de explicar com mais profundidade as relações previstas atualmente poderia superar a necessidade do princí­pio forte [7]. Depois de Carter, uma formulação ainda mais radical foi sugerida pelo fí­sico John Archibald Wheeler (1911-2008) – que, em 1967, cunhou a expressão “buraco negro” para o famoso fenômeno astronômico -, para quem observadores são necessários para o universo existir [8]. De fato, a existência do universo é algo que observadores inteligentes, mesmo no século XXI, reconhecem que antes de nascerem já existia sem a necessidade de ninguém para percebê-lo. No entanto, segundo o Princí­pio Antrópico Participativo (PAP) defendido por Wheeler, sua existência anterior seria apenas uma etapa necessária, onde todos eventos concorreriam para uma previsí­vel criação de observadores inteligentes na atualidade. Uma hipótese que remete às considerações feitas pelo bispo irlandês George Berkeley (1685-1733) em seu Tratado sobre os Princí­pios do Conhecimento Humano (1710), onde entendia como verdades óbvias que

todos corpos de que se compõe a poderosa máquina do mundo não subsistem sem um espí­rito (…), sendo perfeitamente ininteligí­vel e abrangendo todo o absurdo da abstração atribuir a uma parte dela existência independente do espí­rito (BERKELEY, G. Tratado sobre os Princí­pios do Conhecimento Humano, “Dos Princí­pios do Conhecimento Humano”, §6, p.14).

Seja tal espí­rito a mente humana ou algum espí­rito eterno, pois o ser de um objeto sensí­vel é ser percebido.
Por mais radical que a concepção imaterialista de PAP pudesse transparecer, Barrow e Tipler pensavam ainda necessário estabelecer um Princí­pio Antrópico Final (FAP, na sigla em inglês), para garantir a razão de existência do universo. Assim, o “princí­pio final” afirmava que “o processamento inteligente de informação deverá existir no universo, e permanecer enquanto este existir” (BARROW, J.D. & TIPLER, F.J. Op.Cit., pp. 23 e 59). Todas sequências de observações inteligentes, reunidas em um estágio final, fariam com que coexistissem, junto ao cosmos, todos seus eventos passí­veis de ser observados. Além do mais, isso seria a pré-condição fí­sica para valores morais também surgirem e se tornarem perenes. Afinal, valores morais não poderiam existir em uma cosmologia sem vida. E para que o universo continue a ser observado por seres inteligentes, far-se-ia indispensável que a vida ultrapasse a superfí­cie da Terra e colonize as demais regiões do espaço. O que se tornará possí­vel com a computação da vida, tal como Dyson havia previsto.
Desse modo, ao extrapolar as fronteiras da ficção cientí­fica, os defensores de princí­pios antrópicos acabaram por receber a crí­tica mordaz do matemático Martin Gardner (1914-2010):

Em minha não tão modesta opinião, penso que o último princí­pio seria melhor chamado de CRAP. o Completamente Ridí­culo Antrópico Princí­pio (GARDNER, M. “WAP, SAP, PAP E FAP”, in The Night is Large, 5, p. 48).

O que não impediu que outros princí­pios antrópicos ainda fossem proposto, mas sem muita aceitação, como o Micro-Princí­pio Antrópico (2004), para Teoria Quântica, de Brandon Carter.

O Fim Vem

Os princí­pios antrópicos surgiram, nas ciências da natureza, como uma reação ao princí­pio Copernicano que retirava o geocentrismo de cena e, por conseguinte, qualquer situação especial da condição humana na formulação de hipóteses cientí­ficas. Enquanto o princí­pio Copernicano descentralizava o universo, deixando de privilegiar um lugar qualquer no espaço das ciências astronômicas, os princí­pios antrópicos chamaram atenção por distinguirem o efeito de seleção do ponto de vista do observador, como um fator a interferir decisivamente na história do universo. Um destaque favorável ao florescimento da vida e da inteligência, especificamente na Terra.
A versão final, a fim de generalizar um ponto de vista além da perspectiva da espécie humana, associava ao processamento inteligente de informação a condição necessária para existência eterna no universo. O observador quântico do estado da matéria subatômica não precisaria assim de ser exclusivamente um cientista humano. Contudo, como muitos fí­sicos teóricos , que defendiam o princí­pio antrópico, também negavam a possibilidade anterior à espécie até o presente momento, consequentemente, a existência de vida inteligente extraterrestre, apenas os seres humanos permaneciam como “observadores inteligentes do universo” [9].

Eu descobri entretanto que tal conclusão tende a ser impopular em muitos cantos, presumivelmente porque ela envolve limitações sobre a extrusão e particularmente a duração da civilização tal como a nossa, a qual (em vez de imortalidade pessoal) muitas pessoas poderiam preferir pensá-la como imorredoura. (CARTER, B. Op.Cit., p.5).

Ao preferi a hipótese de vida eterna sem limitações planetárias, Dirac estava ao lado da concepção copernicana descentralizada da vida no universo. Até 1998, essa situação indefinida perdurou. Tudo mudou a partir da descoberta da expansão acelerada do universo por dois grupos distintos de pesquisadores – Saul Perlmutter, na California; Adam G. Reiss, em Maryland, ambos nos Estados Unidos e Brian P. Schmidt, na Austrália – que, por isso, receberam, em 2011 o Nobel de fí­sica. Os fí­sicos observavam supernovas distantes, quando perceberam que o brilho um brilho mais fraco do que o esperado. Isso indicaria que o universo deveria estar se expandindo a uma taxa de aceleração maior do que a conhecida até então. A explicação para tanto residia na matéria e na energia escura existente. De todo universo, os cientistas presumem que 95% seja composto por energia e matéria invisí­vel aos atuais instrumentos (3/4 de energia escura e 1/5 de matéria escura). Apenas cinco por cento corresponde à matéria visí­vel. Os cosmólogos pensam que a escuridão seja a responsável pela forí§a de repulsão que afasta a matéria visí­vel, contra a força de atração exercida pela gravidade. Assim, a tendência é que os elementos se afastem cada vez mais uns dos outros até a extinção completa de sua energia.

As antigas esperanças de que em um futuro distante houvesse uma redução da velocidade de aceleração e mesmo na regressão e até a possibilidade de um grande esmagamento (Big cruch), depois que o ápice da expansão fosse atingido, ficou prejudicado pela surpreendente descoberta de 1998. A previsão de Dyson de uma colonização completa do espaço aberto, por uma civilização inteligente também ficou comprometida. A concepção de Tipler para ocupação de universo fechado, com perí­odo de expansão e contração Teoria Ômega), já havia caí­do antes, com a impossibilidade de qualquer retração futura. Em seu universo fechado, os cálculos indicavam uma duração de 100 bilhões de anos, até que todas as coisas fossem novamente esmagadas. Com um espaço aberto, mas passí­vel de redução de sua aceleração, os anos avançariam até a evaporação do último buraco negro, a cerca de 101076 (10 elevado a 10 elevado a 76), de acordo com Dyson [10].

Entretanto, em um universo em expansão acelerada, o máximo onde a vida inteligente poderia chegar seria ao quadrante da constelação de Virgem, conforme confidenciou Dyson a Tipler, em particular [11]. O destino do universo foi traí§ado pela II Lei da Termodinâmica. Uma “morte térmica”, bem fria, é esperada em um futuro muito, muito distante, sem o testemunho de qualquer forma de vida – inteligente ou não.

Notas

1. Veja BARROW, J.D. e TIPLER, F.J. The Anthropic Cosmological Principle, cap. 2, §2.2, p.32.
2. Veja ARISTÓTELES. De Anima, liv. III, §8, 431b 20 e ss.
3. Veja HEIDEGGER, M. Ser e Tempo, II cap., §5, p. 43 e ss.
4. Veja DICKE, R.H. “Dirac’s Cosmology and Mach’s Principle”, p.441.
5. Veja DYSON, F.J. “Time Without End”, lec. III, pp. 456 e 457.
6. Veja DYSON, F.J. Op.cit., lec.IV, p.459.
7. Veja CARTER, B. “Large Number Coincidences and the Anthropic Principle in Cosmology”, §4, p.295.
8. Veja BARROW, J.D. & TIPLER, F.J. The Anthropic Cosmological Principle, p.23.
9. Para essa discussão, veja GARDNER, M. Op.Cit., 5, pp.46 e 47 e também CARTER, B. “Anthropic Principle in Cosmology”, pp. 4 e 5.
10. Veja DYSON, F.J. Op.Cit., lií§.II, 453.

11. Veja TIPLER, F.J. “Freeman Dyson Against the Heat Death”, in EDGE.ORG. Remenbering Freeman Dyson.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. De Anima. – Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010.
BARROW, J.D. & TIPLER, F.J. The Anthropic Cosmological Principle. – Oxford: Claredon, 1986.
BERKELEY, G. Tratado sobre os Princí­pios do Conhecimento Humano. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
CARTER, B. “Large Number Coincidences and the Anthropic Principle in Cosmology”, IAU Symposium 63: Confrontation of Cosmological Theories with Observational Data, pp. 291–298. Reidel, Dordrecht, 1974.
____. “Anthropic Principle in Cosmology”, in Contribution to Colloquium “Cosmology: facts and problems” Collège de France, Junho 2004.
DICKE, R.H. “Dirac’s Cosmology and Mach’s Principle”. Nature nº192, pp.440–441, 1961.
DYSON, F.J. “Time Without End”, Reviews of Modein Physics, Vol. 51, Nº 3, Julho de 1979.
GARDNER, M. “WAP, SAP, PAP E FAP”, in The Night is Large. – Buffalo: Prometheus Book, 1992.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. – Petrópolis: Vozes, 1988.
____. “Sobre o Humanismo”, in Conferências e Escritos Filosóficos. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
KIRK, G.S., RAVEN, J.E. & SCHOFIELD, M.Os Filósofos Pré-Socráticos. – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
TIPLER, F.J. “Freeman Dyson Against the Heat Death”, in EDGE.ORG. Remenbering Freeman Dyson. Disponível na Internet via https://www.edge.org/conversation/freeman_dyson-remembering-freeman-dyson. Arquivo consultado em 2023.
WALLACE, A.R. Man’s Place in Universe. – Londres: Chapman & Hall, 1904.

A Segunda Abolição

NO dia 29 de junho de 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou uma decisão histórica e corajosa. Ao determinar a igualdade de direitos no acesso às universidades, os juízes suspenderam as políticas de “cotas raciais” para a matrícula em instituições de ensino superior, nos EUA. A medida equivale a uma segunda abolição da escravidão. Agora, os afro-estadunidenses estão livres das doutrinas demagógicas e preconceituosas da esquerda racista. Depois de duas gerações de “ações afirmativas” ineficazes, os afro-estadunidenses podem enfim provar que não precisam do assistencialismo “progressista” para ingressarem nas universidades, como qualquer outra pessoa ou etnia – que não fazem uso de muletas do mal disfarçado racismo esquerdista. Assim, como na música popular e nos esportes, por exemplo, essa “minoria oprimida” mostrará que também é competente no xadrez, na matemática, na informática e na música erudita, sem a demagogia de políticos e intelectuais hipócritas.

Não façam nada conosco! (…) [S]e o Negro não puder ficar em pé sobre suas próprias pernas, deixem-no cair também. Tudo que eu peço é, deem-no uma chance para ficar sobre suas próprias pernas! Deixem-no em paz! Se vocês o virem a caminho da escola, deixem-no em paz, não perturbem! (DOUGLASS, Fr. “What the Black Man Wants”, 1865).

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Referência Bibliográfica

DOUGLASS, Fr. “What the Black Man Wants”, in Negro Social e Political Thought (1850-1920) – New York: Basic Books, 1962.

A Ilusão do Direito Natural

DIREITOS não nascem em árvores, nem caem do céu. Na natureza, não existe um rei leão ao qual as lebres possam recorrer para reivindicarem igualdade, sem apresentarem garras e presas que a defendam [1]. Para os direitos dos indivíduos prevalecerem é preciso que se lute para tanto. No mundo natural, domina a lei dos mais aptos ao ambiente atual. Quem estiver melhor adaptado ao meio poderá transmitir a seus descendentes os bens genéticos e materiais acumulados.
A teoria do direito natural afirma que este surge da própria natureza das coisas e independe das deliberações legislativas humanas. Um conjunto de regras e princípios universais e eternos, invariáveis, desvinculados da vontade dos indivíduos ou das instituições comandariam suas ações. Sua verdade seria evidente à razão e refletiria a natureza das relações entre os seres humanos. Derivam das condições objetivas dos valores extraídos dos fatos vividos ou, acima disso, de uma ordem divina. Em última instância, formariam o elenco de deveres de toda humanidade, a despeito de seus desejos ou vontades. Em suma, decorreriam das inclinações naturais humanas, em seus valores éticos e espirituais, inseridos na consciência de todos, percebidos em suas razões mais gerais, sendo um valor ideal atemporal, de nenhum local específico.
Ao longo da história, uma concepção natural do direito pretende fazer parte de uma visão geral da natureza, confundindo questões da física e biologia com psicologia ou sociologia. Quando se fala de necessidades naturais humanas, que precisam ser atendidas por um direito básico, se pensa que haja uma finalidade natural na espécie para a qual ela avance. Tais condições, compartilhadas por todos seres vivos, seriam, por isso, o fundamento do direito natural. A sobrevivência possuiria um estatuto especial que sustentaria todo pensamento acerca da justiça. O conteúdo mínimo do direito natural. A sobrevivência determinaria, portanto, o modo de viver da espécie, aceito em geral, formando o elemento comum de todo controle social. Pensamento que contaminou até mesmo a origem do contrato social, na versão proposta por Thomas Hobbes (1588-1679) no livro Leviatã (1651).

Hobbes tinha, em sua postura empírica do saber, esse conteúdo mínimo de direito natural. Pensava que, pelo método geométrico, a razão poderia descobrir as regras fundamentais para formação de uma sociedade submetida à soberania de um estado dedicado a garantir a segurança de seus cidadãos, manter a paz e o cumprimento dos pactos firmados [2].

Falácia

Uma falácia naturalista surge quando se tem a crença de que uma regularidade dos fatos na natureza possa ser consequência de uma lei natural, que regeria todos acontecimentos físicos. David Hume (1711-1776) foi um dos primeiros filósofos a observar esse tipo de raciocínio equivocado. Em sua Investigação sobre o Entendimento Humano apontou, no hábito de associar a regularidade com a qual os objetos se relacionam às leis naturais necessárias, o erro de se transcender às experiências, verdadeira fonte do conhecimento humano, e imaginar um mundo ideal das relações perfeitas entre as coisas. É uma falácia repetida pelos defensores do direito natural que acontece, por exemplo, quando se estende um princípio ético, como “bom”, a condições naturais, de “prazer” ou “satisfação” [3]. Entretanto, Hume – que fora tão arguto com relação às leis da física -, no que diz respeito à ética, ao contrário, considerava que a benevolência seria um princípio natural fundamental do conhecimento prático humano. Uma perspectiva dos sentimentos morais semelhante ao utilitarismo que prevalecia entre os filósofos escoceses e ingleses no século XVIII. Também entendia Hume que, na política, a sujeição habitual sustentaria a observância das leis e a submissão ao soberano, como se estas fossem leis universais da natureza, independente do consentimento voluntário [4].
Todavia, dois séculos depois, George Edward Moore (1873-1958) demonstrou a existência de uma falácia naturalista na ética toda vez que se confunde um objeto natural com o prazer e a satisfação que produz, algo que por isso o tornaria uma coisa considerada “boa” no sentido moral, por ter tal propriedade sensível [5]. Nesse sentido, Moore fora além de David Hume. Pois, no que se trata da soberania, nem mesmo se fosse acompanhada pelo hábito de obediência às leis, o apelo utilitarista seria capaz, por si só, de gerar a prevalência do direito natural, sem a observância das penalidades contra sua infração. Além do mais, conforme argumentou Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1994), os hábitos não possuem força normativa para “conferir direitos ou autoridade a quem quer que seja” [6].
As necessidades naturais de todos seres vivos em se manter são questões factuais que não implicam em um dever ou um direito a se respeitar, ainda que seja para preservar a existência das espécies. Na natureza, não há um “rei leão” ao qual se possa recorrer a fim de denunciar abusos de uma espécie sobre a outra na luta pela sobrevivência. O direito à vida, talvez a condição básica trivial para os seres vivos postularem uma definição natural para o direito, por sua vez, depende antes de tudo da capacidade de cada vivente em encontrar soluções para sua sobrevivência, ao invés do reconhecimento de uma lei “escrita na pedra”, desde tempos imemoriais, que imponha seu respeito a todos. A luta pelos recursos de subsistência tem estratégias próprias moldadas na interação entre outros seres vivos, competitivos ou cooperativos. As melhores estratégias garantem não só a sobrevivência do indivíduo, como a de cada espécie, quando são transmitidas através das futuras gerações.
Entre a cooperação e a deserção, a teoria dos jogos delimitou 16 estratégias básicas adotadas em situações típicas àquelas de tomadas de decisão semelhantes às do modelo simplificado do Dilema dos Prisioneiros – passíveis de serem aplicadas às interações enfrentadas pelos agentes na natureza [7]. Em geral, as linhas de ação empregadas são uma mistura de cooperação e deserção conforme as oportunidades específicas de cada circunstância. São raras e sujeitas à rápida extinção, em poucas gerações, as estratégias de pura deserção ou cooperação incondicional. A reciprocidade desponta como a estratégia comum mais eficiente na maioria dos casos. Entretanto, para que a cooperação recíproca se sustente, a longo prazo, é necessário que os agentes envolvidos sejam capazes de responder a uma agressão imotivada sofrida, na mesma proporção em que foram atingidos. Do contrário, a cooperação será perdida e o retorno ao estado de natureza da “guerra de todos contra todos” e mútua desconfiança dominarão as ações subsequentes [8].

A rêmora une-se a tubarões e embarcações, a fim de obterem alimento fácil para sua sobrevivência.

Na natureza, a cooperação entre espécies ocorre de maneira simbiótica e em outras formas de parasitismo e comensalismo, quando os participantes da interação se beneficiam mutuamente na relação ou não percebem sua exploração. Bactérias fixam no solo o nitrogênio necessário para plantas desenvolverem-se. O pássaro-palito (Pluvianus aegyptius) limpa os dentes de crocodilos, enquanto a rêmora (Remora remora) e o peixe-piloto (Naucrates ductor) acompanham tubarões e navios, a fim de alimentarem-se das sobras de caças abatidas pelos carniceiros ou simplesmente jogadas ao mar por embarcações. Tais comportamentos gravados nessas espécies pela evolução, embora tratem de colaboração e aproveitamento de situações, não fazem parte de um processo deliberativo passível de ser modificado de acordo com as circunstâncias e interesses dos indivíduos de uma determinada geração. Para que haja a possibilidade de mudança de comportamento ou discussão de cláusulas de um acordo, é preciso que as propostas sejam entendidas e ratificadas com base em argumentos aceitos como válidos ou na luta bem sucedida para afirmá-los.

Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a eles se opunham; todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma por uma disposição ininterrupta para a luta (IHERING, R.v. A Luta pelo Direito, I, p. 27).

O abandono da luta ameaça o direito e todas as conquistas humanas, de acordo com o jurista alemão Rudolf von Ihering (1818-1892). Deixar de mobilizar-se contra fraudadores do direito termina na dissolução deste e ganho para os usurpadores que se aproveitam da fragilidade alheia, na defesa de seus direitos. O combate vitorioso de cada um pelos recursos necessários a sua sobrevivência criou, pela conquista, o direito privado que se tornou a base de todos os direitos posteriores. Assim, a formação do direito vem na esteira da luta pela sobrevivência, da invenção das armas e ferramentas que o sustentavam, como uma resposta natural da evolução biológica da espécie humana. É o resultado dos confrontos vividos pela espécie e sua inteligência para solucionar os problemas, não uma causa a priori para sua constituição.
A seleção natural não dotou a espécie humana de garras e dentes fortes, como os dos grandes felinos. Não obstante, lhe concedeu um cérebro superdimensionado, dotado de uma racionalidade pronta para resolver os problemas vitais e julgar o que era bom ou mau, segundo seus interesses, além da sobrevivência e reprodução. O sucesso de sua adaptação a todos ambientes na Terra, fez da espécie homo sapiens a única que de fato assumiu o papel de regente, na natureza. Os seres humanos determinam, agora, quais espécies são nocivas ou benignas. Combatem com eficácia devastadora as que lhes ameaçam, enquanto favorecem as que lhes fornecem o sustento necessário a sua existência.
Entre os seres vivos não há ética ou direito assegurado, por natureza. Tais conceitos foram criados pela racionalidade humana, não por uma lógica transcendental, mas pela necessidade de evitar a disputa incessante pelos recursos naturais entre os próprios seres humanos que, então, estabeleceram costumes e regras para pacificar seu território e proporcionar o progresso jamais obtido por nenhuma outra espécie no planeta. Semelhante às ferramentas criadas para trabalhar a terra, e às armas inventadas para sua segurança, a ética e o direito foram projetados com o intuito de organizar e policiar aqueles que disputavam os mesmos meios entre os membros de sua própria espécie.
O direito à vida – fundamental aos viventes – não tem acordo entre os seres vivos, para ser considerado um “direito natural e universal”. Carnívoros precisam se alimentar de herbívoros, para não morrerem de fome. Herbívoros, por sua vez, não sobrevivem sem os vegetais, dos quais se nutrem. Espécies onívoras, não podem deixar de comer – tanto plantas, como animais – sem apresentar deficiências por falta de vitaminas, carboidratos e proteínas indispensáveis a sua boa saúde. Dito de outro modo, animais carnívoros dependem de caçar herbívoros, enquanto estes se alimentam de vegetais, da mesma forma que onívoros precisa dos nutrientes que encontram tanto na carne como nas plantas, para ter um corpo saudável. Os vegetais percebem as condições do clima, a presença de água, luz e suas raízes e folhas buscam os nutrientes necessários no ar e na terra para sua subsistência. Sem a presença de um sistema nervoso, não conseguem, entretanto, elaborar uma imagem do mundo que permita se chamar de consciente. Alguns animais sencientes formam mapas do ambiente através de suas experiências mentais. Contudo, apenas os seres humanos atingiram a capacidade de associar uma narrativa que poderia ser comunicada, por meio de palavras, as suas imagens mentais. A noção de si que surgiu dessa evolução criou o universo da individualidade humana que lhe proporciona a “construção de culturas” e invenções, tais como o direito comum que forjou as sociedades [9].

Em conclusão, a subjetividade e a experiência integrada são componentes cruciais da consciência (DAMÁSIO, A. A Estranha Ordem das Coisas, part. II, cap.9, p. 167).

A consciência de si foi o elemento fundamental para formação do indivíduo e de sua respectiva reivindicação de direitos. Com a afirmação do que possui, sua propriedade, o ser humano pode inventar o certo e o errado que fundam o direito e orientam o seu comportamento em sociedade, a relação cooperativa com seus semelhantes.

Certo e Errado

O ceticismo moral – que teve um representante ilustre em John Leslie Mackie (1917-1981) – defende, então, que não há valores objetivos, em ética. Juízos morais ordinários – como o valor da vida – pretendem ser objetivos. Porém, sua pretensão é falsa e se apoia em um erro teórico. Em sua origem, as pessoas são pressionadas socialmente a adotarem determinados comportamentos, cujo caráter absoluto lhe conferiria uma autoridade objetivada, embora artificial, no seio de uma sociedade. Um estatuto de lei suprema que não tem um legislador real.

Outra maneira de explicar a objetivação dos valores morais é dizer que a ética é um sistema legal cujo legislador foi removido. Derivado de leis positivas de um estado ou de um suposto sistema de direitos divinos (MACKIE, J.L. Ethics, cap. 1, §10, p. 45).

O pensamento moral que fundamenta o direito depende de modos de viver reais. A visão metafísica desses valores não passa de motivação que guia as ações intrinsecamente. As consequências derivam de suas características materiais, para quem assume uma perspectiva naturalista que não seja falaciosa. Por conseguinte, a falta de uma capacidade cognitiva plena impediria de se reconhecer tais consequências, dos valores morais. Contudo, a dificuldade de traçar uma linha contínua entre diferentes padrões morais observados nas sociedades, reforçam a percepção de que estes se sustentam apenas em crenças particulares.
Sem embargo, juízos morais têm pretensões de universalização. O que não quer dizer que eles sejam valores universais transcendentais, de verdade, mas simplesmente que aspiram a ter validade universal para todos os entes racionais. São, desse modo, propostas da mente humana, como as leis e seus direitos vinculados. Um direito universalizável apoia-se em valores morais com pretensões iguais. Embora não haja nenhum valor objetivo que possa ser imposto a priori, sem a aceitação dos indivíduos, da mesma forma que as leis [10].
A aceitação da fundamentação moral do direito precisa de indivíduos com capacidade cognitiva para entenderem suas implicações. A faculdade de raciocínio dos agentes determina a correta validação das normas, segundo o atendimento de seus interesses básicos pela sobrevivência e reprodução. Afirmar que não existem valores ideais objetivos e direitos naturais não apaga as necessidades naturais que todos seres vivos possuem, incluindo aqueles que propõem as leis. Isso significa tão somente que ao se propor leis gerais, os seres racionais têm de levar em conta os fatos da vida biológica de todos envolvidos e seus consentimentos, para sua validação.

Embora quem não possua capacidade cognitiva para reconhecimento das leis, não possa ser considerado sujeito de direito, muito menos seu agente, não obstante, pode ser tido como objeto do direito, conforme a vontade de quem aprovar as regras a serem seguidas, com as quais esteja relacionado. Quanto maior for a abrangência das leis, maiores serão os atingidos. O debate em torno da validação de princípios morais e do direito deve ser constituído por seres racionais que possuam as mesmas necessidades dos seres viventes. A espécie humana é a única, salvo engano, apta a criar leis e sustentar argumentos em seu favor, ainda que atinjam seres que não possuam tais habilidades, mas sejam objetos de sua consideração. Desse modo, o direito e a moral criados pelos humanos acabam por afetar todo meio ambiente, sem, no entanto, ter como causa uma “iluminação natural”, mas um artifício projetado pela mente humana.

O Conceito de Direito

Hart dedicou o nono capítulo de sua obra clássica, Conceito de Direito (1961), a rebater os principais argumentos em favor do direito natural. Em seu ceticismo moral em relação às leis, considerava válidos os critérios jurídicos, para formulação de leis concretas, que fossem independentes de referências éticas ou de uma concepção prévia de justiça admitidas tacitamente [11]. Ao contrário do direito natural, o positivismo jurídico – do qual era adepto – não dependeria de leis com conteúdos morais, nem de um método de descoberta racional semelhante às leis da física. Tais leis são frutos da observação e correta descrição de um movimento repetitivo, na natureza, enquanto as leis de condutas humanas não passam de proposições prescritas como normas a serem seguidas, conforme a aceitação geral [12].
Diferente dos objetos inanimados e dos demais seres vivos, os seres humanos poderiam escapar às leis “naturais” da moral e do direito, por serem dotados de livre arbítrio. Apesar de não poderem voar como os pássaros, a persistência dessa mentalidade metafísica, no direito, manter-se-ia, apenas por conta de aspirações de verdades que pudessem ser validadas tanto por humanos, como pelos deuses. As formulações abstratas e complexas devem, entretanto, passar por deduções que surgem da observação de elementos reais e confirmadas ou refutadas de modo mais simples. A regularidade dos fenômenos assegura a postulação de leis naturais, embora isso não implique que haja um fim natural e universal para o qual as coisas tendam. Essa concepção teleológica da natureza perdura desde a antiguidade, quando a causa final significava que não poderia haver uma escolha aos seres vivos e da própria natureza, em geral, sobre seu destino.
A vulnerabilidade física, semelhante entre todos os membros da espécie, a despeito da colaboração observada, a fim de se evitar o confronto constante pelos recursos escassos, foi fixada independente da vontade dos indivíduos, que, além disso, precisam de regras dinâmicas para que estas leis sejam implementadas no intuito de superar as carências de cada um. Uma disposição e maior compreensão das normas tornam a vida social praticável entre as pessoas. As vantagens da cooperação são visíveis, quando as sanções inibem os seus desertores. Tais garantias são observadas se houver um sistema coercitivo que estimule o cumprimento dos acordos e do empreendimento mútuo entre os seres humanos [13]. Por outro lado, contra as posturas de um cético positivismo radical, Hart defende que sistemas de leis de uma sociedade possam ser fundamentados com princípios éticos acerca do direito, internamente.

Podemos dizer, dado o enquadramento dos fatos e finalidades naturais, que aquilo que torna as sanções, não só possíveis, como necessárias num sistema interno, é uma necessidade natural, (…) de proteção das pessoas, da propriedade e dos compromissos, os quais são aspectos igualmente indispensáveis do direito interno (HART, H.L.A. Conceito de Direito, cap. IX, §2, p. 215).

As críticas ao direito natural não eliminam a possibilidade de um conteúdo específico para o direito, em geral. Assim, não haveria um conteúdo vazio que um positivismo radical poderia sugerir. Valores, como o trato igual de pessoas diferentes, sob as mesmas leis – isonomia -, podem ser aceitos por todas as formas de direito, embora, historicamente, tenha havido sociedades que não estendiam o mesmo direito a todos. Um sistema jurídico é, então, um fenômeno social que depende da aceitação voluntária das regras e sua observância [14].
A estabilidade de um sistema jurídico depende de um padrão de comportamento aceito, por parte dos adeptos e de seus transgressores. Um sistema exclusivista rígido está sujeito a ameaças e revoltas constantes. Um controle social jurídico, que não se apoie apenas nas obrigações, tem um custo administrativo alto e precisa se adaptar às mudanças, sob pena de uma sujeição a uma organização centralizada opressora e burocrática. Poder e autoridade sustentam-se na regra da aceitação pacífica, por parte das pessoas que lhe são subordinadas. A lealdade ao sistema baseia-se em interesses de longo prazo, na observação do comportamento da população ou em um apego à tradição. Não está, assim, necessariamente vinculada a um juízo moral com relação ao que deve ser feito com o direito.
A legislação absorve a moral comum aos códigos jurídicos. Princípios e valores sociais são, então, observados no direito. Desse modo, a estabilidade do sistema também pode estar ligada à moral. Porém, a interpretação da lei pode pôr em conflito tais valores, sem que uma postura conflitante seja mais decisiva do que a outra. As virtudes a serem seguidas nesses casos são de imparcialidade e neutralidade, em uma palavra: “isonomia”, os interesses de todos envolvidos devem ser considerados igualmente sob a mesma lei. Uma decisão racional deve ser buscada para concordância de um princípio geral, diante dos postulantes.
A crítica do direito requer a conformidade aos padrões jurídicos geralmente aceitos, como o respeito ao trato igual das partes; proteção às liberdades fundamentais etc. A mesma regra geral deve ser aplicada a todos os casos pertinentes, sem discriminação ou outros interesses escusos do magistrado. As regras precisam ser claras, compreensíveis à maioria das pessoas sem retroagirem sobre decisões julgadas. As leis que formam o conteúdo do direito são propostas, debatidas e aceitas antes de sua aplicação, embora as suas consequências nem sempre sejam devidamente avaliadas.

Enquanto os seres humanos puderem conseguir a suficiente cooperação de alguns, de forma a permitir-lhes dominar os outros, utilizarão as formas do direito como um de seus instrumentos. Os homens perversos editarão regras perversas que os outros obrigarão a cumprir (HART, H.L.A. Idem, §3, p.226).

Código de Hamurabi

O código de Hamurabi um dos pactos mais antigo inscritos em pedra, para que todos conheçam a lei vigente.

Regimes totalitários prevalecem, não apenas pela força bruta, mas principalmente pela servidão voluntária daqueles que se acovardam perante o autoritarismo de leis iníquas que lhes são impostas, por um poder espúrio usurpado do povo [15]. Disso resulta a necessidade de constante atenção e possibilidade de revisão das leis. O que não seria possível se fossem tidas como um direito natural absoluto.
No final das contas, para se impedir o abuso do direito é preciso que seja feito um exame moral de suas pretensões, apesar do risco de se cair na anarquia. Em circunstâncias extremas, escolhas ruins podem ser feitas entre os vários males que regras iníquas podem proporcionar. O direito positivo e não o natural enfrenta essas questões com clareza, revelando as escolhas erradas ocorridas no passado. O positivismo jurídico afirma que as leis são comandos humanos, sem conexão obrigatória com a moral ou sua forma idealizada, separada dos momentos históricos, sociológicos ou conceitos éticos. Por vezes, considera o corpo de leis como um sistema lógico fechado, cujas regras jurídicas são determinadas racionalmente, diferente dos juízos morais que não seriam passíveis de uma prova lógica [16]. Hart, no entanto, postula um “positivismo moderado”, no qual se admite que um juiz possa ser orientado por conceitos morais cuja objetividade é deixada em aberto, mas que servem como diretrizes para que tribunais possam operar o direito em harmonia com a ética [17].
A admissão de juízos morais no ordenamento jurídico não significa que haja uma “ordem natural” a regular o direito. Como mostrou Mackie, juízos morais – tal qual o direito – não são fundados em valores ideais, lógicos e transcendentais. Ética e direito passam por um consenso que pode ser validado de modo intersubjetivo, por um pragmático acordo provisório, a fim que se evite a inação e a anarquia. Cabem às pessoas racionais submeterem-se ou não aos critérios da lei, segundo seus interesses justificáveis. O reconhecimento universal de todos interessados deve ser suficiente para que se considere uma norma válida do ponto de vista moral e do direito legítimo.

Raciocínios abrangentes passíveis de serem confirmados por seres racionais estão na base do direito conquistado pelos indivíduos, ao longo da história. O direito existe para mitigar a distribuição desigual dos recursos naturais necessários à existência. Uma escassez completa ou uma abundância que permita o acesso de todos aos bens de que precisam tornariam as demandas por justiça dispensáveis. Para que não haja uma luta interminável entre os homens, o direito procura pacificar as questões em torno dos bens materiais disponíveis, entre os postulantes de um mundo real, com pessoas de carne e osso.

Notas

1. Como na fábula do ateniense Antístenes (445-360 a.C.), o cínico, preservada na Política de Aristóteles (384-322 a.C.), 1284a.
2. Veja HOBBES, Th. Leviatã, part.I, cap.XIV, pp.78 e ss.
3. Veja MOORE, G.E. Principia Ethica, cap. I, seç.B, §14, pp.114 e ss.
4. Veja HUME, D. Investigação sobre o Entendimento Humano, seç. V, part. I, §36; seç VIII, part.I, §64; seç. XII, part.III, §132; Investigación sobre los Principios de la Moral, seç.V, part.II, p.100 e “Do Contrato Original”, in Ensaios Morais, Políticos e Literários, p.232.
5. Veja MOORE, G.E. Op.Cit., cap. I, seç B, §10, p.108.
6. HART, H.L.A. O Conceito de Direito, cap. IV, § 1, p. 68.
9. Veja DAMÁSIO, A. A Estranha Ordem das Coisas, part. II, cap. 9, pp. 167 e ss.
10. Veja MACKIE, J.L.H. Ethics, part.3, cap.10, §2, pp. 232 e ss.
11. Veja HART, H.L.A. Conceito de Direito, cap. IX, §1, p.201.
12. Veja HART, H.L.A. Op.Cit., p. 203.
13. Veja HART, H.L.A. Idem, §2, pp.209 e ss.
14. Veja HART, H.L.A. Ibdem, §3, p. 217.
15. O que não é novidade para quem já leu Discurso sobre a Servidão Voluntária (1571) do jurista francês Étienne de la Boétie (1530-1563).
16. Veja HART, H.L.A. Ibdem, “Notas”, pp.287/6.

17. Veja HART, H.L.A. Ib., “Pós-Escrito”, p. 316, §2, iii.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Política. – Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
BOÉTIE, É. de la. Discurso sobre a Servidão Voluntária. – s/l: LCC, 2006. Disponível na internet via https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2014171/mod_resource/content/1/Servidao_voluntaria_Boetie.pdf. Arquivo consultado em 2023.
DAMÁSIO, A. A Estranha Ordem das Coisas. -São Paulo: Cia das Letras, 2018.
HART, H.L.A. Conceito de Direito. – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
HOBBES, Th. Leviatã. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
HUME, D. Investigação sobre o Entendimento Humano. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
____. Investigación sobre los Principios de la Moral. – Madrid: Espasa-Calpe, 1991.
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IHERING, R. von. A Luta pelo Direito, – São Paulo: Martin Claret, 2004.
MACKIE, J.L.H. Ethics. – Londres: Penguin Books, 1977.
MOORE, G.E. Principia Ethica, – São Paulo: Ícone, 1998.
SILVA, A. R. da. Teoria dos Jogos e da Cooperação para Filósofos. – Rio de Janeiro: Discursus, 2016 (edição digital). Disponível na internet via: https://archive.org/details/tjcf_20210616. Arquivo consultado em 2023.

Sociedade Global Kitsch

PARALELO ao desenvolvimento da indústria cultural, tomou forma a produção de bens materiais, de baixa qualidade, voltados para atender o gosto popular por objetos artísticos. A palavra alemã kitsch foi dicionarizada em diversos idiomas para traduzir todos os tipos de objetos, em todos gêneros artísticos – da música à arquitetura -, considerados de valor estético duvidoso; de acabamento precário; desproporcionais e fabricados em larga escala. Kitsch transformou-se, então, no termo mundial para qualquer coisa com pretensões artísticas de má qualidade e mau gosto, em diversas culturas. No português do Brasil, a gíria usa as palavras “cafona” e “brega” para adjetivar pessoas e objetos que estão fora de moda ou ostentam uma falsa aparência de riqueza e elegância, em um sentido análogo ao kitsch. O advento do pós-modernismo e sua crítica à racionalidade, no entanto, fez com que as fronteiras entre o racional e o estúpido, o feio e o belo fossem apagadas, permitindo assim que o kitsch pudesse ser aceito como um padrão estético válido, como qualquer outro. O que antes era considerado uma alienação “pequeno burguesa” resultou em objetos cobiçados por galerias, museus e pelos leiloeiros.
A moldagem e reprodução de cópias de objetos artísticos existem desde as primeiras civilizações que realizaram arte. Atendia à demanda por amuletos, utensílios domésticos e decorativos. Vários moldes foram encontrados em sítios arqueológicos da antiguidade. A técnica de fundição e modelagem em cerâmica indicam que a ideia de se utilizar um modelo prévio para sua posterior replicação não era exclusividade do modo de produção capitalista [1]. A revolução industrial apenas acelerou os processos de construção e a distribuição em larga escala de um número cada vez maior de coisas, para quem quisesse obter sua posse, às vezes nos locais mais longínquos do planeta.
Tal constatação histórica, apoiada na quantidade crescente de produtos fabricados, embora não representasse uma preferência por um padrão de gosto específico, acabou necessariamente em uma padronização, a fim de possibilitar uma otimização dos recursos e maiores lucros para o fabricante. Um produto de fácil assimilação do público acabava por influenciar a tendência de produção de bens comercializáveis, semelhantes aqueles que caiam no gosto popular, gerando um círculo vicioso. Em épocas de maior opulência, os estilos da moda incentivavam a aquisição e o acúmulo de objetos pela nobreza, o que estimulava também a imitação do mesmo comportamento por quem quisesse se sentir como membro de um determinado grupo ou classe social superiores. Assim, o barroco, o maneirismo e o rococó surgiram após o enriquecimento dos países que saquearam suas colônias fora da Europa.
A qualidade artística, no entanto, não poderia naturalmente satisfazer a procura dos novos-ricos, apenas com alguns artesãos ou oficinas de artistas renomados que eram sobrecarregados pela aristocracia. O público, em geral, contentava-se com as cópias e imitações, mesmo que fossem distorções extravagantes que, por vezes, fugiam aos estilos predominantes de cada época. Essas diferenças acabavam por permitir a distinção em um ambiente que, de outro modo, fariam todos indiscerníveis dos demais, devido ao volume excessivo de coisas desproporcionais superpostas, que eram exibidas nos salões de cada lar.
Durante o século XIX, autores críticos, como o poeta Edgar Allan Poe (1809-1849), já notavam o espírito que regia essa busca incessante por mais bens materiais.

(…)Não temos uma aristocracia de sangue e tendo, portanto, como coisa natural, e na verdade inevitável, criado para nós uma aristocracia de dólares, a ostentação da riqueza tomou aqui o lugar e desempenhou a tarefa da ostentação heráldica nos países monárquicos (…) [F]omos levados a transformar em simples exibição nossas noções do próprio gosto.

(…)[O] preço de um artigo de mobiliário chegou afinal a ser, entre nós, quase o único padrão de seu mérito do ponto de vista decorativo; e esse padrão, uma vez estabelecido, abriu caminho a muitos erros análogos, facilmente rastreáveis até seu disparate originário (POE, E. A. “Filosofia do Mobiliário”, in Ficção Completa, Poesias e Ensaios, p. 1004).

A Corrupção da Estética

A substituição do gosto pela ostentação de um padrão de consumo exagerado foi apontada também por Theodor W. Adorno (1903-1969), no século seguinte ao de Poe. Sua crítica, entretanto, não estava voltada, inicialmente, para a extravagância do mobiliário, mas na degradação da audição musical – que, mais tarde, chegou a níveis subterrâneos, no começo do século XXI. A música séria, de qualidade, teve sua viabilidade de comercialização reduzida a uma fração mínima do mercado consumidor de discos e partituras. Houve um achatamento dos sucessos admissíveis. As músicas de sucesso não poderiam mais ter um refinamento tão elevado que o público não pudesse acompanhar. Os editores, os magnatas do cinema e os produtores culturais ditavam a música que poderia ser ouvida. Inventou-se as listas dos mais vendidos ou ouvidos e os “próprios clássicos comumente aceitos são submetidos a uma seleção, que nada tem a ver com a qualidade” [2].

A pop-art ignorou a alienação kitsch e adotou sua diversão estética. LICHTENSTEIN, Roy (1923-1997). Garota do Barco (1965), litografia a cores.

O fetiche em torno da música e outros bens culturais iam além do aspecto psicológico. Os objetos culturais são consumidos independente de suas características específicas, como seria com qualquer outra mercadoria, sem pretensões artísticas. Agora, depois do advento da indústria cultural, para se ter cultura, é preciso comprá-la. O comprador valoriza o gasto que teve na aquisição de tais produtos. Assim, o que está em jogo é o poder de compra de quem procura esses artefatos, cobiçados pelo preço elevado e não pela qualidade artística, efetivamente [3].
Os consumidores são facilmente manipuláveis, segundo os critérios de moda estabelecidos pela indústria. Isso se tornou possível pelo processo de redução dos critérios estéticos de uma pessoa e de seu próprio senso crítico, por conseguinte.

A renúncia à individualidade que se amolda à regularidade rotineira daquilo que tem sucesso, bem como o fazer o que todos fazem, segue-se do fato básico de que a produção padronizada dos bens de consumo oferece praticamente os mesmos produtos a todo cidadão. Por outra parte, a necessidade, imposta pelas leis do mercado, de ocultar tal equação conduz à manipulação do gosto e à aparência individual da cultura oficial, a qual forçosamente aumenta na proporção em que se agiganta o processo de liquidação do indivíduo (ADORNO, Th.W. Idem, p. 174).

Por pior que seja a qualidade dos produtos oferecidos pelos processos de massificação, seus vendedores acreditam estar oferecendo objetos de “primeira qualidade”, capaz de satisfazerem, com garantias abstratas, aquilo que os consumidores desejam. Quanto maior for o encanto pela mercadoria, menor será o critério de avaliação do comprador, que já não possui a liberdade para escolher o que faz do produto um objeto de arte, com valores estéticos que só um cultivo crítico poderia fornecer junto à maturidade adequada para a devida escolha racional e formação de juízo.

Juntamente ao esporte e o cinema, a música de massas e o novo tipo de audição contribuem para tornar impossível o abandono da situação infantil geral (ADORNO, Th.W. Ibdem, p. 180).

A gradativa infantiliazação do indivíduo, denunciada por Adorno, levou a um resultado completamente diverso ao do “homem-criança” concebido por Charles Baudelaire (1821-1867), em Sobre a Modernidade (1863). O “homem-criança” seria um observador moderno dominado pelo gênio da infância, atento à novidade e a todos aspectos da vida. Graças a sua força ingênua, possuiria “percepção aguda e mágica” que o permitiria extrair o elemento “eterno do transitório” que caracterizaria a beleza fugaz da modernidade [4]. Todavia, o homem médio da sociedade global kitsch não consegue satisfazer nenhuma atitude que o homem moderno de Baudelaire deveria tomar. O público infantilizado comporta-se como se fosse criança, quando se defronta com uma obra kitsch, efetivamente. Contudo, uma vez estabelecida essa relação pueril com as coisas, a redução do gosto faz do indivíduo um mero consumidor, cujos padrões psicológicos são rebaixados a níveis primários. Cada novo produto imposto ao mercado reforça a transformação lenta e imperceptível da mentalidade humana. Desse modo, as intenções imbecilizantes não chocam o público alvo da transformação com nada verdadeiramente audacioso ou novo. Nos supermercados, e outros locais voltados ao consumo, a banalização da arte, apontada por Adorno, corresponde adequadamente à ideia de kitsch que Abraham Antoine Moles (1920-1992) apresentou no início dos anos 1970. Objetos que afloram em um ambiente sociocultural consumista, por excelência [5].

A Fabricação do Mau Gosto

A produção em série de um artefato não implica na fabricação de produtos ruins ou medíocres. Escolas de desenho industrial, ao longo da história e em diversos países, visaram projetar aparelhos funcionais com um aspecto adequado a sua utilização, que não fossem grotescos, mas sim belos e duráveis. Os objetos considerados kitsch, todavia, não foram feitos para serem funcionais e ter uma vida longa, por isso foram adotados sem hesitação pelos produtores. Pois, nesse sentido, representavam com clareza as intenções da indústria de transformação, em manter sua produção sempre renovada, quando foi introduzida a diretiva da “obsolescência programada”, na década de 1930, cujo intuito era insuflar artificialmente a demanda por novos produtos que alimentariam, por sua vez, a produção nas fábricas das empresas envolvidas nesse processo. O kitsch não foi feito para durar e sua presença no mundo deve se camuflar entre outros objetos assessórios diferentes que também tendem a desaparecer ou serem descartados no montante acumulado nas despensas das casas a que foram destinados e, no fim de sua “vida útil”, aos depósitos de lixo lotados das grandes cidades.
Os valores estéticos não se aplicam a essas coisas que se caracterizam pelos “excessos de meios”, ou detalhes inúteis que servem apenas para uma ostentação efêmera. São objetos adquiridos, não para cumprir uma função, mas satisfazer os desejos momentâneos de seus donos. Significam, não só um símbolo de inclusão social, mas também um estado de espírito e, além disso, a razão econômica que sustenta sua própria existência.
A criação de um mercado consumidor infantilizado permite que se forme com maior facilidade um público de gosto médio que aceite escoar os produtos medíocres lançados para as massas, pela indústria cultural. A produção em larga escala de bens culturais gerou o objeto kitsch que tinha de ser adquirido rapidamente e logo em seguida substituído por um novo, antes mesmo do final do período de garantia – cada vez mais curto -, para manter a plena produtividade da indústria de trasnformação.
O homem comum de gosto medíocre, infantilizado, então, é a medida da indústria cultural kitsch. É para o público médio, fácil de manipular, que estão direcionados os aparelhos e itens decorativos produzidos aos milhões.

O kitsch é mais uma direção do que objetivo, dele todos fogem – kitsch é uma injúria artística -, mas todo mundo a ele retorna: o artista que faz concessões ao gosto do público; (…) pitada de bom gosto na falta de gosto, pitada de arte na feiura. (…) [O conforto e a opulência] do ambiente cotidiano, arte adaptada à vida e cuja função adaptativa ultrapassa a função inovadora, o kitsch vício escondido. (…) Daí deriva sua força insinuante e sua universalidade (MOLES, A.A. O Kitsch, cap. 2, § IV, p. 28).

A maioria dos indivíduos infantilizados adquire essa comodidade que o vício da “estética” kitsch proporciona. É uma arte que procura ser aceita e não tenta nada que vá extrapolar ou embaraçar a vida diária de seus proprietários. “O kitsch dilui a originalidade em medida suficiente para que seja aceita por todos” [6].
A beleza provocadora cede lugar ao prazer imediato, que estimula o vício pela aquisição da obra kisch, sem contestações inconvenientes. Esse tipo de alienação e falta de pensamento crítico são traços típicos do consumidor do kitsch. O empilhamento aleatório de objetos acumulados sem critérios aparentes é uma consequência desse comportamento sem compromisso estético [7]. Também faz parte da atmosfera kitsch, a mistura de estilos artísticos incompatíveis, na qual o bom e o mau gostos convivem lado a lado: “mistura de categorias, alegria de viver e ausência de esforço, tudo misturado na marmita da anti-arte” [8].
Nesse contexto, as lojas de departamento e supermercados surgem como locais de culto, onde a proliferação de estilos pode ser usufruída, pelo cliente fiel. Há nesses lugares uma coleção de objetos diferentes que podem ser comprados pelo mesmo preço em diversas filiais. O “preço único” das cadeias de lojas faz com que o mesmo comportamento da freguesia se reproduza de modo a ser investigado e conduzido posteriormente. Os hábitos de consumo são então estudados e dirigidos, segundo a orientação dos fabricantes para maximizar suas vendas. Passear nesses autênticos templos de consumo acaba se transformando em um rito ou um dos “atos simbólicos da vida contemporânea” [9]. Uma sociedade global é forjada pelo objeto kitsch, feito para ser consumido por um indivíduo, sem critério estético rigoroso, em qualquer parte do planeta: “uma sociedade Kitsch global, uma ‘kitschização’ da sociedade em que as relações sociais se acham influenciadas e transformadas pelas relações com os objetos” [10].

Depois de passar pelo processo de infantilização, o público médio perdeu o senso crítico, para discernir livremente o bom do mau e o feio do belo. Ilustração: Salvat Editora, 1979.

A despeito disso tudo, do empilhamento, do frenesi do consumidor, do conformismo, da inadequação e sua falsa utilidade, o kitsch teria algum valor pedagógico ao contrastar critérios estéticos divergentes nas obras que procura fundir. Além do mais, o kitsch se constituiu em um conceito universal para as sociedades patrimonialistas. Onde houver um objeto kitsch, a indústria cultural terá tido êxito em implantar um gosto médio de uma classe social triunfante e possessiva, que conseguiu introduzir seus valores estéticos questionáveis na vida cotidiana, em geral [11].

O verniz democrático que dá um falso brilho à sociedade global kitsch se desfaz pela deficiência de seus consumidores em estabelecer uma análise crítica razoável sobre os produtos “democraticamente” oferecidos a todos com poder de adquiri-los. Se, na estética, o kitsch apresentaria um aspecto didático, a formação de um público médio infantilizado não ajudou em nada na conscientização do cidadão que ficou incapaz de refletir criticamente, também na política, diante de políticos demagogos e até criminosos que são conduzidos ao poder, com base em falsas promessas, por eleitores bestializados, sem o menor senso crítico, estético ou político. A sociedade kitsch global atual é uma demagogia sustentada pela infantilização do debate público que ela mesmo criou ao tornar cada vez mais medíocre o gosto popular e inibir a reflexão por parte do indivíduo. O resultado disso se mostra na degradação cada vez maior do meio ambiente, poluído pelas baterias tóxicas de aparelhos eletrônicos descartáveis, de acordo com os ditames da moda ecológica vigente ou da “obsolescência programada”, e pelo plástico da garrafa de refrigerante mundial que ergue montanhas de lixo nas grandes cidades e flutuam passivamente nas águas dos oceanos mais distantes, por exemplo.

Notas

1. Entretanto, no modo de produção comunista, por princípio, não há motivação para produzir e consumir objetos que ultrapassem as necessidades básicas do indivíduo. Na extinta União Soviética, a “dona de casa russa não [encontrava] nas grandes lojas coletivas variedade suficientemente ampla de tecidos para estofamento capaz de satisfazer sua necessidade de variedade e seu gosto doméstico” (MOLES, A.A. O Kitsch, cap.11, §VI, p. 196).
2. ADORNO, Th. W. “O Fetichismo na Música”, in Textos Escolhidos, p. 171.
3. Veja ADORNO, Th.W. Op.cit., p. 172/3.
4. Veja BAUDELAIRE, Ch. Sobre a Modernidade, §§III e IV, pp. 19 e ss.
5. Veja MOLES, A. O Kitsch, cap. 10, §VII, p. 176.
6. MOLES, A.A. Op.cit., cap.3, §, p. 32.
7. Veja MOLES, A.A. Idem, cap.3, §III, pp. 40/1 e cap.4, §VI, p. 61.
8. MOLES, A.A. Ibdem, cap.4, §VIII, p. 67.
9. MOLES, A.A. Ibd., cap. 10, § II, p. 163.
10. MOLES, A.A. Ibd., cap. 13, § p.222.

11. Veja MOLES, A.A. Ibd., cap. 13, §IV, p. 223.

Referências Bibliográficas

ADORNO, Th. W. “O Fetichismo na Música”, in Textos Escolhidos. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
BAUDELAIRE, Ch. Sobre a Modernidade. – São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MOLES, A.A. O Kitsch. – São Paulo: Perspectiva, 1972.
POE, E. A. “Filosofia do Mobiliário”, in Ficção Completa, Poesias e Ensaios. – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.

Corrupção do Judiciário

OS efeitos destruidores da corrupção são conhecidos da humanidade desde suas primeiras civilizações. Vários documentos, ao longo da história, registram as tentativas de controlá-la. Sem uma forte vigilância e a instituição de punições que a restrinjam, a corrupção permanece em um ciclo endêmico de cooperação-deserção-repressão que acaba por reduzir o número de cooperadores espontâneos e o empreendimento comum.
No conjunto de determinações feitas pelo rei Hamurabi (cc.1792-1750 a.C.), na Babilônia, há a decisão inicial de punir com multa e deposição do cargo os juízes que alterarem o resultado de um julgamento realizado antes. A alteração da coisa julgada foi uma das primeiras preocupações dos operadores do direito originais. Qualquer mudança feita nas sentenças obrigaria o pagamento de 12 vezes o valor da causa e a consequente demissão do juiz infrator [1]. O Deuteronômio, no Antigo Testamento, também proibia ao juiz distorcer a justiça, aceitar suborno e, por conseguinte de “subverter a causa dos justos” [2].
Enquanto se mantiveram fiéis às leis ditadas pelo lendário Licurgo (séc. IX a.C.), os espartanos formaram uma sociedade considerada exemplo de virtude em toda Hélade antiga. Platão (429-347 a.C.) recomendava, em sua VIII Carta, o respeito à instituição das leis como as modeladas em Esparta, que deveriam se tornar soberanas sobre os homens, em vez destes serem os tiranos da lei [3]. Platão sabia que, mesmo as melhores constituições estão sujeitas à corrupção, devido o caráter de seus governantes e sua constante mudança.

Aristóteles (384-322 a.C) conheceu as leis de Esparta quando a cidade havia atingido seu auge e conquistado a hegemonia política sobre as outras poleis. A cobiça e a divisão de poderes abalavam suas convicções nas leis mais rigorosas, que deixavam de fazer valer seu caráter marcial [4]. Tais críticas não impediram Xenofonte (428-354 a.C.) de reconhecer, apesar da decadência observada em seus tempo, o valor do vigor com o qual os espartanos combatiam a corrupção na Lacedemônia, através de suas regras. Do mesmo modo que Plutarco (50-120), séculos depois [5].

O Estado Moderno contra a Corrupção

No século XVII, entre duas revoluções inglesas – a Puritana (1642-1649) e a Gloriosa (1688) – Thomas Hobbes (1588-1679) estava em condições de descrever os fundamentos de uma legislação consensual, cuja função seria impedir o estado de natureza, no qual prevalece a “guerra de todos contra todos” – como nos casos das revoluções. Por meio de acordos estabelecidos entre as pessoas, a instituição de um estado soberano e o respeito às leis estabelecidas poderia reestabelecer a paz e reorganizar a sociedade, de modo que a cooperação entre os cidadãos pudesse prosperar novamente [6]. A natureza violenta é o cenário concebido por Hobbes, onde cada um pode dispor dos recursos disponíveis, do seu corpo e dos outros rivais, segundo sua capacidade de dominá-los.
Uma situação geral que, no século XX, Garrett Hardin (1915-2003) denominou de “tragédia dos comuns”, em seu famoso artigo de 1968 para revista Science. Um lugar sem dono, ou um bem comum, que pode ser explorado livremente por quem tem acesso, conforme suas vontades e capacidade de exploração. Nessa situação, em pouco tempo, os recursos logo se esgotam e a luta para utilização do material restante acaba sendo mais custosa do que seu valor real para aquisição. A luta pela sobrevivência e manutenção do terreno acabam por elevar as despesas dos utilizadores a valores maiores do que gastavam antes de ocupar a área devoluta. Sem uma lei ou acordo que limitasse o direito de cada um para exploração do bem, a perda desse bem se torna inevitável. A solução, portanto, seria o estabelecimento de pactos e contratos que regulassem a utilização dos recursos naturais a disposição de todos.

O único tipo de coerção que eu recomendo é a coerção mútua, mutuamente acordada pela maioria das pessoas afetadas (HARDIN, G. A Tragédia dos Comuns, p. 10).

Contudo, como Hobbes alertara, tais acordos coercitivos de nada serviriam sem a intermediação de um árbitro com poderes para solucionar as disputas e os descumprimentos dos contratos estabelecidos entre as partes. Um mediador que pudesse intervir, para garantir o cumprimento do que havia sido acordado e assim manter a paz e a segurança necessárias, no desenvolvimento de negócios e dos trabalhos construtivos [7].

A invenção de um estado civil ajuda à promoção dos pactos. Por outro lado, se os árbitros e mediadores responsáveis pela fiscalização dos contratos forem corrompidos, retorna a condição original de natureza, na qual a desconfiança entre os homens destrói qualquer possibilidade para continuação da cooperação.

O Jogo da Corrupção

A racionalidade econômica comanda as decisões em um jogo de corrupção. Desde Hobbes, tal racionalidade ficara evidente. Não se conhecia, no entanto, os detalhes precisos que levam à degradação da cooperação. Na ausência de mediadores confiáveis – que recusem suborno e sejam capazes de julgar com imparcialidade, punir os desertores e fazer valer os acordos firmados-, a tendência é o desaparecimento de agentes cooperadores e florescimento de aproveitadores. As pessoas passam a desconfiar de todo empreendimento comum e só voltam a cooperar quando seus ganhos fossem garantidos, de uma maneira ou de outra. O resultado final é a degradação do ambiente social, no qual uma ação conjunta possa ser bem sucedida. Todos acabam perdendo algo, seja pela maior desconfiança existente, seja pelo aumento de custo do controle social. A formulação de modelos formais, com a estrutura da teoria dos jogos, ajudou a esclarecer a atuação dos elementos principais que levam ao aparecimento do comportamento corruPTo entre os agentes que participam de um empreendimento mútuo.
O matemático austríaco Karl Sigmund, em colaboração com pesquisadores japoneses Joung-Hun Lee e Yoh Iwasa, mais seu colega austríaco Ulf Dieckmann modelaram a corrupção de acordo com critérios da teoria dos jogos, a fim de detectar os momentos nos quais a fraude dos jogadores e as propinas dos agentes fiscalizadores podem ser evitadas e punidas. O jogo da corrupção, assim estruturado, permitiria aos participantes envolvidos nas tomadas de decisão estabelecer a possibilidade de uma mediação, a fim de fiscalizar, denunciar e multar os jogadores que fizessem registros ilegais que aumentassem seus ganhos. O modelo era sensível o suficiente para reproduzir também as situações nas quais os mediadores são expostos ao suborno e fazem “vista grossa” diante dos registros fraudulentos, que evitam notificar.
A aceitação de pagamentos laterais, por parte dos fiscais, tende a arruinar os esforços conjuntos e a distorcer os resultados finais da interação [8]. Para evitar isso, a boa educação e informação transparente sobre os agentes e seus desempenhos reduzem a ocorrência de caos de corrupção. O que vale dizer que a transparência dos dados e a rotulagem dos indivíduos corruPTos e mau cooperadores influencia profundamente na qualidade do empreendimento comum. Conforme a constância de um maior ou menor grau de combate aos infratores, um comportamento cíclico é observado entre as fases de cooperação-corrupção-deserção. Toda vez que se relaxa no combate da corrupção, aumenta os casos de registros falsos e degradação do ambiente social. O que exige uma subsequente retomada das restrições contra os desertores, um aumento nos custos das tarefas de cooperação, até uma renovação no nível de cooperação livre de entraves burocráticos, quando de volta a baixar o controle sobre as deserções e subornos.
O resultado é a extinção das estratégias iniciais de cooperação incondicionais, ao longo do tempo. Para manter a possibilidade de cooperação, os jogadores passam a exigir garantias adicionais para continuarem no jogo. Apenas cooperadores condicionais permanecem ativos, ao lado de desertores que prosperam com a corrupção e seus registros ilegais [9]. A corrupção é, portanto, uma ameaça constante nos contextos sociais evolutivos. Esse comportamento cíclico foi encontrado ainda em vários outros modelos, incluindo aqueles que simulavam cenários de períodos eleitorais [10].
Em resumo, no cenário de uma área comum disponível à exploração dos jogadores, cada indivíduo procura extrair o máximo que puder, a fim de maximizar seus ganhos. Para evitar a rápida deterioração do meio ambiente e o esgotamento das matérias primas, os participantes devem estabelecer um acordo entre eles, limitando a extração permitida para cada um em cada rodada. Com objetivo de controlar e inibir as burlas, os jogadores podem estabelecer um sistema de vigilância próprio ou contratar agentes externos que façam o monitoramento da exploração do condomínio. No caso de um policiamento próprio (coerção mútua no sentido de Hardin), um sistema de honra e vingança surge nos padrões da antiguidade e da idade média. Por outro lado, a contratação de uma agência de controle à parte (um soberano no sentido hobbesiano) abre espaço para corrupção entre os agentes fiscalizadores a serviço do estado. Em todo caso, apenas a punição efetiva e a transparência das informações são capazes de inibir o florescimento da corrupção e, ao mesmo tempo, proporcionar o desenvolvimento de uma cooperação que não destrua a natureza. De outro modo, a ausência de um sistema eficaz de policiamento leva à ruína do empreendimento comum e do convívio social, em geral.

Corrupção revela uma diversidade surpreendente. Nossa abordagem focou em uma parte apenas […] A corrupção de instituições do judiciário pode efetivamente estrangular a vida econômica. Uma vez que os agentes relutam investir em empreendimentos sem instituições necessárias duradouras, para manter seus acordos, a corrupção subverte suas próprias bases a longo prazo (LEE, J-H et al. Op.cit., p. 13280).

Meio do Caminho

A correlação entre corrupção e baixo desempenho econômico é notória. Países desenvolvidos, com índices de desenvolvimento humano e econômicos elevados, são melhor avaliados, com baixos níveis de percepção da corrupção. Enquanto as piores nações, consideradas as mais corruPTas, são aquelas com os piores padrões de bem estar social. Dinamarca aparece na liderança, entre as nações menos corruPTas. Depois, seguem-na Finlândia, Nova Zelândia, Noruega, Singapura, Suécia, Suíça, Holanda, Alemanha e Irlanda, como os 10 melhores lugares para bons cooperadores. Na parte de baixo da tabela dos mais corruPTos e atrasados, estão Somália, Síria, Sudão do Sul, Venezuela, Yemen, Líbia, Coreia do Norte, Haiti, Guiné Equatorial e Burundi.

Em 2022, o Brasil sustentou sua pontuação baixa de 38, na 94ª posição, pouco aquém do meio da tabela, que lista 180 países avaliados em seus níveis de corrupção. Desde 2020, o país se mantém nessa colocação. Na última década, caiu de 43 pontos, em 2012, para 35, em 2018, sua pior pontuação. Em 2016, ano que o governo corruPTo da organização criminosa de esquerda foi impedido de continuar no poder, a taxa havia caído para 40 pontos, até atingir o mínimo histórico de 2018, quando ocupava a 105ª posição. Em 2018, um novo governo de direita foi eleito e os índices melhoraram até estagnar em 2020, ano a partir do qual um crescente ativismo judicial impediu que a pontuação se elevasse mais, deixando o país na situação intermediária em que se encontra, a meio caminho entre a Dinamarca (1º) e a Somália (180º) [11]. No Brasil, abaixo do congresso nacional, o judiciário brasileiro é a instituição estatal que a população menos confia, no início de 2023, de acordo com enquete divulgada por páginas na internet [12].

Notas

1. Veja BOUZON, E. O Código de Hamurabi, §5, pp.49 e ss.
2. DEUTERONÔMIO, 16:19.
3. PLATÃO. VIII Carta, 354 b-c.
4. Veja ARISTÓTELES. A Política, 1271 a-b.
5. Veja XENOFONTE, La República de los Lacedemonios, p.1 e PLUTARCO. Vida de Licurgo, §29, p.39.
6. Veja HOBBES, Th Leviatã, caps. XIII e XIV.
7. Veja HOBBES, Th Op. Cit., l. 1, cap. XIV, p. 82.
8. Veja LEE, J-H et. al. “Games of Corruption”, p.4.
9. Veja LEE, J-H et al. Op.Cit, p. 10 §2.3.
10. Veja LEE, J-H. et al. “Social Evolution Leads to Persistent Corruption”, p. 13.279.
11. Veja CPI, 2022.

12. Veja DEFESANET. https://www.defesanet.com.br/wp-content/uploads/2023/02/militares_1.jpg.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. A Política; trad. Nestor S. Chaves. – Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
BIBLIA SAGRADA. “Deuteronômio”; trad. Pe. Antonio P. de Figueiredo. -São Paulo: EP e Maltese, 1962.
BOUZON, E. O Código de Hammurabi. – Petrópolis: Vozes, 1986.
DEFESANET. “8JANBSB – Exército com o menor índice de aprovação histórico”. Disponível na Internet via https://www.defesanet.com.br/wp-content/uploads/2023/02/militares_1.jpg. Arquivo consultado em 2023.
HARDIN, G. A Tragédia dos Comuns, trad. José R. Bonifácio. – Disponível na Internet via https://edisciplinas.usp.br/…/a_tragédia_dos_comuns.pdf. Arquivo consultado em 2023.
HOBBES, Th. Leviatã, trad. João P. Monteiro e Mª Beatriz N. da Silva. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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PLATÃO. “VIII Carta”, in Diálogos, vol. V, trad. Carlos A. Nunes. – Belém: Uni. Fed. do Pará, 1975.
PLUTARCO. “Vida de Licurgo”, in Vidas; trad. Jaime Bruna. – São Paulo: Cultrix, 1963.
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XENOFONTE. “La República de los Lacedemonios”, in Obras Menores; trad. Orlando G. Tuñon. – Madrid: Gredos, 1984.

Quando a Beleza Acaba

Texto de EstéticaA perda da noção de beleza e do juízo estético que caracteriza o pós-modernismo nas artes, fez com que voltassem os problemas conceituais que pareciam ter sido resolvidos, depois de Baumgarten e os iluministas delimitarem o campo da estética, durante a modernidade. Por certo, desde o tempo de Sócrates, que se sabia da dificuldade em definir o belo. Entretanto, isso não chegava a ser um grave obstáculo para a maioria dos antigos que o consideravam um assunto menor [1]. De gustibus et de coloribus non disputandum (gosto e cores não se discutem) diz um antigo ditado latino. Contudo, com o passar dos séculos, o gosto estético e as cores nas artes passaram a ser um assunto sério de muita discussão acadêmica.
Os medievais resolveram a seu modo ascético, atribuindo à verdadeira beleza a contemplação do divino e sua criação, o universo. A arte sacra buscou aproximar-se desses valores puristas em relação ao belo, nas suas obras. Baumgarten, Kant e Hegel, cada um a sua maneira, racionalizaram a questão e desenvolveram a ideia da existência do juízo de gosto ou da sensibilidade estética, como um fato natural pertinente a todos os seres racionais. Contudo, quando a crítica pós-moderna deixou de lado esse sentimento e duvidou das coisas belas feitas em nome da arte, os “becos sem saída” das teorias das artes recrudesceram, com o abandono da estética.
Arthur Coleman Danto (1924-2013) teve de enfrentar de novo essas questões, a fim de encontrar algum critério capaz de distinguir as “obras de arte” dos meros artefatos banais da indústria cultural. Seu livro A Transfiguração do Lugar-Comum (1981) foi uma tentativa exaustiva de encontrar respostas a tais desafios – nem sempre claros – dos artistas contemporâneos.
Danto passou a se interessar pela análise filosófica dos conceitos estéticos durante os anos 1960, quando surgiram as obras principais do estilo “pop art”. Trabalhos como a apropriação chamada Brillo Boxes (1964)- diversas caixas de madeira com serigrafias que reproduzem a aparência de caixas de sabão em pó desenhadas, originalmente, pelo expressionista abstrato James Harvey (1929–1965), em 1961 -, de Andy Warhol (1928–1987), que chamava atenção para a evolução da teoria da obra de arte, no estágio em que objetos industriais, fabricados em larga escala, poderiam ser alçados ao estado de “fina arte”, pela mudança de seus significados provocada por suas exposições em museus ou galerias. Para Danto, os trabalhos da “pop art” representavam um desafio às definições anteriores dos conceitos artísticos e, de certo modo, punham um fim à linha histórica contínua da arte. Ao mesmo tempo, despertavam uma autoconsciência a respeito dos problemas estéticos que iam além de seu domínio artístico.
Nessa perspectiva, objetos visualmente indiscerníveis passavam a ter “estatutos ontológicos” diferentes à medida que fossem acolhidos por instituições específicas, como no caso de produtos industriais expostos em espaços culturais por ação de artístas pós-modernos. Enquanto seus congêneres mantinham sua condição utilitária ao serem usados e consumidos, como objetos comuns, no cotidiano das pessoas e da sociedade, em geral. A distinção entre “obras de arte” e “utensílios” deixava de ser nítida ou desaparecia por completo. Na função de “espelhos da realidade”, as obras de arte deveriam ser instrumentos de autoconhecimento [2], mas acabavam por criar mais confusão.
A arte assumiu, ao longo da história, a capacidade de despertar sentimentos de gosto que poderiam ser percebidos por uma pessoa sensível – como um analogon da razão, sugerido por Alexander G. Baumgarten (1714-1762) [3]. A representação artística teria essa propriedade reflexiva que Danto também reconheceu [4]. Tal percepção permite um distanciamento psicológico que faz com que se possa separar o mundo artístico e suas representações do mundo físico em que se vive, ao mesmo tempo em que o reflete – discute sua condição. Nisso, três pontos são apontados como principais, a serem investigados: a distinção entre obras de arte de um lado e os objetos comuns, de outro; o lugar da renovação artística e, por terceiro, as convenções que delimitam o mundo das artes em relação ao real [5].
Esses temas de interesse conduziram, ao longo da história, o debate filosófico, em torno da estética. A ponto de torná-la assunto relevante na construção de sistemas filosóficos coerentes. A arte moderna foi fruto da filosofia moderna. Cada período histórico viu entrelaçar as ideias chaves dos pensadores com os conceitos estéticos. De modo que, a definição de arte, como afirma Danto “sempre foi uma preocupação filosófica” [6]. Mesmo para aqueles filósofos que a consideravam um conceito aberto, tal qual as “semelhanças de família”, da qual falava Wittgenstein (1889–1951), apesar de seu uso linguístico bem definido, no cotidiano das sociedades.

É possível imaginar um mundo sem obras de arte, ou pelo menos nada a que seus habitantes pudessem se referir como obras de arte, pois esse mundo seria simplesmente aquele em que ainda não se formou o conceito de realidade. O valor filosófico da arte reside no fato histórico de, em seu surgimento, ter ajudado a trazer à consciência dos homens o conceito de realidade (DANTO, A.C. A Transfiguração do Lugar-Comum, cap. 3, p. 136).

Nesse contexto, a pertinência das considerações estéticas são questionadas acerca de uma definição de arte. Desde a confrontação de objetos prontos (“ready made”), nas galerias de exposição, essa dúvida se tornou crucial para a teoria estética. O sentido de beleza foi posto na berlinda. A despeito do acolhimento a tais críticas, Danto insiste em encontrar nos objetos artísticos outras qualidades próprias a lhe darem um estatuto “ontológico” diferenciado, em comparação às outras coisas [7]. Imaginava que sua concepção de arte deveria estar em algum ponto entre o estilo, a expressão artística e sua retórica. A linguagem artística teria a intenção de provocar uma atitude no apreciador da arte. Assim, os clichês estéticos não passariam de representações fixas ou metáforas, cuja originalidade caducara e não mais produziriam os efeitos esperados. os argumentos retóricos deixam então de atingir seus fins de aceitação do público. A expressão só seria eficaz quando aquilo que é mostrado – como um exemplo pictórico realista – é relacionado corretamente a seu conteúdo [8].

O estilo que caracteriza a atividade do artista depende da capacidade do público julgar e ter um gosto definido, a ponto de compreendê-lo. O estilo pop art, com suas obras prontas, visa trazer “à luz da consciência as estruturas da arte” [9]. Quando suas metáforas se tornam possíveis, o impacto de obras, como as caixas Brillo, atingem o sucesso crítico esperado ao chamar atenção para as ideias congeladas sobre a arte, em seus meros clichês. Tal movimento cumpres, assim, seu papel de espelhar o interior de um determinado período cultural, no qual as obras de arte serviam a uma indústria cultural que se consolidava na reprodução em série de objetos de gosto duvidoso. Essa seria, na visão de Danto, a principal função arte.

Problemas com a Ontologia

Danto buscou uma solução para o problema de identidade das obras de arte, em relação aos outros objetos produzidos pelos seres humanos. Uma tarefa que considerava “ontológica”. Não obstante, seu ponto de partida pós-moderno poderia ser considerado um erro categorial, tendo em vista os trabalhos realizados pelo filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), sobre o assunto.

Em lugar algum, em meio às coisas, encontramos o ser. Cada coisa tem seu tempo. Ser, porém, não é alguma coisa, não está no tempo (HEIDEGGER, M. “Tempo e Ser”, in Conferências e Escritos Filosóficos, p. 258).

Questões ontológicas dizem respeito ao conhecimento do “ser”. Trata-se de uma investigação metafísica, com pouco amparo nos conceitos e argumentos estéticos. Em Introdução à Metafísica (1953), Heidegger abordou o sentido original de techne, na visão supostamente adotada pelos antigos helenos. Quando não significava “arte”, nem “técnica”, como entendem os modernos, mas sim uma atividade que permitia “por o Ser em ação” [10]. Desse modo, a obra de arte serviria para apresentar o Ser por si mesmo e assim ela *opera o Ser em um ente” [11]. A techne instaura o vigor do saber que leva ao Ser. O que possibilitaria , segundo Heidegger de Ser e Tempo – texto inacabado que influenciou toda metafísica contemporânea -, o questionamento ontológico mais originário do que a busca ôntica sobre os entes presentes no mundo [12]. A investigação ontológica, portanto, não incluiria o primado objetivo-científico da técnica moderna, que abrangeria também as “obras de arte”, alheios à concepção originária de techne, invocada por Heidegger.
Objetos ônticos, como todos aqueles fabricados depois da era moderna e outros, ao longo da história, não possuiriam estatuto “ontológico”, pois não tratam diretamente do Ser, no sentido que a ontologia visa deslumbrar. Obras de arte ou qualquer outro artefato tecnológico possuem o mesmo perfil ôntico, de meras coisas. São objetos criados por um ser, efetivamente, a saber o ser humano. Porém, sua condição “ontológica” não é a mesma de seus criadores humanos, mas a de qualquer outra coisa produzida, por sua atividade. É o artista que “empresta” uma “aura ontológica” a sua produção. Tal produto, por si só, não possui nenhuma situação especial, por existirem como coisas.

“Somente o homem existe” de nenhum modo significa apenas que o homem é um ente real, e que todos os entes restante são irreais e apenas uma aparência ou representação do homem. A frase: “O homem existe” significa: o homem é aquele ente cujo ser assinalado pela insistência existente no desenvolvimento do ser, a partir do ser e no ser. A essência existencial do homem é a razão pela qual o homem representa o ente enquanto tal e pode ter consciência do que é representado (HEIDEGGER, M. “Que é Metafísica?”, in Op. Cit, p. 59).

Os antigos pensadores já sabiam disso. Aristóteles, para citar um deles, atribuia ao artífice e não a seu produto todo valor original da techne.

Toda arte visa à geração e se ocupa em investigar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, liv. VI, cap. 4, 1140a, 10).

À esquerda, uma das caixas Brillo que Warhol assinou, como se fosse sua criação. À direita, Harvey posa com uma das caixas originais, ao lado de uma de suas telas expressionistas. Warhol assinou várias caixas, por 300 dólares, quando o historiador Irving Sandler (1925-2018) propôs a Harvey que fizesse o mesmo com suas caixas por 10 centavos. Harvey assinou apenas uma e a deu de presente a Sandler.

O erro de Danto, como em geral, de todos autores pós-modernos, está em pensar que a obra de arte possui algum estatuto institucional, por si mesma, independente do seu autor. Não possui. Harvey, o autor das caixas Brillo originais, não considerava “arte” a apropriação de Warhol sobre sua criação, com alguma razão [13]. A atitude de Warhol, a despeito das críticas, como Marcel Duchamp (1887-1968) havia feito com os produtos prontos, teve o mérito de chamar atenção para a qualidade da produção gráfica em torno da caixa Brillo, que de outra forma passaria despercebida. Não obstante, o iluminismo já havia resolvido o tratamento adequado que se devia às artes, quando incorporou o juízo estético à avaliação de suas obras. Ao negar as condições estéticas das obras de arte e a existência de uma sensibilidade para o belo, Danto e os pós-modernos retrocederam o debate estético ao tempo da pré-história da arte. Pois, nenhum pensador moderno, medieval ou antigo negava o sentimento de beleza e os padrões de gosto de cada cultura. Depois de Baumgarten, os juízos estéticos passaram a ser o padrão de avaliação, fundado em razões, do objeto artístico. Kant, Hegel e Adorno o seguiram. Mas o negacionismo pós-moderno tentou reinventar a roda e assumiu o ônus, ainda por pagar, de apresentar uma solução conceitual para os problemas estéticos – e por conseguinte éticos – que ele mesmo criou – como um “artista involuntário”!

Notas

1. Veja a discussão sobre o tema em Híppias Maior, de Platão.
2. Veja DANTO, A Transfiguração do Lugar-Comum, cap. 1, p. 44.
3. Veja BAUMGARTEN, A.G. Estética, part. III, §1, p.95.
4. Veja DANTO. A.C. Op.cit., pp. 55 a 57.
5.Veja DANTO, A.C. Idem, id., p.67.
6. DANTO, A.C. Ibdem, cap. 3, p. 102.
7. Veja DANTO, A.C. Ibd., cap. 4, pp. 155 a 157.
8. Veja DANTO, A.C. Ibd., cap. 7, p. 283.
9. DANTO, A.C. Ibd., cap. 7, p.297.
10. Veja HEIDEGGER, M. Introdução à Metafísica, cap. IV, p. 181.
11. HEIDEGGER, M. Op. Cit., idem, id..
12. Veja HEIDEGGER, M. Ser e Tempo, I cap., §3, p. 37.

13. Veja ELWELL, J. S. A Beautiful Failure, Introduction, p.1.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. – São Paulo: Abril Cultural, 1973.
BAUMGARTEN, A.G. Estética. – Petrópolis: Vozes, 1993.
DANTO. A.C. A Transfiguração do Lugar-Comum. – São Paulo: Cosac Naify, 2005.
ELWELL, J. S. “A Beautiful Failure”. – Basel: MDPI, Religions 13, 09 de março de 2022.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. – Petrópolis: Vozes, 1988.
____. Introdução à Metafísica. – Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.
____. Conferências e Escritos Filosóficos. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PLATÓN. Hipias Mayor, in Dialogos; trad. J. Calouge Ruiz et tal. – Madrid: Gredos, 1981.
PRINTMAG. Shadow Boxer. Disponínel na internet via: https://www.printmag.com/design-resources/shadow_boxer/. Arquivo consultado em 2023.