Uma entrevista do médico estadunidense John P. A. Ioannidis, diretor da Escola de Medicina e do Centro de Pesquisa e Prevenção da Universidade Stanford, na Califórnia (EUA), publicada no Brasil pela revista Época, confirma os temores da fraude em grande parte das pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica. As declarações são diretas e firmes. Alertam para os perigos de tais práticas na medicina, enquanto lançam suspeitas que podem ser estendidas a outras áreas do conhecimento.
O trabalho mais famoso de Ioannidis trata de responder
“Why most Published Research Findings are False” (
“Porque a maioria dos Resultados de Pesquisas são Falsos”, 2005), cujo artigo foi o mais acessado na história da biblioteca pública de ciências (Public Library of Science, PLoS). Superou a marca de 1,5 milhões de visitas [
1]. O médico chama atenção para o fato de que a maioria dos produtos gerados por essa grande quantidade de pesquisa é inútil ou ineficaz.
“Recentemente, meu grupo investigou levantamentos sobre antidepressivos. Encontramos 185, um número impressionante. Precisamos de 185? Talvez de um ou dois. Quatro estaria ótimo. Cerca de 80% desses levantamentos tinham algum tipo de envolvimento da indústria. Eles nunca diziam nada ruim sobre os antidepressivos. (…) Quando esses levantamentos eram feitos por pessoas sem conexão com a indústria, mais da metade trazia ressalvas: afirmava que eles não eram tão eficazes ou que tinham alguns riscos a ser levados em consideração”.[2]
Como solução a esse tipo de distorção, Ioannidis propõe a desvinculação dos testes dos produtos por parte da própria industria que os fabrica.
“Assim, não haveria razão para chegar a um resultado
favorável exagerado ou para interpretar os resultados de maneira enviesada. A indústria deve ter todo o incentivo para desenvolver a melhor droga, o melhor tipo de exame diagnóstico. Mas é preciso ter os melhores testes para avaliar esses produtos, elaborados, conduzidos e analisados por cientistas independentes – idealmente com financiamento público. A indústria poderia contribuir com recursos, num fundo público, que custearia essas avaliações. Uma pequena parte das vendas dos medicamentos alimentaria esse fundo.” [3]
Uma metodologia científica baseada na transparência, combate aos equívocos e pontos de vista tendenciosos seria a forma de fazer frente a um dogmatismo que não admite erros em seus estudos. Um “ceticismo saudável” que permitiu a ciência avançar nos períodos mais obscuros da história.
REMBRANDT, Lição de Anatomia do Doutor Tulp; Mauritshuis, Haia.
Isso que acontece em um campo vital, como a medicina, se repete em outras áreas do conhecimento acadêmico, onde os pesquisadores são obrigados a estarem sempre a publicar artigos para melhorarem a avaliação de seus centros de estudos e seus próprios currículos. O que insufla uma máquina de publicações científicas que cobra caro pelo acesso a suas matérias – fornecidas, em sua maior parte, sem custos pelos acadêmicos que precisam publicar seus trabalhos de qualquer maneira. Na esteira desse critério de avaliação, que valoriza a quantidade e não a qualidade do conteúdo proposto, proliferam o compadrio, a corrupção e, quando não, o simples charlatanismo.
A soluçao que Ioannidis sugere para a medicina,
mutatis mutandis, se aplica em outras disciplinas. “Temos de comunicar primeiro para os médicos e depois para os pacientes que um novo [e caro] tratamento tem 1% de chance de funcionar, ou 5%, ou 10%. Você toma a decisão consciente dos riscos e se estiver disposto a pagar – ou a fazer seu governo pagar. É preciso integrar a ciência à vida cotidiana.” [
4].
Fonte
1. “Why most Published Research Findings are False”
2, 3 e 4. John Ioannidis: “A maior parte da pesquisa médica não é confiável”