A ficção científica, na literatura, cinema e televisão, está repleta de robôs, cujas características humanoides os permitem executar com precisão qualquer tipo de tarefa. Por vezes, esses famosos robôs superam a eficiência ou inteligência humana. O estudo da mente humana, entretanto, tem mostrado não ser nada fácil construir tais máquinas inteligentes. O máximo que se conseguiu até hoje foi que robôs realizassem trabalhos rotineiros de uma linha de montagem industrial.
Diferente da inteligência artificial (IA), que procura simular um modelo de mente voltado para solução de problemas cognitivos considerados “superiores” -os teoremas lógicos e matemáticos, por exemplo- a natureza procurou formar a mente humana de modo que pudesse resolver não só os problemas linguísticos, mas também as dificuldades “inferiores” relacionadas com a percepção, locomoção e compreensão do contexto em que o corpo vive.
Tudo isso é obtido sem, no entanto, estar apoiado num princípio único capaz de gerar a inteligência numa matéria inanimada, seja ele o sopro divino, a alma, a cultura, a linguagem ou a complexidade de uma rede neural. O desafio tecnológico a ser enfrentado pela IA consiste no entendimento das atividades mentais em suas funções rotineiras, que permitem ao organismo superar os obstáculos impostos pelo meio ambiente competitivo, com relativo sucesso (
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Um Simples Problema
Steven Pinker – ex-diretor do Centro de Neurologia Cognitiva do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), atualmente trabalha na Universidade Harvard -, em sem volumoso livro Como a Mente Funciona (1997), deixa de lado os problemas matemáticos considerados superiores para focalizar aquelas habilidades simples que os seres humanos demonstram no seu dia-a-dia, isto é: ver, andar, pegar um objeto, reconhecer coisas e pessoas, além de projetar o tipo de vida que lhe seja mais adequado.
Eventualmente, para fazer com que máquinas enxerguem o mundo, uma teoria da visão artificial empregará métodos estranhos à concepção natural de percepção. Não obstante, para que um robô seja capaz de ver, a visão precisa ser entendida como um processamento de informação pelo qual qualquer sistema visual -artificial ou natural- pode delimitar os objetos ante o fundo e estar apto a interpretar seus arranjos diferentes, mas possíveis, em diversos cenários. Para tanto, a mente deve aprender a inferir um mundo tridimensional a partir de dados bidimensionais obtidos pelo órgão da visão, bem como a incidência da luz sobre um objeto específico. A quantidade de luz pode fazer com que uma coisa escura pareça mais clara que outra, dependendo da luminosidade do ambiente e da fonte luminosa. Para não ser enganado toda vez que haja mudança na luz, o sistema visual deve poder identificar uma imagem nas mais diferentes condições.
Além disso, a profundidade é outro problema a ser superado. Um objeto mais próximo parece maior que um outro posto a distância sem o ser deveras. O reconhecimento da forma de uma figura também precisa ser bem definido, a fim de que um elemento seja destacado do conjunto no qual se misturam outros, num contexto real. De alguma maneira, o cérebro humano consegue reconhecer rostos e coisas diversas nas mais diferentes situações em que são apresentadas, embora nem todas.
Contudo, não só na percepção visual o cérebro tem de superar desafios. A locomoção sobre duas pernas obriga o enfrentamento de obstáculos naturais que desafiam o cérebro a encontrar o equilíbrio perfeito para cada tipo de terreno. Entre os difíceis cálculos exigidos para a locomoção, a mente procura manter o movimento harmônico, dentro da área definida pelos pés, evitando que o corpo caia, ao mesmo tempo em que otimiza a movimentação, no intuito de diminuir o desperdício de energia e esforço dos músculos e articulações ao caminhar. A precisão dos gestos, também é algo que precisa ser controlado pelo cérebro e toda essa versatilidade na locomoção foi obtida através de um processo evolutivo natural, ainda ininteligível em seus detalhes à compreensão dos pesquisadores.
Fazer com que uma máquina consiga executar todas operações intelectuais enquanto se move e percebe o mundo, passa a ser um embaraço que não admite soluções miraculosas passíveis de ser reduzidas à uma porção mágica expressa por uma fórmula específica. A própria formação de conceitos em categorias distintas impõe empecilhos a definições precisas nos casos limites, entre categorias adjacentes. O bom senso na delimitação de um objeto conceitual ainda não está de todo esclarecido a ponto de ser reproduzido em outro mecanismo que não o humano.
A escolha das características fundamentais que constituirão a definição de um conceito e, por conseguinte, as regras de aplicação de tais conceituação não foram, ao longo de mais de dois mil anos de debates filosóficos, passíveis de um consenso. Os efeitos colaterais dessas decisões e os vários fatores a serem considerados tornam o próprio raciocínio resistente a qualquer determinação programática. Saber distinguir, num contexto específico, de todos eventos possíveis, aquele que seja o mais relevante é outro aspecto da cognição que ainda não foi bem caracterizado.
Tudo isso revela que não só os problemas tecnológicos são obstáculos à construção de robôs, como os da ficção, mas mostra também o quanto será trabalhoso esclarecer como as pessoas normalmente são hábeis em enquadrar um conceito, numa circunstância correspondente. Por outro lado, ao efetuarem um raciocínio, as pessoas são estimuladas por interesses particulares que motivam a tomada de decisão por agir bem ou mal, segundo regras de comportamento ético.
Para ser inteligente como um ser humano, os robôs deverão ter interesse pela auto-preservação, por obedecer às leis e evitar o mal. Tal como estão, as máquinas inteligentes são incapazes de reconhecer qualquer maldade ou de realizá-las. Todo o mal que elas possam fazer deve ser, necessariamente, incorporado ao programa pelo programador humano. Este sim, habilitado a conhecer o bem e o mal; o certo e o errado. Pois ter iniciativa própria, ser agressivo ou não, só depende dos motivos instalados na mente. A noção de altruísmo exige um cálculo, cuja equação nenhum matemático soube até agora como proceder (
2). Duplicar a bondade, tal como a maldade e o amor exige um programa ainda não de todo entendido em suas linhas de comando indispensáveis.
Muitos fatores intervêm na formação da mente. Um mecanismo complexo está por detrás da montagem da inteligência e a IA tem demonstrado isso nas séries de dificuldades que são exigidas toda vez em que se tenta construir uma máquina que imite a cognição humana. Os casos neurológicos têm mostrado, paralelamente, as especializações de cada área do cérebro e as sequelas de quando se sofre uma lesão qualquer.
Sobre outro aspecto, o comportamento humano parece ser determinado geneticamente, sendo pouco flexível à influência do meio. Apesar disso, tudo indica que os padrões mentais são capazes de se moldarem em estruturas diversas, o que diferenciaria mesmo os gêmeos idênticos uns dos outros (
3).
Engenharia Reversa
Diante dessa complexa estrutura da mente, Pinker tenta defender a concepção de um sistema de órgãos computacionais, projetados pela seleção natural para resolver os problemas de sobrevivência e reprodução, impostos por um ambiente competitivo. A cognição seria, então, uma atividade cerebral na qual são processados informações de modo computacional. Vários módulos ou órgãos mentais estariam destinados a enfrentar problemas específicos de interação com o mundo. Para isso, um programa genético seria montado com o objetivo de maximizar o número de genes copiados que seriam transmitidos às futuras gerações.
No entanto, o método apropriado para esclarecer essa perspectiva evolucionista e computacional da mente seria praticado pela engenharia reversa. Isto é, através da compreensão das funções de cada peça de um produto acabado, procura-se entender o projeto pelo qual ele veio ser constituído. A mente humana seria o resultado dessa história evolutiva que apenas uma visão retrospectiva ajudaria a explicar como ela acabou por ser construída, até atingir o estágio em que se encontra no presente.
Toda história das descobertas biológicas e das ciências naturais, em geral, tem seguido, intuitivamente, esse tipo de estratégia. A partir da observação do estado atual da matéria, procura-se decompô-la nas diversas partes que compõem o objeto estudado, a fim de delinear a trajetória que permitiu a sua existência como tal. Daí a necessidade de investigar a mente por meio de uma teoria evolutiva.
No estudo da mente, o cérebro tem um papel essencial, embora toda essa atenção se deva ao que ele faz e não propriamente a sua constituição física. A rigor, o processamento de informações, em suas relações lógicas, independem do meio operante. Um programa de computador pode rodar em diversos aparelhos diferentes. A teoria computacional veio explicar como causas imateriais podem provocar eventos físicos. As informações são expressas por símbolos que estão relacionados a estados físicos da matéria, como nos componentes do computador ou neurônios cerebrais. Crenças e desejos podem, então, ser interpretados como informações processadas pelo cérebro, que age segundo padrões conectivos diferenciados. A disposição e configuração neural representa o padrão programático a ser empreendido pelo cérebro. Entretanto, há diferenças inerentes à matéria que permitem certos programas serem operados de uma maneira em circuitos neurais e de outra em silício. Apesar dessas diferenças óbvias, os princípios que explicam a inteligência nas máquinas e nos organismos vivos são os mesmos. A teoria computacional tenta mostrar como a evolução da mente, pela seleção natural, permitiu montar um programa tão complexo como o comportamento humano.
A mente não é um órgão único -afirma Pinker. Ela é um mecanismo funcional dedicado aos assuntos humanos formado por vários sistemas especializados. De fato, nem todas as tarefas podem ser solucionadas pela mente. Esta esteve ocupada em resolver os problemas de percepção, locomoção, deliberação e motivação enfrentados pela espécie humana, durante sua evolução. Seu programa teve de ser construído pela compreensão dos desafios que lhe eram apresentados. Nessa tarefa de engenharia reversa, o processamento de informação foi repartido em diversos módulos especialistas que tratavam de interpretar retrospectivamente o obstáculo a ser superado.
Assim, uma regularidade na natureza proporcionou o estabelecimento de padrões que, na maioria dos casos era eficaz, embora fosse vulnerável a situações não previstas. Cada módulo especializado dedicou-se a um função respectiva. Tudo isso, no intuito de promover a reprodução segura dos genes individuais. Esses módulos apoiam-se num hábito que não se sustenta, logicamente, pois toda essa especialização ocorre devido às informações contingentes disponíveis na natureza. Tais informações, não necessariamente constituem a disposição definitiva do mundo.
Em suma, cada órgão mental forma uma estrutura especializada para uma função específica. A interação entre eles não permite o estabelecimento de fronteiras nítidas. Todavia, eles indicam que a mente humana não é uma massa homogênea nem informe. Ao contrário, ela possui uma configuração heterogênea com muitas atividades localizadas em áreas especiais do cérebro (
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O código genético é responsável pela anatomia do corpo humano. O cérebro faz parte dessa constituição física e, como tal, seus órgãos mentais também são definidos pelo genoma humano. Para construir um robô que venha a reproduzir as atividades cognitivas se faz necessário um sistema computacional desenvolvido no intuito de resolver diversos problemas, do mesmo modo pelo qual o programa genético veio a ser formado na natureza.
Isto quer dizer que o programa desenhado pela seleção natural formou a base universal que tornou possível a criação dos diversos tipos de cultura existentes. Ou seja, todas sociedades e maneiras de viver humanas possuem uma estrutura inata. Portanto, a distinção entre processos de aprendizagem social e desenvolvimento mental, na concepção de Steven Pinker, é uma falsa dicotomia. Afinal de contas, a mente consiste numa estrutura tão rica e flexível que a suposta interação entre o mecanismo físico e social não faz sentido.
Contra uma equivocada noção de “tábula rasa”, deve-se admitir que os seres humanos são dotados de um mecanismo inato capaz de aprender tudo que lhe for pertinente. Todo esforço explicativo, nesse contexto, está voltado para o entendimento de como a mente funciona ou o que a faz funcionar melhor. Nesse último caso, a atenção volta-se para a relação causal implicada na qualidade das ações resultantes de uma deliberação.
Entretanto, ainda que algumas atividades mentais possam ser realizadas melhor por algumas pessoas e não todas, existe um modo básico que todas as mentes normalmente montadas conseguem exercer sem muita dificuldade. Vários genes concorrem para que uma tarefa seja adequadamente estruturada, embora a má formação de apenas um deles possa prejudicar todo o comportamento do organismo. Para o bom funcionamento do cérebro, é preciso que todas informações necessárias estejam disponíveis. Os genes operam com objetivo de montar o equipamento adequado para lidar com elas e mais tarde essas informações internas, junto com as externas, permitirão ao cérebro terminar seu processo de construção sozinho, ao mesmo tempo em que um programa é desenvolvido. Assim, cada cérebro pode forma-se individualmente com as informações básicas vindo ligar as conexões indispensáveis para o funcionamento dos módulos mentais, nos momentos críticos.
Tudo isso é fruto da seleção natural que delineou um projeto específico com as soluções bem sucedidas que ocorreram durante a história da espécie e foram registradas no código genético. Por tentativa e erro, ou pelo método “gera-testa”, as funções específicas e as gerais puderam chegar ao estágio no qual a mente se encontra hoje. Por isso, toda interpretação, sobre o funcionamento cognitivo, só pode ser oferecida a posteriori. Mas o seu acerto reside na melhor explicação do porque do processo evolutivo ter ocorrido de um modo e não de outro. Muitas vezes, a melhor teoria adaptacionista tem de recorrer a especialistas fora do domínio da psicologia. As especializações precisam ser testadas com o propósito de comprovar a possibilidade da mente humana ter de fato sido desenvolvida da maneira que se descreve. Assim, pode-se entender todas as reações mentais típicas da espécie, como enjoos na gravidez ou durante deslocamentos em veículos, por exemplo.
A evolução permitiu que os seres humanos se diferenciassem das outras espécies assemelhadas, graças à elaboração de um programa diferente e fácil de adaptar-se às mudanças ambientais. Enquanto o corpo humano manteve uma anatomia próxima à dos primatas, sua mente pôde ser mais facilmente alterada, a fim de equipar a espécie com habilidade específicas que a permitisse ocupar um espaço adequado para sua sobrevivência, na natureza. A especialização do cérebro humano foi que tornou o homo sapiens uma espécie “especial”.
Todavia, isso não significa que a seleção natural seja a responsável por todo tipo de comportamento do indivíduo. Se o controle dos genes fosse absoluto, não seria possível a cada um fazer escolhas não adaptativas. Tudo indica que, apesar da anatomia ter sido toda formada a partir do genoma, o comportamento seja resultante do confronto de disposições internas dos órgãos mentais com as diversas opções que lhe são apresentadas pelo meio externo. A luta entre a vontade e a determinação mostra que o genoma não pode definir todas atribuições do indivíduo, pois, se assim fosse, a própria adaptação estaria comprometida toda vez que uma mudança abrupta na natureza envolvesse um organismo pronto e acabado, inflexível às novas exigências do meio.
Na explicação retrospectiva da mente, é preciso apontar qual seu principal objetivo. A seleção natural induz a meta da replicação do gene, isto é, o cérebro seria constituído de tal maneira, a fim de promover a reprodução da espécie. Do ponto de vista genético, o fim último seria a reprodução: a sobrevivência do gene. Por outro lado, para que isso aconteça primeiro o indivíduo deve sobreviver. Em consequência disso, algumas concessões tiveram de ser feitas pela espécie aos seus membros. Estes, entretanto, conforme as circunstâncias, podem assumir interesses particulares, nem sempre concordantes com os objetivos gerais dos genes. Tal fato, explica os conflitos que surgem pela possibilidade do livre-arbítrio, atributo peculiar dos
homo sapiens. É o preço que a seleção natural paga pela geração de um programa flexível e aberto na espécie humana (
5).
A Disputa Teórica
O monopólio sobre a melhor teoria da mente levou filósofos, psicólogos, sociólogos e biólogos a travarem uma luta acadêmica extremada -por vezes, física-, para que suas perspectivas particulares prevalecessem. Quando os biólogos passaram, desde Charles Darwin, a mobilizarem a teoria evolutiva, como base explicativa da ciência cognitiva, os cientistas sociais reagiram de modo veemente, provocando um debate ideológico pouco esclarecedor.
Os interesses envolvidos provocaram até mesmo alterações fraudulentas, no resultado de pesquisas; pedidos de censura e agressões por parte dos sociólogos. Devido a concepções equivocadas sobre a origem das espécies, tais como a vinculação da estrutura inata a posturas discriminatórias de regimes totalitários; ou a predestinação de comportamentos que seriam imutáveis por estarem associados aos genes e, por conseguinte, tornarem os indivíduos sem responsabilidade moral. Tal crítica mostrou-se vazia quando as questões morais e científicas foram encaradas com seriedade, o que permitiu o entendimento adequado dos acontecimentos biológicos.
Costuma-se atribuir uma postura política conservadora aos defensores do inatismo e uma progressista aos teóricos da “tábula rasa”. Porém, de ambos os lados ideológicos, pode-se encontrar políticas insustentáveis moralmente e cientificamente, pois a distorção que fazem da natureza humana leva a afirmações a favor da discriminação tanto por parte da direita como da esquerda no espectro político. Ao lado de Hitler, podem ser listados Stalin, Pol Pot e Mao Tse-Tung (
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A observação da natureza humana mostra que nenhuma característica genética isolada é suficiente para justificar a discriminação, pois não há diferença relevante que possa ser detectada no projeto do organismo. As variações existentes decorrem do processo de montagem, ao longo das histórias da vida de cada um. A estrutura universal da mente é algo que pode ser comprovada pela experiência. A despeito das diferenças percebidas na anatomia dos diversos grupos étnicos e comportamentais, o funcionamento da mente é idêntico a todos, de acordo com a habilidade de cada órgão mental inerente à espécie humana. As diferenças orgânicas quanto ao sexo, por exemplo, dizem respeito apenas ao comportamento voltado à reprodução de um modo geral e não às funções cognitivas propriamente dita. Toda diferença recai sobre as informações externas que moldam o cérebro dos indivíduos em vida. Tais modificações são passíveis de uma análise moral.
Doutro ponto de vista, os defensores de uma natureza humana homogênea concordam que não há nada de moral em sua constituição fisiológica. Pois com adverte a
falácia naturalista, revelada pelo filósofo inglês George Moore, no início do século XX, o fato de
ser assim não implica que algo
deva ser assim. Não há moral na natureza. A anatomia da mente humana não é boa nem ruim. O que a teoria evolutiva faz é enfocar como o comportamento humano pode ser compreendido à luz de sua história natural. Ao conceber a mente como uma estrutura natural complexa, a explicação evolucionista abre espaço para o debate ético que possa reverter uma possível tendência indesejável nos seres humanos. A natureza permite que haja o livre-arbítrio, com objetivo de que os indivíduos escolham a melhor maneira de sobreviver e, se possível, manter a espécie, replicando seus genes (
7). Como Pinker argumenta, “(…) felicidade e virtude nada têm a ver com o que a seleção natural nos projetou para realizar no meio natural. Cabe a nós determiná-las” (
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Entender e Perdoar
O fato de saber-se que os genes podem de algum modo influenciar o comportamento humano não é o bastante para desculpar todas as condutas consideradas imorais. Afinal, o que a teoria evolutiva faz é apenas explicar uma atitude e não a justificar. Em outras palavras, os genes, a configuração do cérebro, suas substâncias químicas, o processo de socialização e os interesses de cada indivíduo fazem parte de uma complexa interação que muitas vezes são mobilizados na defesa de práticas equivocadas, como exemplificam as várias argumentações empregadas em casos jurídicos em favor do réu, baseadas nas ciências biológicas e sociais.
A despeito de qual seja a causa de uma ação, a teoria moral deve encontrar uma maneira de atribuir responsabilidade às pessoas sem ter a vontade livre constantemente ameaçada pelas descobertas científicas. Ciência e ética tratam o mesmo problema de perspectivas diferentes. Enquanto a primeira está preocupada com as relações causais do comportamento, através do estudo da matéria, a segunda procura avaliar as ações e suas consequências sem recorrer a instâncias físicas. A ética parte de idealizações que possibilitam a compreensão do valor moral de sua conduta. Essas idealizações, para serem inteligíveis, precisam estar aproximadas com o que acontece no mundo. Apesar de diferentes, ciência e ética não podem ser excludentes. Apelar à ciência para explicar comportamentos morais pode resultar em efeitos contrários ao que se pretende, pois as hipóteses científicas estão sempre sujeitas à falsificação por outra experiência. As discussões morais devem ser sustentadas em argumentos legítimos e justos, ao invés, de teses científicas. Conforme o objetivo de cada pesquisa, os seres humanos podem ser concebidos seja como máquinas, seja como agente livre e independente.
A falsa dicotomia entre natureza e sociedade tem levado os extremados a negarem a realidade no mundo, esquecendo que a constituição complexa da mente foi moldada para reagir com o meio que a cerca. Faltam, aos cientistas sociais, provas empíricas que apoiem suas teorias, se querem enfrentar a questão natural. Suas afirmações estão baseadas apenas em modelos científicos ultrapassados pelas pesquisas atuais. Essas interpretações simplistas refletem, afinal, a confusão mental de quem as propõem. Conclusão: para Pinker, a melhor explicação psicológica sobre a cognição humana é a que esteja fundamentada nas diversas funções computacionais projetadas pela seleção natural, cujo livro
Como a Mente Funciona visa, então, apresentar (
9).
Notas
1. Veja PINKER, S.
Como a Mente Funciona, 1, pp. 13-15.
2. Exceto John Mc Carthy que pensa ter encontrado o programa adequado para permitir aos robôs terem livre-arbítrio. Veja MC CARTHY, J.
Free Will -Even for robots. Disponível na Internet via:
http://www-formal.stanford.edu/jmc/.
3. Veja PINKER, S.
Op. Cit., 1, pp.15-32.
4. Veja PINKER, S.
Idem, 1, pp.32-42.
5. Veja PINKER, S.
Como a Mente Funciona, cap. 1, pp. 42-56.
6. Em tempo, as questões políticas inerentes ao posicionamento epistemológico acerca do conceito de mente aparecem apenas no primeiro capítulo de
Como A Mente Funciona. No restante do livro, esse ponto cai para o pano de fundo, que serve de cenário a sua postura cientificista, quase reducionista. Essa discussão política, entretanto, retorna em sua obra posterior
Tábula Rasa, onde o debate contra sociólogos, antropólogos e relativistas, em geral, ascende ao primeiro plano.
7. Veja PINKER, S.
Op. Cit, idem, pp.56-63.
8. PINKER, S.
Idem, ibdem, p. 63.
9. Veja PINKER, S.
Ibdem, ibdem, pp. 64-69.
Referências Bibliográficas
PINKER, S. Como a Mente Funciona; trad. Laura T. Motta. – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
______. Tábula Rasa. – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.