Mais Um Pouco de Cultura

Ilustração de Boris Artzybasheff
(1899-1965)

Uma raposa faminta viu uns cachos de uva pendentes de uma vinha, quis pegá-los, mas não conseguiu. Então, afastou-se murmurando: “Estão verdes demais”.

Moral: Assim também, alguns homens, não conseguindo realizar seus negócios por incapacidade, acusam as circunstâncias.

ESOPO. “A Raposa e os Cachos de Uvas”. – São Paulo: Martin Claret, 2004.

Um Pouco de Cultura

FÁBULA de Esopo, O Parto da Montanha, em uma versão extraída de uma cartela de cigarros britânicos:

Uma vez, uma montanha estava muito agitada. Ouviram-se grunhidos e gemidos altos vindo de seu interior. Multidões vieram de todas as partes, imaginando qual seria a causa. Enquanto eles estavam reunidos, os ruídos aumentaram, e eles estavam com medo de alguma grande calamidade. E então saiu da montanha um rato.
A Moral: Não faça muito barulho por nada.

Fonte: Gallagher, 1931.

Mapas

Um bom mapa sempre se faz necessário para uma boa orientação. Sobretudo, quando se quer fazer uma viagem por lugares desconhecidos, a falta de informação pode ser questão de vida ou morte. Os mapas-múndi são a representação gráfica de uma visão de mundo partilhada por uma cultura durante uma determinada época. Nesse sentido, ilustram a perspectiva filosófica e os interesses dominantes. A relação entre mapas e riqueza foi captada por expressões cotidianas como “mapa da mina” ou “mapa do tesouro”. De fato, a posse de planisférios precisos sempre contribuiu para o enriquecimento de comerciantes, aventureiros, conquistadores e industriais em busca de mercadorias, territórios ou matéria prima para manufatura.
Os babilônios foram os mais antigos desenhistas de mapas que se tem notícia. Por volta de 2.300 a.C., eles já projetavam em tábuas de argila os primeiros traçados de áreas terrestres. Geógrafos gregos do terceiro século antes de Cristo admitiam a forma esférica da Terra. Nesse mesmo período, do outro lado do globo, os chineses usavam linhas paralelas de norte a sul e lesta a oeste. Seus mapas eram muito precisos, mas incompletos, como os ocidentais de então. Na Idade Média, os europeus restringiam o mundo conhecido a seu continente, Ásia e norte da África. Os árabes, desenhavam seus mapas-múndi com conceitos de latitude e longitudes bem definidos e incluíam o Oceano Índico e territórios ao sul do Equador, onde comercializavam.

Imagem: MERCATOR, G.Mapa Múndi; Fonte: Bloch Editores.

Na época das grandes navegações, as antigas cartas geográficas do tempo de Cláudio Ptolomeu (127-145) mostraram-se logo ineficazes e ultrapassadas. Convencidos, definitivamente, que a Terra era redonda, os primeiros modernos tiveram de encontrar um modo de representar no plano os pontos geográficos de um esfera. Nos séculos XIII e XIV, as cartas náuticas —representação de áreas marítimas— passaram a ser mais detalhadas, incorporando a Rosa dos Ventos para orientação de bússolas.
O geógrafo belga Gerhard Kremer (1512-1594), cujo apelido latino era Gerardus Mercator, inventou um método que consistia em simular a projeção da sombra da Terra num cilindro que a envolvesse perpendicularmente, tangenciando o equador. O método de Mercator permitia fazer a projeção do globo terrestre sobre uma superfície plana, auxiliando a criação de rotas retilíneas aos navegadores. Desenrolado o cilindro o mapa-múndi obtido apresentaria, no entanto, distorções cada vez maiores à medida que a distância fosse aumentando da linha do equador para os polos. Com isso, a Groenlândia e a Antártica apareciam maiores do que realmente eram na realidade. Mesmo sem poder representar fielmente os polos sul e norte, os mapas de Mercator eram utilizados pelos navegadores que evitavam esse rumo, e ainda hoje, a projeção por ele inventada é usada no desenho de mapas múndi.
 Os levantamentos topográficos científicos foram adotados a partir do século XVIII. Atualmente, fotografias aéreas e monitoramento por satélites fazem da ideias de globalização uma realidade visível a qualquer um que possua computadores ligados a rede mundial. As minas e os tesouros dos exploradores antigos estão ao acesso de um simples botão.

 

Motivação

O tema da motivação, em filosofia, vem sendo tratado por autores ligados à ética, epistemologia e teoria da ação. Na ética, o objetivo é saber se os princípios morais são suficientes para motivar a boa conduta humana ou se este só age em função de algum interesse por bens ou um tipo de vida em especial. Para Immanuel Kant (1724-1804), uma lei moral só teria validade se fosse motivada incondicionalmente, ou seja, por si mesma. Outros, como David Hume (1711-1776), pensavam que isso só seria possível se houvesse um sentimento moral que orientasse as ações.

A falta de motivação acarreta em inação. DÜRER, A. Melancolia, gravura de 1514.


A teoria da ação parte, então, para desvendar até que ponto as decisões humanas são livres, tendo em vista que as motivações para agir podem ser causadas por estímulos internos ou externos. Se a vontade for condicionada externamente, as motivações determinariam de fora para dentro o comportamento do indivíduo, a despeito de seu livre arbítrio. Nesse caso, não haveria como responsabilizá-lo por nada que fizesse. Uma motivação interna, determinação psicológica, poderia garantir um mínimo de responsabilidade ao sujeito, embora não fosse suficiente para estabelecer sua autonomia. George Moore (1873-1958), Burrhus F. Skinner (1904-1990) e Ernst Tugendhat são exemplos de autores que abordam essa questão de diversos ângulos.
O papel da motivação na formação do conhecimento é estudado pela epistemologia contemporânea, às vezes, com o apoio da neurologia que, depois de O Erro de Descartes, de António Damásio, contribui decisivamente para delimitação das fronteiras entre sentimentos e razão, tendo como ponto de contato as motivações.

Referências Bibliográficas

DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes. – São Paulo: Cia das Letras, 1996.
DEWEY, J. Vida e Educação. – São Paulo: Abril Cultural, 1985.
HABERMAS, J. “Conhecimento e Interesse”, in Tecnologia e Ciência como “Ideologia”. -Lisboa: Edição 70, 1987.
HUME, D. Uma Investigação sobre os Princípios da Moral. – Campinas: Unicamp, 1995.
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
MOORE, G. “El Libre Albedrio”, in Ética. – Barcelona: Labor, 1929.
SEARLE, J. Mente, Cérebro e Ciência. – Lisboa: Edição 70, 1984.
SKINNER, B.F. Tecnologia de Ensino. – São Paulo: Herder, 1975.
TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. – Petrópolis: Vozes, 1997.

Política Econômica Justa

A justiça une as questões relacionadas com a política e economia, quando se trata de promover a melhor distribuição dos recursos e talentos, considerados escassos. Como dizia David Hume (1711-1776), em Investigação sobre os Princípios da Moral (1751), é uma virtude útil apenas quando há uma escassez restrita de recursos. Se todos os bens necessários à manutenção da vida e do conforto dos indivíduos fossem plenamente disponíveis a todos, a justiça não seria reivindicada pois cada um estaria satisfeito com o que possui sem precisar lutar com outra pessoa pela posse daquilo que lhe faltasse. Tudo seria dado. Nos casos extremos de uma violência generalizada, como numa guerra civil ou total contra um inimigo, não cabe justiça entre os beligerantes, vencerá aquele que for mais forte ou astuto. Portanto, a justiça só se faz necessária quando a escassez de bens é moderada e um apelo pela melhor distribuição dos bens materiais pode ser defendida argumentativamente.

A Revolução de 1776 dos Estados Unidos escolheu a Democracia como forma de regime político justa para seu Federalismo

Nesse sentido, a política econômica justa será aquela que atender a uma distribuição de recursos, segundo as circunstâncias históricas locais. Mas isso não diz muita coisa, afinal o modo como a distribuição for feita influencia decisivamente na consideração sobre sua justiça. Muitos poderiam pensar que a repartição igualitária dos bens materiais e dos talentos humanos seria uma coisa justa. Outros talvez contra-argumentariam alegando que não é justo que uma pessoa mais carente receba o mesmo que outra não tão carente ou ainda que aquele com maior capacidade de produzir deva obter uma parte maior que aquele que nada faz de útil. “A cada um segundo sua capacidade” é o lema de muitas doutrinas e religiões tão distantes como o marxismo e o cristianismo. Agora, quando esse tipo de justiça é posto em prática, os problemas quanto à desigualdade da distribuição retornam imediatamente. Apenas para citar autores modernos e contemporâneos, correntes liberais radicais defendem que o mercado livre, sem qualquer intervenção externa, seja o único meio eficiente de fazer tal distribuição justa. No mercado livre, “uma mão invisível” seria a única coisa responsável pela divisão equilibrada dos recursos disponíveis – para mais detalhes veja A Riqueza das Nações (1773) de Adam Smith (1723-1790). Entretanto, a intervenção do Estado é defendida por quem pensa que o liberalismo econômico não seja suficiente para realizar a justiça, por si só, pois estaria a mercê de conluios, do uso da força indiscriminada, ameaças, formação de oligopólios etc. que impediriam a recompensa justa aos esforços daqueles que não tivessem a sorte ou disposição para explorar a fraqueza dos demais. Assim, o Estado serviria como uma espécie de mecanismo de compensação das distorções provocadas pelo mercado – veja Las Esferas de la Justicia (1983) de Michael Walzer.
A respeito da forma de governo capaz de realizar a justiça, a democracia é hoje defendida pelos principais autores ocidentais como John Rawls (1921-2002), em O Direito dos Povos (1999), e Jürgen Habermas, em Direito e Democracia (1992). No passado, já houve quem defendesse o absolutismo, como a forma mais justa de distribuição do poder, por exemplo, Thomas Hobbes (1588-1679), no Leviatã (1651). Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) proclamavam a ditadura do proletariado como o regime político ideal para promover a justiça, por exemplo, no Manifesto do Partido Comunista (1847).
Isso sem falar nos pensadores orientais e nos filósofos medievais e antigos que também tinham concepções próprias de política e economia justas, vinculadas à monarquia e ao despotismo, entre outros tipos de regimes.

Referências Bibliográficas

HABERMAS, J. Direito e Democracia. – Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
HOBBES, Th. Leviatã. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
HUME, D. Uma Investigação sobre os Princípios da Moral. – Campinas: UNICAMP, 1995.
MARX, K e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. – São Paulo: Matin Claret, 2001.
SMITH, A. A Riqueza das Nações. – São Paulo: Nova Cultural, 1985.
RAWLS, J. O Direito dos Povos. – São Paulo: Martins Fontes, 2001.
WALZER, M. Las Esferas de la Justicia. – México, D.F.: Fondo de Cultura Económico,1993.

Opinião e Certeza Subjetiva

OS antigos helenos distinguiam a doxa (opinião) da episteme (conhecimento). Para eles, a opinião poderia fundar uma técnica qualquer – a arte de fazer sapatos, por exemplo -, mas não seria suficiente para fundamentar a ciência ou conhecimento verdadeiro. A separação entre opinião e conhecimento científico vem daí. Enquanto a primeira permite a confecção de objetos apoiada numa prática generalizada, o segundo fornece os princípios que fazem dessa prática algo válido em geral. A opinião tem sua fundamentação em concepções subjetivas e quando essas são partilhadas por uma comunidade, as opiniões individuais somadas formam o senso comum. Ao contrário das ciências, o senso comum não procura justificar suas opiniões por meio de experiências que falsifiquem suas posições. Simplesmente, assumem uma verdade baseada na tradição ou em crenças.

Certeza Subjetiva

Um crítico certeiro do Subjetivismo

A forma de certeza fundada no sujeito que é a base da subjetividade. A certeza subjetiva não se apoia em observações, por confiar plenamente em suas convicções racionais internas, difere da certeza objetiva, que busca sustentação em conhecimento obtido através da observação sistemática de fenômenos que se repetem e podem ser percebidos por todos. René Descartes (1596-1650) procurou no interior do sujeito racional um tipo de verdade indubitável que pudesse servir de apoio a todo conhecimento verdadeiro. Encontrou na expressão “cogito, ergo sum” (penso, logo sou) aquela condição que a seu ver não poderia ser rejeitada sem contradição. Tudo isso, porque a certeza objetiva era vulnerável ao ataque de uma crítica cética, já que do fato de um fenômeno se repetir inúmeras vezes, não se segue isso vá ser assim sempre. Ludwig Wittgenstein (1889-1951), muitos anos depois, questionou essa certeza subjetiva cartesiana, afirmando que a simples proposição “eu sei” não basta. Afinal, é necessário apontar objetivamente que um erro não é possível em um caso determinado. Aos céticos da certeza objetiva, Wittgenstein perguntava se faz sentido duvidar da aparente certeza sobre o acontecimento observado, se ele estivesse amparado num uso apropriado da linguagem. Com isso, foi possível restaurar uma certeza objetiva sob nova perspectiva: a de uma prática linguística que influenciou toda filosofia contemporânea.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES, Metafísica. – Porto Alegre: Globo, 1969.
BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. – Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
DESCARTES, R. Meditações. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
WITTGENSTEIN, L. Da Certeza. – Lisboa: Edições 70, 1990