Baumgarten Inventa o Gosto

O termo “estética” é de origem helênica. Significa aquilo que é perceptível ou observável pelos sentidos (aisthetikos), isto é, o sensível. Seu uso original estava ligado ao estudo das sensações do ser, no mundo sensível. A acepção moderna, que permanece até hoje, de “ciência das sensações”, que abarca a teoria do belo, iniciou-se na obra do filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762) intitulada Aesthetica (1750-58), em dois volumes. Para ser mais preciso, o primeiro uso moderno surgiu na tese desse autor, Meditações sobre o Poema, que faz parte do volume inicial de Estética. Dois volumes dividiram, então, a obra. O primeiro (“Metafísica) tratando das questões transcendentais que atingem a arte e o segundo (“Estética”), abordando efetivamente os conceitos fundamentais da nova “ciência”.
As coisas sensíveis são os objetos de estudo da ciência estética (episteme aisthetike) ou simplesmente estética [1]. Immanuel Kant (1724-1804) não aceitava o uso amplo do termo. Em sua Crítica da Razão Pura (1781), restringia sua aplicação a uma ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori, mas não das coisas sensível, em geral, muito menos dos julgamento de gosto. Em uma nota sobre o assunto, deixa sua posição clara ao dizer:

São os alemães os únicos que atualmente se servem da palavra estética para designar o que outros denominam crítica do gosto. Esta denominação tem por fundamento uma esperança malograda do excelente analista Baumgarten, que tentou submeter a princípios racionais o julgamento crítico do belo, elevando as suas regras à dignidade de uma ciência. Mas esse esforço foi vão. Tais regras ou critérios, com efeito, são apenas empíricos quanto às suas fontes (principais) e nunca podem servir para leis determinadas a priori, pelas quais se devesse guiar o gosto dos juízos; é antes o gosto que constitui a genuína pedra de toque da exatidão das regras. Por esse motivo é aconselhável prescindir dessa denominação ou reservá-la para a doutrina que expomos e que é verdadeiramente uma ciência (…) (KANT, I. Crítica da Razão Pura, I part., §1, A21 e B35).

Kant usava “estética” em dois sentidos: como teoria das formas puras de uma experiência sensível universal (sensibilidade) e como forma pura da reflexão de uma experiência única, um juízo estético particular. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), por sua vez, dedicou ao tópico suas leituras sobre o campo da beleza, da arte ou belas artes, especificamente. Considerava “estética” uma palavra pouco satisfatória, a manteve em seus estudos, por já ter se tornado padrão em sua época – logo posterior a de Kant -, e não por indiferença quanto a seu emprego generalizado no senso comum.
Como um nome poderia ser mantido, a expressão que considerava apropriada para sua ciência era Filosofia da Arte ou mais precisamente, filosofia das belas artes.

Foi Baumgarten quem denominou de estética a ciência das sensações, esta teoria do belo (…) Na verdade, o termo estética não é o que mais propriamente convém (…) Conservemos, pois, o termo Estética, não porque o nome nos importe pouco, mas porque este termo adquiriu direito de cidadania na linguagem corrente, o que é já um argumento em favor de sua conservação (HEGEL, G.W.F. Estética, vol. 1, cap. 1, I sec., §III, p. 85/6).

Desse modo, a despeito das críticas de Kant e das ressalvas de Hegel, prevaleceu o emprego de Estética a todo tema referente, não só à sensibilidade, mas a todo trabalho onde se empregasse conceitos de beleza ou se fizesse juízo de gosto. Ainda no tempo de Baumgarten, o assunto era tido por superficial e distante do cerne da pesquisa filosófica. Diversos elementos constituíram, no entender de Baumgarten, o discurso sobre as sensações, partindo desde as representações sensíveis até as palavras aplicadas para descrevê-las.

Discurso Perfeito

A principal função da estética de Baumgarten era, tal como na poética aristotélica, construir bons poemas. A diferença entre as duas noções de poema residia na restrição feita pelo autor alemão, em relação ao estagirita. Enquanto, para Aristóteles, os poemas continuavam sendo produtos da atividade técnica humana, mesmo que procurasse abordar apenas as obras literárias – textos escritos, em geral – em sua Poética, Baumgarten limitava o conceito a uma expressão refinada da linguagem. Para este, um poema é definido como um “discurso sensível perfeito” que contribui para o conhecimento das representações. Quanto mais claras forem as representações, mais perfeitos seriam os poemas [2].
Em sua tarefa de representar as coisas sensíveis, um procedimento poético provoca afetos. A representação total da imaginação, feita com maior clareza sobre sua extensão – aquilo de que fala -, é também um procedimento poético. A pintura, semelhante ao poema, procura compor a ideia sensível do objeto. Contudo, as imagens poéticas – descritas – contribuem com mais elementos a unificar as figuras. E, nesse processo, a memória ajuda a formar o reconhecimento do objeto, ainda que retratado de modo confuso [3].

Na construção de um poema perfeito, deve-se reduzi-lo a um só tema, que é melhor do que a abordagem de vários assuntos. Uma ordem lúcida da sucessão de representações é o método poético mais indicado. A concisão, no entanto, não deve prejudicar o grau de perfeição da obra a ponto de a deixar incompleta [4].

Questão de Gosto

A relevância de Estética foi além da difusão de um novo conceito de teoria da arte. Esse trabalho acrescentou a essa área de estudo a investigação sobre os “juízos de gosto”, ou estéticos, que são feitos sobre a perfeição dos objetos sensíveis. Também apresentou critérios necessários para essa formação de juízo – clareza, simetria e ornamentação da figura [5]. Manteve, não obstante, a ideia de que a “imitação da natureza” seria a essência das obras de arte.
Assim, definiu a estética como sendo a ciência das coisas sensíveis, distante da lógica – que estudaria as coisas inteligíveis -, nos moldes em que autores anteriores haviam definido.

(…) Já os filósofos gregos e os padres da Igreja sempre distinguiram cuidadosamente as coisas sensíveis (aistheta) das coisas inteligíveis (noeta) (BAUMGARTEN, A.G. Ibd., §116).

O juízo, ou faculdade de julgar, perceberia a perfeição ou imperfeição de um objeto. O gosto, ao tratar do juízo sensível, se baseia nos cinco sentidos para se formar. Enquanto a crítica corresponde à capacidade intelectual de produzir julgamentos estéticos [6]. O gosto, portanto, é o julgamento dos sentidos.
Dessa maneira, a estética assumiu a condição de uma ciência do conhecimento sensitivo. Sendo assim, poderia ser aplicada a todas às artes que afetassem os sentidos, englobando a imaginação. Seu objetivo era aperfeiçoar o conhecimento sensitivo, o que significava, em uma palavra, constituir a beleza [7]. As imperfeições do conhecimento são responsáveis pelas distorções e deformidade do juízo estético, ocasionadas pela vulgaridade, falsidade, obscurantismo e pelo gosto dúbio apressado.
Baumgarten acreditava que um verdadeiro esteta possuiria um talento refinado inato [8].

Os talentos mais eminentes e universais de todos os tempos (…) ensinam a posteriori que a aptidão para pensar de modo belo e a aptidão para pensar de modo lógico se ajustam bem e podem coexistir em um único espaço, (…) segundo a disciplina mais rigorosa dos filósofos e dos matemáticos (BAUMGARTEN, A.G. Ib, ide., §43).

O talento natural reuniria o conhecimento lógico e estético de modo coerente. Suas potencialidades não deveriam ser negligenciadas por uma educação indolente que venha a corromper as qualidades internas por meio da hipocrisia, violência, orgias, pobreza de espírito e vulgaridade, deturpando “tudo aquilo que parecia pensado com graça e elegância, de modo belo” [9].
Por conseguinte, uma verdade estética poderia ser alcançada através de um conhecimento sensível que não fosse deformado. Acima da estética, apenas a verdade “estético-lógica” que seria a expressão da maior verdade metafísica, uma vez que liga o conhecimento sensível ao conhecimento lógico: um “analogon” da razão. Do contrário, haveria a falsidade estética, subjetiva, em desarmonia com os objetos do pensamento, passíveis de serem percebidos sensitivamente, como as imagens dos sonhos ou as produzidas pela imaginação, em geral. Tudo que ferisse a unidade do tempo e espaço na obra de arte deveria ser rejeitado como falsidade estética. Por outro lado, a pretensão de verdade estética, que não atingisse a certeza absoluta e que não contivesse nenhuma falsidade explícita, poderia ser aceita como verossímil.

E assim, será esteticamente verdadeiro, isto é, verossimilhante, aquilo que, sensitiva e intelectualmente, é absolutamente certo (…), aquilo que é lógica e esteticamente provável (BAUMGARTEN, A.G. Ib., seç. XXIX, § 485).

A aceitação da verossimilhança como verdade estética explica-se pela necessidade de se preencher as lacunas do conhecimento sobre um fato ou objeto que não se compreende totalmente. Entretanto, ter-se-ia um zelo estético pela verdade no interesse em se preservar a beleza necessária ao pensamento. O intelecto humano não seria capaz, segundo Baumgarten, de alcançar a verdade lógica máxima. Daí a importância de se ter um tal “zelo pela verdade” absoluta e universal a ser buscada.

Aquele que distingue bem a verdade estética, aquele que, em relação às verossimilhanças, representa de modo mais belo as coisas que narra, as coisas que inventa através das várias ficções e, enfim, quando for um poeta, através das próprias ficções poéticas (…) não será julgado, onde faltam argumentos, que está a mentir, se argumenta de modo belo ou então se revelar belamente como seu zelo pela verdade procurou toda espécie de verossimilhança (…) (BAUMGARTEN, A.G. Ib., seç. XXXVI, §613).

A despeito de diversas irregularidades – inconsistência e circularidades – a Estética de Baumgarten logrou estabelecer um campo de estudo para a teoria da arte e suas disciplinas. Também foi exitosa em separar a arte das várias técnicas que correspondem os afazeres humanos, indo além do que os antigos e medievais entendiam sobre a beleza produzida por ação humana. Pode ainda criar um roteiro de discussões que não seriam, em parte ou no geral, seguido pelos filósofos e artistas posteriores, mas formavam uma base de argumentação que influenciou profundamente o romantismo alemão e as artes modernas e contemporâneas. Depois de Baumgarten, quem quisesse tratar dos assuntos ligados aos juízos estéticos teria então que postular ou refutar os novos conceitos estabelecidos, graças a sua obra original e inovadora.

Notas

1. Veja BAUMGARTEN, A.G. Estética, part. I, §116.
2. Veja BAUMGARTEN, A.G. Estética part. I., §§ 6 a 13.
3. Veja BAUMGARTEN, A.G. Op.cit., idem, §§26 a 42.
4. Veja BAUMGARTEN, A.G. Idem, id., §§67 a 72.
5. Veja BAUMGARTEN, A.G. Ibdem, ib., §97.
6. Veja BAUMGARTEN, A.G. Ib., part II, cap. 1, seç. IX, §§607 e 608.
7. Veja BAUMGARTEN, A.G. Ib., “Estética Teórica”, vol. II, part. 1, cap. I, seç. 1, §14.
8. Veja BAUMGARTEN, A.G. Ib., idem, seç. II, §29.

9. BAUMGARTEN, A.G. Ib, ide., seç.III, §50.

Referências Bibliográficas

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____. Critique de la Faculté de Juger. – La Flèche: Gallimard, 1985.

Motivação

O tema da motivação, em filosofia, vem sendo tratado por autores ligados à ética, epistemologia e teoria da ação. Na ética, o objetivo é saber se os princípios morais são suficientes para motivar a boa conduta humana ou se este só age em função de algum interesse por bens ou um tipo de vida em especial. Para Immanuel Kant (1724-1804), uma lei moral só teria validade se fosse motivada incondicionalmente, ou seja, por si mesma. Outros, como David Hume (1711-1776), pensavam que isso só seria possível se houvesse um sentimento moral que orientasse as ações.

A falta de motivação acarreta em inação. DÜRER, A. Melancolia, gravura de 1514.


A teoria da ação parte, então, para desvendar até que ponto as decisões humanas são livres, tendo em vista que as motivações para agir podem ser causadas por estímulos internos ou externos. Se a vontade for condicionada externamente, as motivações determinariam de fora para dentro o comportamento do indivíduo, a despeito de seu livre arbítrio. Nesse caso, não haveria como responsabilizá-lo por nada que fizesse. Uma motivação interna, determinação psicológica, poderia garantir um mínimo de responsabilidade ao sujeito, embora não fosse suficiente para estabelecer sua autonomia. George Moore (1873-1958), Burrhus F. Skinner (1904-1990) e Ernst Tugendhat são exemplos de autores que abordam essa questão de diversos ângulos.
O papel da motivação na formação do conhecimento é estudado pela epistemologia contemporânea, às vezes, com o apoio da neurologia que, depois de O Erro de Descartes, de António Damásio, contribui decisivamente para delimitação das fronteiras entre sentimentos e razão, tendo como ponto de contato as motivações.

Referências Bibliográficas

DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes. – São Paulo: Cia das Letras, 1996.
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HABERMAS, J. “Conhecimento e Interesse”, in Tecnologia e Ciência como “Ideologia”. -Lisboa: Edição 70, 1987.
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SKINNER, B.F. Tecnologia de Ensino. – São Paulo: Herder, 1975.
TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. – Petrópolis: Vozes, 1997.

Do Dogma à Falha

A grosso modo, existem pelo menos cinco tendências a caracterizar a formação do conhecimento humano: a dogmática, a cética, a relativista, a eliminativista e a crítica. Em graus variáveis, os dogmas são posições que acreditam estar apoiadas em certezas indubitáveis, seja uma revelação divina, seja axiomas – a sua maneira, estoicos e cartesianos partilham dessa postura. O ceticismo, inaugurado por Pirro de Élida (366-275 a. C.), ataca essa pretensão com argumentos que visam mostrar serem as questões filosóficas insolúveis. Por conseguinte, sugeriam a “suspensão do juízo” (epoche) em geral ou sobre um assunto específico. Os relativistas, tradicionalmente associados às ideias de Protágoras de Abdera (490-420 a.C.), afirmam que uma verdade universal não existe, mas apenas relativa à perspectiva humana. Por sua vez, há quem diga, os eliminativistas, ser ilusória qualquer pretensão de verdade passível de conhecimento no estágio atual da cognição e que só novas pesquisas apresentarão um parâmetro mais de acordo com essa aspiração.

Immanuel Kant

Em seu tempo, Immanuel Kant (1724-1804) defrontava-se com o dogmatismo de Christian Wolff (1679-1754), por um lado, e o ceticismo de David Hume (1711-1776), por outro, como alternativa, propôs um teoria crítica, onde se admitia restrições à racionalidade humana, embora dentro desses limites fosse possível o conhecimento universal dos fenômenos. No Prefácio de sua Crítica da Razão Pura (1781), Kant lançou essa ideia da seguinte forma:

“Por uma crítica assim, não entendo uma crítica de livros e de sistemas, mas da faculdade da razão em geral, com respeito a todos os conhecimentos a que pode aspirar, independente de toda a experiência; portanto, a solução do problema da possibilidade ou impossibilidade de uma metafísica em geral e a determinação tanto das suas fontes como de sua extensão e limites; tudo isso, contudo, a partir de princípios.” (KANT, I Crítica da Razão Pura, A XII).

Toda sua Crítica é dedicada ao estabelecimento dessa tese que, em resumo, considera impossível o conhecimento da coisa em si, mas viável na forma de fenômenos, isto é, do modo como as coisas se apresentam no mundo. Embora o projeto kantiano seja vulnerável a muitas objeções, o pensamento crítico passou a ser reconhecido por essa postura intermediária entre o dogmatismo e o ceticismo. O aspecto delimitador da razão, típico do criticismo, proporcionou uma sexta variante chamada falibilismo, de Charles S. Peirce (1839-1914), para quem as crenças justificadas pela razão estão prontas a serem revistas, caso novos dados fornecidos levem a isso. Tudo por causa das limitações naturais impostas ao entendimento humano.

Referências Bibliográficas

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PEIRCE, Ch. S. Escrito Coligidos. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.

O Filósofo do Esclarecimento

IMMANUEL Kant (1724-1804), filósofo prussiano, nascido em Königsberg, é o principal nome do Aufklärung (Esclarecimento ou Iluminismo) germânico. Admirador dos iluministas franceses, sobretudo, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), chegou mesmo a desviar sua rigorosa rotina para receber as notícias sobre a Revolução Francesa (1789). Os primeiros textos de Kant tratavam de temas ligados à ciência da natureza. A partir de 1770, procura então estabelecer seu grande sistema teórico, que ele chamou de criticismo, acerca das categorias da razão (pura, prática e juízo). Em 1783, escreveu o opúsculo “Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento?”, defendendo o uso público da razão, voltado para superação da menoridade intelectual em que vive a humanidade. Foi um republicano leal, embora tivesse de conviver sob o regime despótico dos imperadores Frederico, o grande e Frederico Guilherme II, da Prússia. Este último chegou a forçá-lo à censura, por causa da obra “A Religião dentro dos Limites da Razão”, em 1794.
Para Kant, a educação deveria ser pública e universal; o regime político, republicano e constitucional; devendo as nações se reunirem em uma Liga mundial. No opúsculo de 83, já mencionado, ele abriu o trabalho definindo o Esclarecimento da seguinte maneira:

Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade e de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na faltas de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento (KANT, I. “Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento?”, p. 516).

Kant foi censurado, mas obedeceu a sua condenação por ser um fiel seguidor da lei. Por mais dura que ela fosse, enquanto estivesse em vigor, era para ser cumprida.

Autonomia x Comunidade

Nem sempre, entretanto, a autonomia da razão é um obstáculo para o atendimento das normas de um comunidade qualquer. Isso só ocorre se por acaso essas normas forem contrárias aos ditames da razão. Kant, que era um dos principais defensores da autonomia da razão, em seu conceito de imperativo categórico, dizia que todo ser racional deve agir como se sua máxima subjetiva pudesse ser considerada uma lei universal, isto é, que uma determinada linha de ação (conduta) do sujeito poderia ser considerada um dever a ser seguido por todos seres racionais, independente de uma comunidade em particular. Portanto, as normas de uma comunidade de seres racionais (reino dos fins, segundo Kant) seriam todas passíveis de universalização, e assim os indivíduos dessa comunidade estariam todos, em tese, obrigados a cumprirem as suas normas, já que elas seriam também leis universais, moralmente válidas.
Entretanto, as comunidades reais, na maioria das vezes, possuem normas particulares que não podem ser consideradas leis universais, válidas para todos. Tais normas não seriam, então um dever a ser cumprido pelo indivíduo, que as atenderiam somente de forma casuística ou instrumental, para atingir um fim particular, e não moralmente racional e universal.
Em linhas gerais, uma resposta que contemplasse esses pontos, poderia ser considerada correta. Essa ideia de autonomia da razão é uma das importantes contribuições de Kant para o cerne do debate sobre a moralidade e foi lançada na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
De Kant, o filósofo da história Johann Gottfried von Herder (1744-1804), seu ex-aluno, dizia que “a história do homem, dos povos e da natureza, a ciência natural, a matemática e experiência tais eram as fontes com que este filósofo animava suas lições e relacionamento. Nada digno de ser conhecido lhe era indiferente” (HERDER, J. G. v. Briefe zur Befördigung der Humanität, carta 79, p. 105).
Kant consolidou na língua alemã a metodologia da filosofia moderna iniciada por René Descartes (1596-1650). Tinha o interesse vivo sobre todas as coisas passíveis de trato científico e de tudo procurava saber, mesmo sem nunca ter saído de sua cidade natal. Incorporou como poucos em sua época, o conceito e a postura adequada para um pensador iluminista.

Referências Bibliográficas

KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes; in Os Pensadores. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
_____. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos; trad. Artur Morão. –Lisboa: Edições 70, 1988.
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QUINCEY, Th. Os Últimos Dias de Immanuel Kant; trad. Heloísa Jahn. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

A Prova do Mundo Externo de Moore

George E. Moore (1873-1958) foi, ao lado de Bertrand Russel (1872-1970), um dos principais responsáveis pela implantação de uma nova abordagem filosófica na Inglaterra. Antes dele, predominava, entre os ingleses, uma corrente idealista que abafara a tradicional visão cética e empírica, oriunda de autores como Francis Bacon (1561-1626), David Hume e John Locke (1632-1706). Depois de 1903, no entanto, com a publicação de Principia Ethica e do ensaio Refutação do Idealismo, Moore introduziu uma nova maneira realista de tratar os problemas filosóficos.
A principal característica de seu pensamento era uma postura analítica de investigação, voltada para o exame do significado das expressões empregadas na linguagem corrente, em oposição aos enunciados filosóficos de difícil compreensão. Em relação ao uso dado pelo senso comum à linguagem, Moore considerava seus significados verdadeiros e todos poderiam percebê-los claramente. Quanto ao uso filosófico da linguagem, era preciso buscar uma interpretação que tornasse evidente a verdade ou falsidade de suas proposições.
Pelo método de Moore, a clareza dos significados das expressões do senso comum servia como instrumento de elucidação dos significados dos enunciados filosóficos. Apesar das sentenças populares não exigirem provas ou refutações, elas impediriam que as teorias filosóficas caíssem num paradoxo, ao negá-las. O senso comum era, para Moore, um parâmetro útil no intuito de assegurar a verdade filosófica. Em Moore, a análise da linguagem pressupõe que haja no senso comum um universo de significados que se mostra no seu uso cotidiano. Caberia ao filósofo fazer a descrição geral desse universo.

Antecedentes

Por conta disso, para adentrar-se à obra de Moore é preciso estar atento aos antecedentes filosóficos e históricos necessários para a exata compreensão de seu objetivo teórico de esclarecer as expressões da filosofia. No caso do ensaio “Prova de um Mundo Exterior” (1939), a questão em torno da existência do mundo externo remonta a Descartes, George Berkeley (1685-1763) e Kant.
Descartes, em suas Meditações, procurou fundamentar a existência das coisas materiais a partir da noção de Deus – entidade capaz de produzir todas as coisas que se pode conceber com distinção. Nesse sentido, é possível conceber a existência de coisas materiais, uma vez que, como os objetos das demonstrações dos geômetras, elas podem ser reconhecidas clara e distintamente, graças à existência de Deus [1].
Ao contrário de Descartes, Berkeley via uma contradição na noção de matéria ou substância corpórea. Isso porque, todos os corpos que compõe o mundo não subsistem sem um espírito, um ser ativo que os perceba. Sem a percepção atual de algum espírito eterno, nada tem existência ou subsiste na mente. Não é possível separar o ser de um objeto sensível daquilo que nele é percebido. Só há, portanto, uma substância, o espírito percipiente, que percebe. Donde a contradição da existência de uma coisa que não possa perceber, pois ter uma ideia é o mesmo que percebê-la. Não há substância que não seja pensante ou substractum daquelas ideias [2].
Com Kant, é dado o ponto de partida das reflexões de Moore. Kant distinguia duas formas de idealismo material: o idealismo problemático de Descartes e o dogmático de Berkeley. Segundo ele, Descartes admitia como indubitável a asserção: “eu sou, eu existo”; enquanto Berkeley considerava o espaço exterior impossível em si. Contra Berkeley, Kant propôs, na Crítica da Razão Pura (1781), um sentido externo pelo qual se obteria a representação de objetos como exteriores a nós e situados no espaço. Assim, o espaço não representa qualquer propriedade das coisas em si, sendo somente a forma de todos os fenômenos do sentido externo: uma condição subjetiva da sensibilidade.
Contra Descartes, por sua vez, ele procurou mostrar que temos também experiência e não apenas imaginação das coisas exteriores. A experiência interna, que é indubitável, só seria possível mediante o pressuposto da experiência externa. Isso foi feito partindo-se da concepção de tempo como sentido interno. A determinação de algo no tempo pressupõe a sua permanência na percepção. Como representação de algo em mim, esta coisa deve ser distinta das simples representações de coisas fora do sujeito. Logo, a determinação própria no tempo só é possível pela existência de coisas reais, que percebo como externas. A consciência da própria existência, determinada no tempo, é também a consciência imediata da existência de outras coisas exteriores ao sujeito [3].
Kant pensava, então, ter fornecido, com a suposição dos sentidos interno (tempo) e externo (espaço), a única prova possível da existência do mundo exterior. Deste modo, estaria resolvido o escândalo filosófico acerca da existência das coisas exteriores a nós, sem apelar para crença, tendo em vista apenas a maneira pela qual a razão percebe o mundo por aqueles dois sentidos extraídos da forma da sensibilidade.

Prova do Mundo Exterior

No começo de seu ensaio, Moore, que leva a sério a tentativa de Kant resolver essa questão, pensa ser de alguma importância e pertinente à filosofia a discussão sobre o tipo de prova dado em relação à existência da alguma coisa exterior a nós. Ele considera que a prova oferecida por Kant para “a realidade objetiva da intuição exterior” também se aplica à expressão “a existência das coisas exteriores a nós”. Entretanto, a prova kantiana não é considerada satisfatória, pois ela ainda se concentra numa concepção subjetiva do entendimento do mundo. Para Moore, portanto, essa é uma questão que “ainda merece ser discutida” [4].
A partir desse ponto, Moore passa a fazer uma análise da expressão “coisas exteriores a nós”, que pensa ser uma expressão filosófica cujo significado não é perfeitamente claro. Dá preferência à expressão “coisas externas a nossa mente” [5]. É mencionada a ambiguidade apontada por Kant na expressão “exterior a nós”. Haveria um sentido transcendental – no qual uma coisa existiria como coisa em si distinta de nós – e um sentido empírico – de aparência exterior das coisas que devem se encontrar no espaço [6].
A última concepção adotada por Kant caracteriza o tipo de coisa ao qual o modelo da prova deverá se adequar, a saber: os “objetos físicos” ou melhor dizendo “tudo que se pode encontrar no espaço”. Nesse sentido, uma vez que se prove a existência de duas coisas diferentes, seguir-se-á a existência de pelo menos duas “coisas que se deveriam encontrar no espaço”, não importando o tipo desses objetos físicos.
Desse ponto em diante, Moore faz o exame dos objetos que podem ser considerados externos ou não. As imagens provocadas por uma fixação do olhar que permanecem na mente depois de passado algum tempo de observação, embora não fossem algo que pudesse ser encontrado no espaço, poderiam ser objetos de experiências que outras pessoas poderiam realizar. Assim, a expressão “ser encontrado no espaço” quer dizer que outras pessoas também poderiam perceber as coisas que alguém observa e experimenta. Entretanto, as imagens fixas na mente, mesmo que sejam apresentadas no espaço, não são encontradas neste mesmo espaço, nem fora da mente, já que a repetição da experiência não garante que a representação da imagem seja a mesma em cada indivíduo. As ilusões de ótica, provocadas por imagens duplas e as dores corporais são exemplos de coisas apresentadas no espaço que não estão nele e sim dentro da mente humana.
Segundo a concepção kantiana de “coisas encontrada no espaço”, Moore propõe que ela amplie seu significado, abrangendo os objetos de um experiência possível e não apenas da experiência real. A despeito do objeto de uma experiência possível não poder ser considerado como algo que é ou foi “apresentado” de modo absoluto, como acontece com as sombras que estão no espaço, mas nem sempre aparecem à percepção.
Moore não reconhece as imagens mentais, as dores e as alucinações como “coisas exteriores”, fora da mente, pois é necessário que outra pessoa também percebam as mesmas coisas que o sujeito afetado por elas percebem. Ele usa a expressão “coisa que se devem encontrar no espaço” no sentido de que uma vez que existam coisas, então elas devem ser encontradas no espaço [7]. Isto é, se algo exterior existe, ele deve encontrar-se no espaço em meio às coisas percebidas de um modo geral pelas pessoas comuns.
Para tornar isso mais claro, entretanto, Moore pretende abandonar a expressão “coisas que se devem encontrar no espaço” em favor de “coisas exteriores a nossas mentes”. Pois da existência de dois objetos não se segue que estes devam ser encontrados no espaço. Todavia, se é utilizada a frase “coisas exteriores a nossas mentes”, objetos existentes – como estrelas, corpos humanos, sombras – devem ser procurados externamente, ou seja, fora da mente humana. Esses objetos poderiam ter existido antes que o sujeito os percebessem e talvez continuassem a existir depois de serem percebidos [8]. Assim, objetos externos são logicamente independentes da percepção do indivíduo, para poderem existir de fato.
A prova que Moore pretende fornecer de um mundo externo passa pela existência desse tipo de coisas que podem ser encontradas no espaço e existem “fora de nós”. E basta que apenas dois objetos sejam provados, para que todo o resto seja admitido como existente, fora da mente. Destarte, no final de seu ensaio, Moore procede a sua demonstração:

segurando minhas duas mãos e dizendo, à medida que faço um certo gesto com a mão direita, “aqui está uma mão”, e acrescentando, à medida que faço um certo gesto com a esquerda, “aqui está a outra”. E se, fazendo isso, provei ipso facto [a partir do feito] a existência de coisas exteriores, todos nós veremos que posso também fazê-lo de várias outras maneiras: não existe nenhuma necessidade de multiplicar os exemplos (MOORE, G. Op. Cit, in idem, p. 292).

A mão esquerda de Moore segura seu cachimbo. Fonte: Filobotfil [CC BY-SA 3.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)%5D, from Wikimedia Commons.

Eis a prova da existência de um mundo exterior. Uma prova que, para Moore, é a melhor e a mais rigorosa. Ela atende a três condições formais: primeiro, a premissa era diferente da conclusão, pois mostrar as mãos e fazer gestos é diferente de dizer que “duas mãos humanas existem atualmente”; segundo, havia o conhecimento de que a premissa está de acordo com o que pretende demonstrar e é verdadeira; terceiro, a conclusão se segue das premissas. Em suma, “se há uma mão aqui e outra aqui agora, então segue-se que há duas mãos em existência agora” [9].
Posto isso, conclui-se que ao preencher todas as exigências de rigor, a prova apresentada pode afirmar a existência de objetos presentes agora. Para uma prova da existência no passado, basta que se diga que se manteve as mãos sobre algum móvel, num tempo anterior, logo, as duas mãos existiram neste tempo passado. É suficiente que uma pessoa saiba que esse fato tenha ocorrido como diz a premissa. Assim, também é possível, através de um testemunho fidedigno, provar a existência de objetos exteriores no passado, sendo essa prova perfeitamente conclusiva.
Não obstante, essa prova circunstanciada não corresponde à fórmula de um enunciado geral, capaz de provar qualquer proposição desse tipo. Moore não acredita que se possa provar de um modo geral as suas premissas, pois isso exigira a demonstração de todas as evidências relativas ao indivíduo: que ele não está sonhando ou sob o efeito de drogas; que as mãos são suas e não artificiais etc. Essas provas extras não podem ser dadas por esse tipo de prova. Contudo é um tipo de requisito equivocado tentar provar tudo o que se sabe. De acordo com Moore, é possível saber coisas que não se pode provar. A insatisfação contra a solução fornecida não tem bons motivos para ser sustentada.

Notas

1. Veja DESCARTES, R. Meditações, terceira e sexta.
2. Veja BERKELEY, G. Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano, “Dos princípios do conhecimento humano”, §§1 a 7.
3. Veja KANT, I. Crítica da Razão Pura, “Refutação do idealismo”, B 275/6.
4. MOORE, G. “Prova de um Mundo Exterior”, in Escrito Filosófico, p.278.
5. MOORE, G. Op. Cit., idem.
6. MOORE, G. Idem, ibdem, p.279.
7. MOORE, G. Ibdem, ibdem, p.285.
8. MOORE, G. Ibdem, ibdem, p.285/290.
9. MOORE, G. Ibdem, ibdem, p. 292.

Referências Bibliográficas

BERKELEY, G. Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano; trad. Antônio Sérgio. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
DESCARTES, R. Meditações; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
KANT, I. Crítica da Razão Pura; trad. Manuela P. Dos Santos e Alexandre F. Morujão. – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
MOORE, G. Escritos Filosóficos; trad. Paulo R. Mariconda. – São Paulo: Nova Cultural, 1989.

A Imaginação Moral de Mark Johnson

O papel da imaginação é talvez a maior descoberta de Kant na Crítica da Razão Pura. (…) [A] mesma faculdade que provê esquemas para a cognição, provê exemplos para o juízo, a imaginação (ARENDT, H. “Da Imaginação”, in Lições Sobre a Filosofia Política de Kant, p. 102).

O confronto de diversos tipos de bens dificulta fortemente a tomada de decisão. Diante dos dilemas morais, a incerteza sobre o que fazer impede o recurso a uma listagem de princípios hierarquizados sob uma fundamentação última. Nesse sentido, a necessidade de uma justificação razoável para ação esbarra na impossibilidade de decidir-se sobre “a coisa certa a fazer”. Quando isso acontece, o melhor mesmo é apelar para a Imaginação Moral, livro que o filósofo estadunidense Mark Johnson lançou em 1993. Através dela, seria possível imaginar as várias alternativas de ação. Uma racionalidade imaginativa iluminada, crítica, exploradora e transformadora deve ser a base das deliberações morais, do auto-entendimento e do desenvolvimento moral [1].
Uma teoria da moralidade desse tipo, ao contrário da pretensão de uma moral que visasse a formulação de leis, não seria prescritiva, mas descreveria a natureza do problema moral, apontando os padrões de justificação e as diferentes tradições históricas de tal modo que se revelaria a estrutura imaginativa dos conceitos e argumentos morais. Essa descoberta implicaria numa melhor compreensão da situação em que surgem os problemas morais, permitindo a construção de soluções, sem o fornecimento de regras para ação [2].

Elementos Básicos da Imaginação Moral

Para entender como a imaginação moral afeta as boas ações, é preciso conhecer seus elementos básicos: a estrutura prototípica dos conceitos morais; o enquadramento das situações; o uso de metáforas; e as narrativas. Os conceitos básicos da moralidade têm uma estrutura prototípica que não podem ser reduzidos aos critérios de necessidade e suficiência da teoria da lei moral. Por se ater só aos aspectos centrais das categorias a teoria da lei moral não dá conta dos casos periféricos, onde só os recursos imaginativos são capazes de alargar os limites definidos.
Seis aspectos da estruturas prototípicas são relevantes para a deliberação moral. Primeiro, na socialização que envolve o corpo do agente na aprendizagem das situações morais protótipos. Nesse envolvimento pessoal, em segundo lugar, emoções são geradas, marcando as motivações adequadas para a ação. Ao longo do tempo, uma série de extensões imaginativas mudam o significado dos protótipos, caracterizando sua flexibilidade. Contextos narrativos constituem o quarto aspecto importante, pois ajudam a determinar o significado de cada protótipo, segundo uma situação particular respectiva. Em quinto, os protótipos são a base dos princípios morais, cujas leis são abstrações que deixam de lado as circunstâncias culturais. Por último, as estruturas prototípicas estão sujeitas a transformações imaginativas graduais que permitem que os conceitos sejam aplicados a situações novas [3].
O enquadramento das situações é feito pela estrutura imaginativa sem a preocupação de fornecer um espelho objetivo da realidade. Os preconceitos existentes podem ser esclarecidos pela compreensão dos quadros semânticos, segundo sua natureza particular, que proporciona a formação de muitos quadros sobre a mesma situação [4].
O uso de metáforas constitui o cerne da dimensão imaginativa da moral. Tal afirmação, no entanto, exige uma série de reformulações no entendimento da razão moral. Conhecer os detalhes de uma estrutura metafórica permite um melhor autoentendimento do sujeito, esclarecendo seus valores, propósitos e sua vinculação às ações. A análise metafórica indica quais são os conceitos universais na base da experiência humana que pervade todas as culturas. Não obstante essa característica universal varia de cultura para cultura. Os princípios gerais estão situados num modelo cultural e narrativo que especificam os modos corretos de agir. Para evitar as mudanças catastróficas das promovidas pelas transformações das metáforas, é necessária uma avaliação dos custos do alargamento dos conceitos morais mais profundos. A metáfora serve para fazer a ampliação da estrutura prototípica dos conceitos morais básicos, introduzindo novas entidades que surgem nos casos em que não foram previstas anteriormente. Sem a habilidade de raciocinar por metáforas, a aprendizagem dos conceitos morais não é possível. Elas podem compor, também, um sistema complexo de metáforas, no qual muitas podem estar ocultas, enquanto outras aparentes. A reflexão autocrítica das metáforas permite não só o autoentendimento, bem como o conhecimento de alternativas possíveis de ação.
Em suma, o profundo conhecimento reflexivo da natureza da metáfora é essencial para o conhecimento moral. As metáforas não são arbitrárias, nem desmotivadas. Algumas restrições impedem que as metáforas caiam no extremo subjetivismo ou relativismo. No primeiro caso, o subjetivismo é evitado por serem as metáforas partilhadas socialmente, ao passo que o relativismo é superado pelo reconhecimento dos fundamentos universais das experiências corporais [5].
Para Johnson, a vida tem ainda uma estrutura narrativa que torna possível a antecipação das consequências das decisões tomadas e compromissos estabelecidos, em suas condições concreta e particular. A comparação entre os resultados de diversas histórias é importante para o conhecimento moral e para educação. A ficção é um laboratório que explora as implicações do caráter das pessoas. Nesse contexto, o raciocínio moral é semelhante ao exame das narrativas pessoais, que são inerentes às culturas e às circunstâncias particulares que constituem a vida de cada um [6].

A Diferença da Imaginação Moral

O entendimento moral é, portanto, estruturado pela imaginação. Contudo, para entender como isso ocorre, são necessárias regras particulares e adequação destas às situações de fato. Deve-se aprender como aplicar leis morais, segundo a percepção do caráter, das situações e pelo uso de uma imaginação empática em relação aos outros. Essa tarefa é um guia que parte do entendimento moral e do autoconhecimento [7].
Assim, a imaginação empática assume um papel decisivo nessa investigação moral. Pois, ela é uma habilidade que as pessoas têm de imaginar situações diferentes no passado e no futuro, colocando-se no lugar do outro. Essa é a mais importante atividade da imaginação. Ao tomar decisões morais, é preciso conviver no mundo do outro e imaginar seus sentimentos e expressões. Pessoas moralmente sensíveis são capazes de realizar essa imaginação empática, uma passionata, onde a relação com o outro não é instrumentalizada. Só desse modo é que se pode conhecer algo em si, ou seja, usando a imaginação e a experiência dos sentimentos, metas e esperanças partilhados com a experiência com os outros. Esse tipo de imaginação não é meramente pessoal ou subjetiva, pois ela utiliza seu caráter transformador e comunitário, inserindo o sujeito num mundo mais ou menos comum aos outros. Por isso, a imaginação moral é pública e partilhada. Ela é o meio primário pelo qual as relações sociais são constituídas reciprocamente, delineando a possibilidade de qualquer moralidade que não recorra apenas à aplicação de regras [8].
A ação moral requer a realização de fins. A boa vontade não existe por si mesma. Ela depende da ação para ser realizada. Além da vontade, é preciso agir para promover o bem estar de todos. A imaginação permite antever as várias possibilidades de ação suas vantagens e prejuízos, em cada situação. A antevisão das alternativas oferecidas precisa de uma imaginação moral que abra novas formas de organização social. A reorganização permanente de parte das metáforas, proporciona a superação da identidade e contextos atuais. Sem opções imaginativas, nenhuma pessoa pode ser moral [9].
Todavia, a abertura do raciocínio, proporcionada pela imaginação moral, provoca alguns problemas de indeterminação que exige uma restrição às alternativas apresentadas. Tais limitações são fornecidas pela preexistência de quadros e valores, emboras estes também não sejam determinantes. Faz-se necessária uma certa habilidade para raciocinar sob um esquema imaginativo partilhado e transformar uma concepção metafórica em outra, através de um mapeamento metafórico. O raciocínio moral usa estruturas e conteúdos imaginativos dados pelas culturas e articulados pela experiência pessoal, visando explorar novas possibilidades de significados e formas de agir. O raciocínio moral pode ser restringido por outros conteúdos e estruturas metafóricos da comunidade, ao mesmo tempo em que está autoriza a transformação do entendimento moral. Como nos exemplos jurídicos, onde novas metáforas são criadas para possibilitar a ampliação dos direitos e deveres de alguém. Sem isso, a vida, diz Johnson, ficaria mais pobre [10].

A Dimensão Estética da Moral

Na visão de Johnson, a tradição iluminista considera a concepção de imaginação moral uma justaposição de dois termos contrários, já que as leis morais são fruto da razão e a transgressão a elas é provocada pelo uso criativo da razão. Para os iluministas, a imaginação seria meramente estética. Os juízos morais sobre casos particulares recairiam em conceitos particulares regidos por uma regra moral específica. A razão seria, por conta disso, capaz de aplicar a lei a casos concretos tendo por base conceitos morais partilhados. Ainda sob esse prisma, os juízos estéticos não envolveriam conceitos gerais, não sendo produto da razão, pois estariam ligados a sentimentos e à imaginação. Portanto, estética e moral seriam radicalmente diferentes.
Contra tudo isso, Johnson defende a hipótese de que a estética pervade todos os aspectos da vida. Ela considera as estruturas imaginativas, as atitudes, orientações e transformações que tornam coerente encontrar algum sentido na experiência. Nesse sentido, a moralidade emprega a imaginação, a fim de explorar as possibilidades de ordenação dos problemas, de melhoria dos critérios comunitários e o amadurecimento pessoal. Destarte, a imaginação é o meio pelo qual se transcende à experiência pessoal, visando sua transformação e encaminhamento das situações problemáticas. A dimensão estética da experiência fornece o significado desta e vislumbra a possibilidade de sua melhoria [11].
O que se quer com essa nova metáfora da moral como arte é investigar o papel da criação estética nas considerações da lei moral, revelando a natureza do raciocínio moral. Nem todas facetas da estética fazem parte desse tipo de raciocínio. As mais relevantes são o discernimento, a pesquisa, a criatividade, a técnica e a expressão.
O discernimento, através da observação atenta e sensível de uma situação, abre novas dimensões do mundo, permitindo prever o que fazer diante das circunstâncias. Algumas restrições dessa forma de percepção limitam a visão imaginativa das coisas, por meio de princípios gerais, hábitos, compromissos internalizados, segundo a natureza do corpo que observa, da sociedade e da cultura, não obstante o fato de inexistir um método algorítmico predeterminado. A pesquisa artística procura investigar as formas, os materiais, a linguagem expressiva, os relacionamentos e as instituições, no intuito de imitar a natureza das coisas. Sob o aspecto moral, uma investigação precisa esclarecer o melhor modo de agir, formar leis relacionadas com o entendimento das situações, à luz de vários projetos de ação e planos de curso.
A criatividade pode, de posse desse conhecimento, perceber e reagir a uma situação, propondo novas formas de relações; transformando o caráter, os problemas e acontecimentos; além de apresentar novas realidades. O fator histórico e evolutivo da experiência humana, exige uma contínua experimentação e, a despeito dos possíveis equívocos, novas formas evoluídas de relacionamento podem surgir. As pessoas criativas ultrapassam as práticas canônicas e mostram novos modos de pensar, relacionar e agir, como por exemplo, Nero, Van Gogh, André Breton, Hitler e Martir Luther King Jr. Porém, para que tudo isso aconteça, é preciso uma certa técnica de utilização dos materiais para torná-los objetos de arte. Na moralidade, essa técnica não pode ser fixada por procedimentos mecânicos que se apliquem ao contexto, mas ela permite que o conhecimento adquirido “componha” a situação e “arranje” novos relacionamentos. Por fim, a partir dessas qualidades expostas, a expressão artística manifestaria a compreensão que o sujeito tem de si mesmo e, em moral, o caráter e a identidade da pessoa revelar-se-iam em suas tomadas de decisão e ações.
Sem procurar abranger todo domínio da arte, a metáfora da moral artística é considerada apropriada para o reconhecimento do modelo de juízo moral que pervade a moralidade de modo imaginativo sob muitos aspectos. Logo, a separação tradicional entre estética e moral seria falsa [12].

Conclusão

O raciocínio moral apoia-se em vários tipos de estruturas imaginativas que exigem, primeiro, a compreensão da cognição humana, do ponto de vista moral, como amplamente ligada à imaginação e, em segundo lugar, o cultivo de uma imaginação moral que envolva os indivíduos uns com os outros. A teoria proposta por Johnson não estabelece leis morais. Sua intenção é apenas de servir como guia para a vida, desde um conhecimento de si e dos outros. Aqueles que se atém a regras são pessoas medrosas quanto às contingências da vida ou obtusas ou ambas as coisas.
A teoria ingênua da lei moral não consegue resolver satisfatoriamente os dilemas morais. Contingências imprevisíveis podem ser determinantes na escolha da melhor estratégia. De fato, tais acontecimentos não solucionam um dilema ou mostram a “coisa certa a fazer”, isso tudo requer discernimento, ponderação, previsão, investigação e uma imaginação “muito fértil” [13].
Obra da Imaginação

A imaginação de um artista representando a obra de outro: O Incêndio de Roma de Hubert Robert (1733-1808). Fonte: http://www.kunst-fuer-alle.de/index.php?mid=77&lid=1&blink=76&stext=caesar&cmstitle=Bilder,-Kunstdrucke,-Poster:-Caesar&start=80, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=6606073

O argumento de Johnson, em Moral Imagination, é no capítulo oito apresentado na íntegra. Ele parte da premissa que uma suposta teoria ingênua da lei moral seria incapaz de resolver os problemas morais por estar restrita a regras estreitas de casos protótipos, que, por sua vez impediria, a sua aplicação em situações periféricas e particulares. Para encontrar a melhor maneira de agir, o raciocínio moral recorreria a recursos da imaginação que estenderiam os limites dos conceitos morais aos contextos não previstos pela lei. Portanto, seria preciso uma imaginação moral adequada para esclarecer a natureza desse raciocínio específico e servir como guia de resolução dos casos problemáticos de situações concretas do cotidiano das pessoas.
A teoria da imaginação moral assume, então, a tarefa de explicar como o pensamento imaginativo pode auxiliar a escolha da ação moral apropriada, sem cair num subjetivismo e relativismo indesejável às considerações morais. A fim de evitar o primeiro, afirma-se que as estruturas imaginativas são partilhadas pelo conjunto da sociedade e pela respectiva cultura a qual se está inserido. Além disso, os conceitos e metáforas usados pela imaginação moral são aqueles que fazem parte da natureza corporal, social e cultural da espécie humana, o que, por outro lado, afastaria uma interpretação relativista.
Nesse sentido, defende-se que a moralidade não pode ser concebida de outra forma que não a imaginativa. Esse tipo de moral seria muito mais rico do que todas teorias da lei moral, sendo também hábil para envolver não só o sujeito da ação moral, bem como outros indivíduos concernidos. Isso porque, a imaginação teria recursos narrativos e criativos suficientes para incluir o relacionamento entre os indivíduos em circunstâncias simuladas imaginativamente, proporcionando a previsão da reação dos outros às ações preferidas pelo agente. Na construção desse cenário fictício, a ativação de algumas funções estéticas é feita no intuito de enriquecer as alternativas possíveis e propor novos tipos de realidades e modos de agir cooperativos. Eis, em poucas palavras, o argumento de Johnson.
Todavia, há alguns problemas em toda essa argumentação “inovadora”. A influência da imaginação na formação do entendimento humano não chega a ser uma novidade para a filosofia moderna. Desde Thomas Hobbes, pelo menos, a imaginação foi considerada um capítulo importante no processo de raciocínio [14]. Por seu turno, Hannah Arendt nos fez lembrar que na obra de Immanuel Kant a imaginação era uma faculdade fundamental para o estabelecimento de esquemas que conectassem a sensibilidade ao entendimento. Assim, na Crítica da Razão Pura, a imaginação é uma faculdade sintética pura que produz o esquema necessário para compreensão de um conceito sensível puro, como os da geometria [15]. Ao passo que na Crítica do Juízo, o entendimento está a serviço da imaginação, na tarefa de encontrar a validade de um exemplo, sob princípios que aspirem a uma adesão universal, como se fora um conceito objetivo [16].
Ora, se Kant -alvo principal das críticas de Johnson- admite um papel essencial para a imaginação na formação das leis naturais e juízos estéticos, deve haver um bom motivo para sua exclusão no caso da moralidade. E há! Na Crítica da Razão Prática, apenas o entendimento e não a imaginação pode fornecer um tipo de lei próprio da moral, porque só desse modo se poderia preservar contra a transformação de esquemas imaginativos em símbolos místicos da razão prática e contra o empirismo que coloca os interesses particulares no lugar das disposições morais que constituiriam, segundo Kant, o alto valor da humanidade [17].
A teoria da lei moral em Kant é bem mais complexa que a versão ingênua apresentada por Johnson. Quem viu o documentário de Peter Cohen, Arquitetura da Destruição (1991) e tem o mínimo de informação sobre a história do ocidente sabe que não se pode deixar ao cargo de artistas frustrados ou pseudos artistas o governo de um estado. Pois acontece o que ocorreu em Roma, no tempo de Nero e do circo romano, ou na Alemanha, à época do terceiro Reich. “Tudo isso é história”, dirão alguns, mas há um exemplo próximo e caro aos brasileiros: a nefasta metáfora da malandragem, esperteza e do famigerado “jeitinho” -divulgada ostensivamente pelos meios de comunicação- gerou uma das sociedades mais corruptas, das existentes, e a nação comprovadamente mais injusta do mundo atual.
A imaginação por si só não é capaz de encontrar seus limites, as diversas teorias da vanguarda estética, no século XX, acabaram por dissolver completamente o conceito de arte. Sem um critério racional, argumentativo e discursivo, não é possível compreender como a imaginação constituirá um guia lúcido para ação que possa ser considerado correto ou errado, bom ou mal. Que a imaginação exista e influencie o pensamento, ninguém nega, mas que ela sirva de parâmetro de moralidade é algo que precisa ser defendido racionalmente e aceito por todos envolvidos na criação moral imaginativa. Adotar os métodos estéticos em moral é o primeiro passo para o rompimento do que resta da concepção moral contemporânea.

Notas

1. Veja JOHNSON, M. Moral Imagination, cap. 8, pp. 185-187.
2. Veja JOHNSON, M. Op. Cit, idem, pp. 187-189.
3. Veja JOHNSON, M. Idem, ibdem, pp. 189-192.
4. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, p.192.
5. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 193-196.
6. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 196-198.
7. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 198-199.
8. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 199-202.
9. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 202-203.
10. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 202-207.
11. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 207-209.
12. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 210-215.
13. Veja JOHNSON, M. Ibdem, ibdem, pp. 215-216.
14. Veja HOBBES, Th. “Da Imaginação”, in Leviatã, cap. 2.
15. Veja KANT, I. Crítica da Razão Pura, B 178-180.
16. Veja KANT, I. Critique de la Faculté de Juger, § 22.
17.Veja KANT, I. Crítica da Razão Prática, A 121-126.

Referências Bibliográficas

ARENDT, H. Lições Sobre a Filosofia Política de Kant; trad. André D. De Macedo. – Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
HOBBES, Th. Leviatã; trad. João P. Monteiro e Mª Beatriz N. Da Silva. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
JOHNSON, M. Moral Imagination. – Chicago: The University of Chicago Press, 1993.
KANT, I. Crítica da Razão Pura; trad. Alexandre F. Morujão e Manuela P. Dos Santos. – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
____. Crítica da Razão Prática; trad. Artur Morão. – Lisboa: Edições 70, 1986.
____. Critique de la Faculté de Juger; trad. Alexandre J.-L. Delamarre et al. – Paris: Gallimard, 1985.

Fundamentação Empírica da Moral

A fundamentação teórica não é tarefa de fácil execução. Enquanto os engenheiros se contentam em achar o solo firme onde fincar as sapatas que darão apoio à edificação, por vezes as características movediças do terreno exigem soluções que levem em consideração sua formação geológica que não estavam previstas no projeto original, por mais minuciosa que tenha sido suas observações antecedentes. Algo semelhante acontece sempre que os filósofos se afastam do ambiente estável das ideias abstratas e passam ao torvelinho dos fatos concretos. Não deixa de ser curioso notar que ao contrário da construção civil, onde a concretude da base é o fator crucial para sustentação da obra, a filosofia moderna – na tradição idealista – busque apoio na forma abstrata dos conceitos, sem levar em conta o conteúdo concreto fornecido pelo mundo natural, principal fonte do conhecimento.
As tentativas históricas melhor sucedidas são justamente aquelas que, desde Platão, procuravam firmeza num mundo ideal perfeito, capaz de dar conta dos fenômenos considerados imperfeitos na natureza. Ao lado do pensador ateniense, Descartes e Kant formam a tríade emblemática dos principais construtores de modelos filosóficos apriorísticos. O conjunto das obras desses autores causa admiração, por resultar numa arquitetônica elaborada por mentes muito astutas, e até hoje diversos comentadores e filósofos estudam seus textos, remetendo amiúde a eles. Aristóteles, Hume e Hegel constituem outro trio poderoso que simboliza as correntes, cuja recusa de um mundo ulterior forçou o desenvolvimento de teses voltadas à explicação dos eventos materiais, no âmbito de suas evoluções naturais, perceptuais ou históricas. Essa dupla trindade – platônica e aristotélica – representa os dois estilos predominantes entre aqueles pensadores inclinados a procurar uma fundamentação para suas teorias, seja de modo a priori (fora do mundo real), seja empírico (a partir de experiências no mundo real).
Embora todo filósofo tente esclarecer a maneira pela qual as coisas se dão, a resposta à pergunta do “porque assim e não de outro modo” obrigou muitos interessados na solução do problema a postularem uma fundamentação última, da qual tudo mais derivaria. Por vezes, tal projeto redundava numa proposta que tomava contornos arbitrários semelhante à escolha da peça que vai iniciar a montagem de um quebra-cabeça. A peça inicial do jogo poderia ser a mesma que o completaria. Doutra feita, a fundamentação proposta atuaria como nos jogos de armar, garantindo o encaixe perfeito das peças superpostas. Ainda assim a peça inaugural deveria se apoiar sobre uma base não problematizada fora da armação. Apenas a coerência e a consistência da estrutura montada seria suficiente, neste caso, para validar a existência da instalação.
Arquitetônica, quebra-cabeças, jogos de armar… a análise, até aqui, não passaria de mera crítica estética não fosse a intervenção da figura do cético. Sem ele, a exigência de fundamentação se confundiria a um apelo pela elegância ou tendência a padrões harmônicos típicos da matemática. O ceticismo surge na história da filosofia em oposição às doutrinas dogmáticas da antiguidade que julgavam ser possível encontrar um critério de verdade. Os céticos combatiam todas as escolas sem no entanto por algo em seu lugar. Assumiram frequentemente o papel de questionadores, observadores, pesquisadores para ao final proporem a suspensão do juízo. Eles tinham por absurda as conclusões que os dogmáticos extraíam de seus princípios, os quais consideravam simples suposições e não verdades demonstráveis.
As diferentes teorias que pretendiam refletir sobre um só objeto mostravam o quanto as questões filosóficas eram, como ainda continuam sendo, cheias de incertezas e contradições. Os argumentos invariavelmente caiam ora numa regressão ao infinito, tornando impossível encontrar uma verdade basal sem recorrer a uma outra explicação; ora estavam relacionados uns com os outros, impedindo o conhecimento isolado de um objeto. Além disso, os céticos criticavam aqueles que aceitavam os princípios das coisas por elas mesmas sem exame, pois sempre se poderia formular princípios opostos igualmente dogmáticos. Eles também condenavam as provas circulares de uma verdade por uma outra que lhe fosse subordinada. Assim, Diógenes Laércio resumia a estratégia das ideias pregadas por Pirro:

Os céticos eliminavam toda demonstração e não admitiam um critério, um sinal, uma causa, nem o movimento, nem a instrução, nem o vir a ser, nem o princípio de existência de qualquer coisa boa ou má por natureza. Eles afirmam que toda demonstração consiste (…) em coisas demonstradas, essas coisas também terão necessidade de uma demonstração, e assim por diante até o infinito, se consiste em coisas indemonstradas, basta que todas as coisas, ou algumas, ou mesmo uma única coisa, suscitem dúvidas, para que todo o conjunto permaneça indemonstrado. E acrescentam que se alguém admite a existência de certas que não necessitam de demonstração alguma, a inteligência dessa pessoa é extraordinária se não percebe que até isso deve ser demonstrado, (…) Além disso, se as demonstrações isoladas não merecem fé, necessariamente as demonstrações gerais devem ser recusadas como destituídas de valor. Para reconhecermos a validade de uma demonstração, essa demonstração necessita de um critério da verdade, para reconhecermos a validade de um critério, esse necessita de uma demonstração, logo, um se respalda no outro e vice-versa, e nem um nem o outro pode ser conhecido. (DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, liv. IX, cap. XI, §§ 90 e 91).

Incapazes de propor qualquer critério de verdade ou demonstração, os pirrônicos pregavam, coerentemente, a suspensão do julgamento, a fim de se alcançar a serenidade da alma. Apenas a aparência das coisas, as leis e os costumes deveriam ser obedecidos. Ainda segundo Laércio, Timon, um dos discípulos de Pirro, afirmava que “como tal, o objeto é duvidoso, mas eu declaro que ele me parece tal”. Para Timon, a aparência era rainha e mestra de tudo que nela se apresentasse [1]. Nesse sentido, apesar de refutar toda forma de afirmação de uma verdade acessível ao entendimento humano, os céticos clássicos, a partir de Timon, forneciam um critério pragmático que proporcionava ao próprio cético ambiente para elaboração de suas críticas, sem cair em contradição. Agora, ao invés de uma certeza plena da verdade, a aparência das coisas seria o ponto comum sobre o qual se apoiaria o discurso.
Foi só no século XVII, com o advento do cartesianismo que a postura cética se modificaria. Não bastasse os obstáculos interpostos pelo ceticismo antigo aos métodos de investigação filosófica, deixando apenas o delgado fio da aparência como suporte de informações acerca do realidade, o papel do cético foi ampliado ao extremo, nas meditações entabuladas por Descartes. Com o francês de La Haye (atual Descartes), a dúvida radicalizou-se a tal ponto que não só os sistemas anteriores eram questionados, mas a própria aparência era posta em debate. Ao contrário dos gregos, o cético moderno criticava sobretudo a maneira pela qual as coisas se apresentavam como sendo uma via pouco eficaz de formar qualquer conhecimento que seja sobre o mundo. A astúcia do raciocínio cartesiano estava em mover o pirronismo de sua posição cômoda, diante das doutrinas dogmáticas, e forçá-lo a renunciar aos sentidos e tudo que, ao menos uma vez, tivesse sido enganoso. Destartes, pelo novo método estabelecido em 1639, nada que fosse afirmado era passível de confirmação sem o apoio de uma primeira certeza fundamental. Portanto, se era forçado a admitir que a pesquisa por algo certo deveria abdicar o aprendizado do mundo e seguir em direção daquilo que se mostrasse clara e distintamente como verdadeiro [2].
Se com a tradição cética uma fundamentação empírica tornava-se problemática, a partir de Descartes, toda tentativa no sentido de fundar a verdade que não se afastasse das incertezas mundanas estaria condenada ao fracasso. Enquanto os críticos antigos se detinham na constatação da mutabilidade das coisas e com isso sossegavam, os modernos, porém, passavam a duvidar da existência dos próprios objetos dados à percepção. Arrombada essas portas, restava ao pesquisador por o mundo entre parênteses para poder em fim dar início a algum tipo de ciência acessível ao entendimento.
O fundamentalismo, em Filosofia, aparece então como consequência de um debate histórico entre os adeptos de uma determinada corrente de pensamento que pretende definir o âmbito no qual a verdade se apoia e seus críticos. A opção imaginada por Descartes, ao mesmo tempo em que propunha uma radicalização na análise das doutrinas dogmáticas, indicava o caminho a ser trilhado por quem o sucedesse.
A intenção de Descartes, ao que se supõe, visava anular os ataques céticos, encontrando o ponto arquimediano inabalável. O método cartesiano, nesse sentido, proporcionou a inauguração de um novo dualismo entre dois mundo, o sensível e o inteligível. Todavia, diferente de Platão, o ex-aluno de La Flèche não apelava para um reino paralelo donde, por reminiscência e iniciação nos mistérios, se buscaria o “verdadeiro ser” [3]. Ao invés disso, Descartes procurava encontrar “somente uma coisa que seja certa e indubitável” [4]. A coisa pensante cartesiana era a base para o devido conhecimento da essência ou ideia de Deus e tudo mais que fosse verdadeiro,

(…) pois, como já disse anteriormente é uma coisa evidente que deve haver ao menos tanta realidade na causa quanto em seu efeito. E portanto, já que sou uma coisa pensante, e tenho em mim alguma ideia de Deus, qualquer que seja, enfim, a causa que se atribua à minha natureza, cumpre necessariamente confessar que ela deve ser de igual modo uma coisa pensante e possuir em si a ideia de todas as perfeições que atribuo à natureza divina. Pois se ela a tem de si própria segue-se, pelas razões que anteriormente aleguei, que deve ser ela mesma Deus; porquanto, tendo a virtude de ser e de existir por si, ela deve também, sem dúvida, ter o poder de possuir atualmente todas as perfeições cujas ideias concebe, isto é, todas aquelas que em concebo como existentes em Deus. Se ela tira sua existência de alguma outra causa diferente de si, tornar-se-á a perguntar, pela mesma razão, a respeito desta segunda causa, se ela é por si, ou por outrem, até que gradativamente se chegue a última causa que se verificará ser Deus (…)

(…) Parece-me muito a propósito deter-me algum tempo na contemplação deste Deus todo-perfeito, ponderar totalmente à vontade seus maravilhosos atributos, considerar, admirar e adorar a incomparável beleza dessa imensa luz, ao menos na medida em que a força de meu espírito, que queda de algum modo ofuscado por ele, mo puder permitir.

Pois, como a fé nos ensina que a soberana felicidade da outra vida não consiste se não nessa contemplação da Majestade divina, assim percebemos, desde agora, que semelhante meditação, embora incomparavelmente menos prefeita, nos faz gozar do maior contentamento de que sejamos capazes de sentir nesta vida (DESCARTES, R. Meditações, III, §35 e §41/2, pp. 110-113).

Convém realçar certa constância na ocorrência de determinados termos, sempre que se tem em mente o projeto de fundamentação, seja na estratégia platônica, aristotélica ou na cartesiana, aqui exposta. Não raro, se depara com noções de Deus, causalidade, liberdade e motivação, quando se quer saber sobre o conhecimento verdadeiro, seja da existência das coisas, seja da relação do homem com a natureza, ou com outros homens.
Deus – guardada as devidas diferenças típicas do uso de um conceito absoluto em teorias consideradas opostas – ocupa um lugar fundamental em qualquer sistema filosófico tradicional, tanto na teoria do ato e potência aristotélica, como no método racionalista cartesiano. Até mesmo Kant, que, ao contrário de seus antecessores, procurava encontrar no sujeito e não fora deste as condições formais do conhecimento, teve de defender a necessidade de manutenção de tal ideia, a fim de tornar inteligível a relação causal que liga todas as coisas no mundo.
Nas “Antinomias da Razão Pura” – mais precisamente no “Quarto conflito das ideias transcendentais” -, o autor da Crítica da Razão Pura mostra as dificuldades de se afirmar ou negar a existência de um ser absolutamente necessário, fora do domínio da representação. Por isso, argumentava em favor da manutenção de tal concepção no intuito de fundar de modo determinante a origem de todas as coisas [5].
Contudo, colocar Deus na ponta inicial de uma cadeia causal exigia algo mais além da mera especulação, graças a insuficiência objetiva de sua demonstração. Uma simples negação dos efeitos do ser supremo sobre as leis práticas poderia ocasionar a falta de motivação para sua aceitação. Como alternativa à carência de uma justificação melhor estruturada para explicar a necessidade das coisas e a obrigatoriedade de uma tomada de posição, na qual a razão repousasse em sua busca de conhecimento, Kant assumia por interesse prático, a existência de um ser supremo [6].

O ideal do Ser supremo, de acordo com estas considerações, não é mais que um princípio regulador da razão e que consiste em considerar toda a ligação no mundo como resultante de uma causa necessária e absolutamente suficiente, para sobre ela fundar a regra de uma unidade sistemática e necessária, segundo leis gerais na explicação dessa ligação; não é a afirmação de uma existência necessária em si (KANT, I. Crítica da Razão Pura, A 619/B 647).

Como princípio regulador, portanto, o ideal do ser supremo servia somente à razão especulativa com o propósito de fornecer o acabamento fino ao conhecimento humano. Dessa forma, a condição material de tal conceito era negada, apesar de não se poder refutá-la, nem provar sua realidade objetiva [7]. O dualismo surge, então, em todas as tentativas clássicas que, de uma maneira ou de outra, visavam fundamentar um sistema teórico.
Em moral, entretanto, novos complicadores aparecem quando se apela para reinos paralelos na justificação dos princípios adotados. Ao se separar razão prática dos interesses materiais, o delicado elo da motivação é rompido. De fato, o “eu” moral, por si só, não está apto a definir o rumo de suas ações sem antes entrar em contato com o mundo e estar atento para a viabilidade de execução de seu projeto vital. Fora desse mundo, o sujeito tende a cair num formalismo cego, alheio ao conhecimento das possibilidades de aplicação dos preceitos morais.
A alternativa ao dualismo na moral é um monismo naturalista. No entanto, tal opção traz consigo temores que estão ligados a uma visão determinista da natureza e a provável perda da autonomia e liberdade, da crença num bem supremo ou da capacidade de se atribuir responsabilidade a uma pessoa. A seguir, serão abordadas as estratégias sugeridas por Kant, Hume e Hobbes para fundamentação da moral e, na continuação, o tratamento que a ética do Discurso deu a esse tema.

Fundamento Moral

Tudo que se disse sobre a fundação do conhecimento teórico, em geral, se aplica, mutatis mutandis, à filosofia prática. Moral e ética padecem, com frequência, da oscilação entre o dualismo e o monismo. Entre os dois reinos kantianos e os sentimentos morais humeanos.
Desde a Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant pretendia fixar o “princípio supremo da moralidade”. Tarefa que na opinião do pensador alemão se distinguia totalmente “de qualquer outra investigação moral” [8]. Supondo que a natureza tenha dotado o homem de razão, a fim de que esta produzisse não apenas uma vontade boa como um meio de alcançar seus fins, mas sobretudo uma vontade boa em si mesma, Kant acreditava estar nisto a condição e bem supremo de toda aspiração de felicidade. O transcurso da natureza e o cultivo da razão permitiria até mesmo uma eventual eliminação da procura da felicidade, se a satisfação completa dos desígnios da razão obrigasse o abandono dos fins propostos pela inclinação [9].
Agir por intermédio da boa vontade, segundo a análise kantiana, seria o mesmo que atuar por “Dever”, no qual estaria contido o próprio conceito de boa vontade. Para o autor da Fundamentação…, uma determinada máxima teria conteúdo moral, sempre que se propusesse uma ação por dever, independente das inclinações ou qualquer outra tendência – egoísta ou não – capaz de macular o valor intrínseco da conduta prescrita. Uma hipotética coincidência entre uma atitude motivada pelos desejos naturais, afetados pela sensibilidade, e os mandamentos racionais, no máximo, indicaria um comportamento “conforme ao dever, mas não por dever” [10].

O valor moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera; também não reside em qualquer princípio da ação que precise o seu móbil a este efeito esperado. Pois todos estes efeitos (…) podiam também ser alcançados por outras causas, e não se precisava portanto para tal da vontade de um ser racional, na qual vontade (…) se pode encontrar o bem supremo e incondicionado (KANT, I Fundamentação da Metafísica dos Costumes, B 15).

Ao restringir por completo a influência da sensibilidade sobre uma ação com valor moral, restava apenas à vontade a determinação objetiva da lei (aceita por todos os seres racionais) e o respeito subjetivo expresso numa máxima que ordenasse o cumprimento da lei, a despeito de todas as inclinações, em favor ou contrárias a ela. Nem mesmo tal respeito poderia ser considerado como “um sentimento recebido por influência” das inclinações, pois não passava de um sentimento produzido por si mesmo através da razão, que para Kant o diferenciava das outras formas de desejos relacionados com a sensibilidade [11].
Assim, estava lançada a pedra fundamental para reprodução do divórcio entre razão e sensibilidade na moral, tal como no conhecimento da verdade, em geral. Ao longo da Fundamentação…, Kant desenvolveu o resto do raciocínio pelo qual pensava extrair do conhecimento moral da razão humana vulgar o princípio de universalização capaz de transformar máximas subjetivas em leis práticas objetivas de todos os seres racionais. O imperativo categórico que ordenava imediatamente o comportamento do indivíduo, sem apelar a qualquer outra intenção, ordenava, em sua primeira formulação: “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” [12].
A existência de tal mandamento não poderia derivar da constituição particular da natureza humana. Para ser uma necessidade prática incondicionada da ação de todo ser racional, o princípio objetivo da moral teria de vincular-se a priori (totalmente fora da experiência sensível), ao conceito de vontade do respectivo sujeito. Somente desgarrado de todo condicionamento natural, ao qual estão presas as coisas que são instrumentalizadas de acordo com um determinado fim, a vontade livre de todo ser racional, entendido como fim em si mesmo, reconheceria como seu objetivo e de todos os seus pares: a lei prática universal, um fim em si mesmo. Eis porque a terceira formulação do imperativo categórico já punha a humanidade – a comunidade de todos seres racionais – como fim a ser respeitado por toda lei moral. “Age – decretava Kant – de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” [13].
O princípio de Humanidade adotado por Kant, ao lado do de natureza racional, tomados por fim em si mesmo não eram extraídos da experiência. Eles permitiam limitar os fins subjetivos dos homens que deles participavam e para que “a ideia da vontade de todo o ser racional concebida como vontade legisladora universal” pudesse ser inferida. No entanto, é num Reino dos Fins imaginário que tais seres estariam sistematicamente ligados e submetidos pela lei, sem se tratarem como meios, porém fins em si. Sendo um membro deste reino e também do mundo sensível, o ser humano, enquanto racional, estaria livre para reconhecer a autonomia da vontade legisladora universal, no mundo inteligível. D’outro modo, seria obrigado a seguir a lei moral, por pertencer ainda ao domínio da sensibilidade, no mundo sensível [14].

Todos os homens – dizia Kant – se concebem como livres quanto à vontade (…). No entanto esta liberdade não é um conceito da experiência, nem pode sê-lo, pois se mantém sempre, mesmo que a experiência mostre o contrário daquelas exigências que, pressupondo a liberdade, se representam como necessárias (…). Por isso a liberdade é apenas uma ideia da razão cuja realidade objetiva é em si duvidosa; a natureza, porém, é um conceito do entendimento que demonstra, e tem necessariamente de demonstrar a sua realidade por exemplos da experiência (KANT, I . Op. cit., B 113/4).

A conciliação entre a liberdade do indivíduo e a submissão deste às leis naturais era um problema ao qual o filósofo de Königsberg (atual Kaliningrado russa) tinha plena consciência. A contradição entre liberdade e não-liberdade no mesmo ser humano, ficava explícita quando o mesmo ser era obrigado a obedecer a lei moral, como um objeto perturbado pelos sentidos e simultaneamente comandava suas ações, através de uma razão independente das impressões sensíveis. Depois de criar um engenhoso esquema, no qual expunha as bases de uma moral fundamentada na razão, Kant chega, no final de sua Fundamentação…, a constatação da incapacidade de se conceber ou conhecer a liberdade segundo parâmetros de leis naturais. Seu valor, no entanto, seria a de um pressuposto necessário da razão dotada de vontade. Constatada a impossibilidade de explicar o fundamento moral, restava apenas defendê-lo como um fato sustentado pelo sentimento moral, que para Kant era “o efeito que a lei exerce sobre a vontade e do qual só a razão fornece os princípios subjetivos” [15].
Causa e efeito se confundem. Para que a razão “inspire” um “sentimento de prazer” é preciso que estes sejam reconhecidos, ao mesmo tempo, que aquela. Tal como no objeção pirrônica, a causa é causada pelo que causa, assim como o pai só e pai por ter gerado, ao menos, um filho. Toda arquitetônica proposta por Kant, recebe seus primeiros reparos na prancheta de projetos. Uma espécie peculiar de causalidade, impossível de ser compreendida em termos naturais, é invocada para defender o total desconhecimento da maneira pela qual um pensamento a priori, que nas palavras do próprio Kant, “não contém em si nada de sensível, pode produzir uma sensação de prazer ou dor” [16].
À explicação do modo pelo qual a liberdade atua como causalidade de uma vontade, Kant dá o braço a torcer:

Pois aqui abandono eu o princípio filosófico da explicação, e não tenho outro (…). Da razão pura que pensa este ideal nada mais me resta, depois de separar dela toda a matéria, (…) do que a forma, (…) a lei prática da validade universal das máximas e, em conformidade com ela, pensar a razão em relação com um mundo pouco inteligível (…) como causa determinante da vontade; aqui o móbil tem que faltar inteiramente, a não ser que esta ideia de um mundo inteligível fosse ela mesma o móbil ou aquilo por que a razão toma originariamente interesse; mas tornar isto concebível é exatamente o problema que nós podemos resolver (KANT, I. Idem, B 125/6).

Da mesma maneira que concebia Deus, como causa da existência da substância, independente de todas as condições do mundo sensível, como a “existência de um ser em si mesmo”, Kant construía de modo análogo sua defesa da liberdade absoluta. Assim como o Deus na razão especulativa, a liberdade constituía a “pedra angular” de todo sistema da razão pura, demonstrada por uma lei necessária da razão prática [17].
No entanto, Kant tinha um problema. Sua Fundamentação… chegou a um ponto, além do qual cessava todo entendimento, ao contrário da meta inicial, seu projeto estava longe de esclarecer o dilema moral do ser humano. A cisão do homem em dois reinos nada ajudou nessa tarefa. O dualismo, na moral, não decolava do papel. A tentativa posterior de derivar a razão prática da pura, por intermédio de um Faktum (fato ou destino) da razão, que toma consciência de si mesma, não se mostrou mais plausível. A Crítica da Razão Prática, a fim de fugir da contradição da liberdade com as leis naturais; da circularidade entre a vontade livre que se autodetermina; da inconsequência da determinação da lei moral, em relação à ação humana, Kant recai num arbitrário fato, que, embora, não fosse empírico, mantinha o abismo entre os dois mundos, inteligível e sensível [18].
Antes de Kant fundar o reino da moral, Hume já colocara em dúvida a possibilidade de se construir um sistema moral fora dos parâmetros da experiência. Ao invés de por na liberdade da vontade e na autonomia do sujeito todo peso de argumentação em pró de princípios a priori da razão pura prática, ele defendia que princípios universais só poderiam se sustentar graças ao sentimento moral generalizado na natureza humana [19].
O ceticismo de Hume contra toda teoria moral que não fosse empírica foi um incômodo para Kant. O filósofo escocês, que fora responsável por despertar o filósofo alemão de seu sono dogmático, converteu-se no adversário cujo desafio à fundamentação pura da moral mereceu atenção redobrada do autor da Crítica da Razão Prática. Kant admitia ser “a doutrina cética humeana” o motivo de ter iniciado toda sua arquitetônica, a partir da primeira Crítica… [20]. A solução de Hume para a dúvida cética extremada, contra toda especulação, todavia, era inaceitável da perspectiva kantiana.
Kant recusava, de modo enfático, que um princípio empírico pudesse ser base suficientemente forte para sustentar todo um sistema universal necessário. Como é sabido, Hume apontava no costume ou hábito um “princípio de natureza humana” que determina a inferência de todo e qualquer processo de raciocínio cujo resultado implica na concepção de causalidade, pela qual um objeto produziria o outro [21]. Na …Razão Prática, o conceito de causalidade humeano, por ser sustentado numa “necessidade subjetiva ” – o hábito -, era considerado como se fosse “obtido subrepticiamente e não de modo legítimo” dada à conexão arbitrária e casual entre a causa e efeito dos objetos da experiência, tomadas como coisa em si. Para Kant, entrementes, objetos empíricos não poderiam ser concebidos de tal maneira, pois a seu ver eles não passavam de meros fenômenos, logo “devem estar necessariamente ligados de algum modo numa experiência (…) e não podem separar-se sem contradizer aquela conexão, graças à qual é possível esta experiência, na qual eles são objetos e unicamente para nós cognoscíveis” [22].
Assim sendo, pensava Kant ter demonstrado a realidade objetiva do conceito de causa, aprioristicamente, devido à necessidade da conexão para os objetos da experiência fenomenal, através do entendimento puro, sem recorrer a fontes empíricas. Em consequência disto, a realidade objetiva de uma vontade pura, também podia ser inferida a priori por um fato (Faktum), numa lei moral. O mesmo caminho usado no âmbito do conhecimento teórico dos objetos era habilmente calçado para ser também trilhado por uma pretendida razão pura prática, mantenedora da universalidade de todo sistema moral kantiano [23]. O dualismo, ao repartir os objetos em coisa em si, por um lado incompreensíveis, e fenômenos, por outro acessíveis ao entendimento, representava a alternativa mais apropriada disponível a quem, no século XVIII, quisesse afirmar a universalidade e a verdade objetiva de uma teoria filosófica, contra o ceticismo no qual se caia ao apelar para os aspectos empíricos e naturalistas do conhecimento humano.
Hume, desde que tentara estabelecer um princípio natural para o entendimento empírico, limitava-se em aceitar, sem maiores explicações, a incapacidade de ir além do “princípio básico deduzido de todas as nossas conclusões da experiência”. Quanto às ações humanas, a seu ver, não se poderia raciocinar, nunca a priori, sem o auxílio da experiência. Todas as conclusões derivadas dessas circunstâncias seriam, portanto, efetuados pelo costume e não pela razão. “O hábito é (…) o grande guia da vida humana”. Toda convicção sobre os fatos do mundo e sua existência real, fruto do hábito de associar um objeto ao outro, não passaria de instintos naturais, alheios ao processo do entendimento [24].
Ao considerar a pesquisa pelo fundamento e princípios universais da moral como uma questão de fato, Hume defendia o uso exclusivo do método experimental por ser este o único capaz de gerar máximas gerais através da comparação de casos particulares.

(…)O outro método científico, no qual inicialmente se estabelece um princípio geral abstrato que depois se ramifica em uma série de inferências e conclusões, pode ser em si mesmo mais perfeito, mas convém menos à imperfeição da natureza humana e é uma fonte comum de erro e ilusão, neste assim como em outros assuntos (…)HUME,D. Uma Investigação sobre os Princípios da Moral, seção I, p. 26).

Trinta anos antes da primeira edição da Crítica da Razão Pura ser publicada, a Investigação sobre os Princípios da Moral já decretava, em 1751, a rejeição de todo sistema ético que não fosse fundado em fatos e observações. Seguindo os passos de Lord Shaftesbury e Francis Hutcheson, Hume pretendia preparar o terreno para que o sentimento moral viesse a ser o fator fundamental do discernimento do objeto adequado do juízo definitivo sobre censura e aprovação das ações [25].
Benevolência generalizada aliado ao princípio de utilidade serviriam como base a toda aprovação e censura dos gestos humanos. Com eles, não só as atitudes relacionadas a um interesse imediato mereceriam o julgamento moral da parte dos concernidos, mas também aquelas ações distantes, onde sequer haveria um interesse remoto, poderiam ser passíveis de tal aferição. A generalização dos sentimentos morais evitaria, desse modo, que o egoísmo fosse a marca característica da ética humana [26]. Entretanto, embora essa solução pareça plausível às condições normais da espécie, ela é insuficiente como apoio ao consenso universal pretendido, pois um juízo moral empírico universalizável só poderia concretizar-se caso todos os homens julgassem moralmente do mesmo modo. Como bem observa Ernst Tugendhat, em Lições sobre Ética, já não é mais admissível conceber um conceito de moralidade que não contemple a multiplicidade dos conceitos morais [27].
De fato, sem o respaldo da experimentação científica que viesse corroborar a hipótese de um sentimento moral natural, a tese de Hume ficava devendo uma explicação satisfatória para os diversos casos onde a decisão prática de uma pessoa não levasse em conta sentimentos tais como benevolência, simpatia, culpa ou vergonha. Maior problema surgia quando se tratava da figura imaginária de um sujeito com a total falta de sentido moral (lack of moral sense), personagem da filosofia prática equivalente ao cético consequente, ao qual não se poderia resistir ao ataque. Tendo apenas o recurso da pesquisa filosófica, é difícil aceitar a solução naturalista humeana como a mais apta no combate das propostas puristas e objetivantes de Kant e E. Tugendhat.
Todavia, cem anos antes do lançamento da primeira edição da Investigação Moral de Hume. Th. Hobbes, que fora um crítico de primeira hora do cartesianismo, projetara as estruturas e o tipo de material necessário para formação de um Estado jurídico forte. A partir da suposição empírica – não de todo descabida – de um “estado da natureza”, onde os homens em sua condição originária estariam em prontidão permanente para guerra entre si, o autor do Leviatã pôde extrair as leis básicas ao funcionamento do poder civil e eclesiástico, em sua matéria e forma [28].
Alheio a qualquer tipo de sentimento moral que pudesse estar presente no homem isoladamente, Hobbes sustentava que virtudes como as de justiça, gratidão, modéstia e misericórdia eram atributos exclusivos daqueles que vivessem em sociedade. Daí porque o próprio Hobbes considerar como a “verdadeira e única filosofia moral” [29] a ciência das leis naturais decorrentes daquele estado primitivo. Seu método assumia a condição de guerra generalizada com uma hipótese concebida quando se negasse a existência de qualquer poder comum entre os homens. Apesar de tal “estado natural” jamais tivesse existido em tempo algum, ele poderia ser subsumido à histórica relação belicosa existente entre os diversos povos e nações que guardam fortemente suas fronteiras, na iminência de um ataque estrangeiro. Sem apelar para nenhuma outra afecção – moral ou não -, se conclui da condição originária que o medo da morte, o desejo de satisfazer as necessidades e a esperança por uma vida cômoda como sendo as paixões motivadoras nos homens, a fim de que estes tendam à paz. Nesse contexto, a razão calculadora sugeriria as normas adequadas da convivência pacífica dos homens, sendo assim, o meio pelo qual se concluiria, através da ciência, o fim da humanidade [30].
Pelo método hobbesiano, o fato dos homens estarem na condição natural de guerra de todos contra todos e de usarem a razão no intuito de encontrar os melhores meios de autopreservação, servindo-se de tudo que estiver disponível – até mesmo dos corpos dos outros -, leva à conclusão de que os seres humanos, devido à vulnerabilidade física, são obrigados, racionalmente, a se esforçarem para alcançar a paz e a preservá-la. Dessa primeira, todas as outras leis naturais serão deduzidas: o contrato, o estado jurídico, arbitragem etc. As 19 leis listadas no Leviatã poderiam ser, no entanto, reduzidas à regra de ouro que manda fazer aos outros o que se gostaria que fizesse a si mesmo. Assim, estar-se-ia descobrindo aquilo que é bom e mau, na conservação do indivíduo e da sociedade, em geral. De acordo com Hobbes, a fundação de um Estado que conservasse o poder exclusivo de garantir a segurança dos seus membros permitiria aos seres humanos chegarem a um acordo universal, quanto às virtudes e aos vícios morais a serem seguidos ou rejeitados, respectivamente.

(…) O bem e o mal são nomes que significam nossos apetites e aversões, os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos, costumes e doutrinas dos homens (…) Daqui procedem disputas, controvérsias, e finalmente a guerra. Portanto, enquanto, os homens se encontram na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra) o apetite pessoal é a medida do bem e do mal. Por conseguinte todos os homens concordam que a paz é uma boa coisa, e (…) são bons o caminho ou meios da paz, os quais (…) são a justiça, a gratidão, a modéstia, a equidade, a misericórdia e as restantes leis da natureza; quer dizer, as virtudes morais; e que seus vícios são maus (HOBBES, Th. Leviatã, cap. XV, pp. 94/5).

Eis, então, o ponto no qual Hobbes recusa, antecipadamente, as críticas feitas ao contratualismo sobre sua faceta moral, tais como as feitas por Tugendhat, para quem faltava à doutrina das leis naturais do direito o conceito de bem absoluto. Ora, se a noção de bem absoluto defendida pelo autor das Lições sobre Ética é a chave para definição de uma moral, não pode essa concepção estar impregnada por nenhuma outra tendência moral, caso contrário se estaria a cometer uma circularidade. Porém, se o uso absoluto da palavra “bom” remete a uma situação na qual a pessoa que a profere pressupõe uma idealização, para além do mundo da experiência, esta pessoa, de fato, já estaria assumindo uma postura apriorista, rejeitando qualquer relação do que quer que seja “bom” com algo externo e portanto tomando uma posição embaraçosa, semelhante a de Kant. Isso porque, se o dever obriga alguém livre, essa obrigação teria de necessariamente abolir a autonomia da pessoa, como observou Kant, que para escapar a essa conclusão dividiu o homem em dois reinos fictícios.
A proposta hobbesiana tem a vantagem de evitar tais malabarismo. Ao invés de sediar a vontade livre dentro de um ser autônomo, o autor do Leviatã, vê o homem como um ser livre tão somente quando não encontra nenhum obstáculo para realização de seus projetos. Se a razão calculadora propõe regras induzidas da observação de um fato empírico, ela pode ser verificada, corrigida ou negada em sua adequação. Por outro lado, um fato da razão, a priori, à la Kant, não pode ser falsificado e dessa forma nem falha, nem funciona. Diante de um homem imperfeito, em constante transformação, a moral hobbesiana, também imperfeita, se modifica à medida em que se altera a observação sobre o estado natural da espécie. Sem dar um passo tão longo quanto o de Hume, Hobbes afirma uma moral humana do ponto de vista do observador externo, não recorrendo, então, a sentimentos morais naturais difíceis de serem sustentados no estágio atual da ciência, que dirá no passado.
Para Hobbes, o contrato firmado entre seres humanos, sujeitos à fome e ao medo da morte, era capaz de fomentar a criação do Estado. Somente a partir desta instituição e do conhecimento das leis naturais é que valores como bem e mal poderiam surgir. De um modo empírico, mas nem por isso menos racional que o de Kant, esse pensador inglês antecipou a base de uma ética do Discurso natural fincada nas características físicas dos agentes morais, constituídos pela sociedade.
Entre Hume e Kant, Hobbes constrói uma moral digna de um ser inseguro, que individualmente está condenado à indigência. Através do contrato são cimentadas as conexões que formarão o Estado jurídico, onde as relações interpessoais deverão, necessariamente, tenderem ao entendimento mútuo, ponto de partida de uma Ética do Discurso.

Fonte: Free Range Stock.

Fundamentação da Ética do Discurso

Desde que foi esboçada pela primeira vez pelo filósofo alemão Karl-Otto Apel, em Das Apriori da Kommunikationsgemeinschaft und die Grundlagen der Ethik (O A priori da Comunidade de Comunicação e o Fundamento da Ética), de 1973, a ética da discussão vem sofrendo discretas modificações em seu programa de fundamentação. Da proposta apeliana de fundamentação última à maximização da utilidade individual, sugerida por Robert Alexy, passando pelo argumento transcendental pragmático de Habermas, as transformações ocorridas na moral comunicativa permitem, hoje em dia, se falar numa ética da argumentação que não está totalmente em desacordo com a condição natural do homem.
Embora Apel ainda acredite na viabilidade de se encontrar um fundamento último da ética, através das características da argumentação que inclui o sujeito falante como membro de uma comunidade de comunicação real e ideal [31], a divisão da ética do discurso em duas parte – “A” e “B”, onde “A” reflete as disposições teóricas e os princípios da argumentação e “B” estuda as condições de aplicação pura desses princípios – demonstra o quanto é problemática a adoção irrestrita do projeto kantiano na defesa de uma moral válida para todos. Habermas, por sua vez, sem se comprometer com soluções definitivas, apresenta uma via de fundamentação que visa enfraquecer o argumento transcendental-pragmático, mas que segundo uma reconstrução cognitiva se tornaria necessário e suficiente aos propósitos do discurso.
Para Habermas, “uma fundamentação última da ética não é nem possível, nem necessária” [32]. A prova factual de que é indispensável assumir pressupostos pragmáticos exigidos pela comunicação só pode ser tomada de modo falível, já que uma situação contra-fática, embora tivesse de recorrer a uma ficção-científica, sempre poderia invocar circunstâncias nas quais o pressupostos não fossem possíveis. Por isso, Habermas sugere uma reconstrução falibilista sem, no entanto, abandonar uma moral universalista.

(…) A prova transcendental num sentido falível, no que diz respeito a nossa capacidade, de acordo com Apel, serve o suficiente para fundar a pretensão de validade universalista, isto é, concretiza em todos os sujeitos capazes de falar e agir, um princípio moral formulado proceduralmente. Se este princípio pode ser fundado a partir do conteúdo normativo das pressuposições que não se pode rejeitar factualmente, então se mostrar que ele não pode no que respeita tal ser repor a questão de modo significativo, mas somente de acordo com suas interpretações. Por isto, não precisamos de fundamentação última. (…) (HABERMAS, J. “De l’Éthique de la Discussion: Explications”, in Idem, pp. 194/5).

Ao cético consequente, segundo a reconstrução habermasiana, restaria a escapatória da esquizofrenia ou suicídio, quando este se apercebesse dos pressupostos inevitáveis da argumentação que a reconstrução filosófica apresentaria. Já R. Alexy – filósofo e professor de direito alemão que formulou as regras dos pressupostos pragmáticos do discurso [33] – pondera que uma tese mais fraca ainda seria suficiente para subscrever o sentido de argumentação adotado pela ética do discurso. Em um ensaio, “Discourse Theory and Human Rights” (1996), Alexy fornece as regras necessárias para sustentação dos atos de fala argumentativos como válidos na fundamentação de uma ética discursiva. Do exame das regras válidas da asserção, em geral, as condições de verdade ou correção (1), justificação (2), obrigação de justificá-las (3) e a postulação de igualdade, liberdade e universalidade entre os falantes (4), levam à quinta tese que diz:

Aquele que nunca em sua vida fez uma asserção (no sentido definido de 1 a 3) e nunca desenvolveu um argumento (no sentido definido em 4) não toma parte na forma mais geral de vida dos seres humanos. (ALEXY, R. “Discourse Theory and Human Rights”, in Ratio Juris, vol 9, nº 3, p. 217).

Assim, de acordo com Alexy, todo falante, que ao proferir uma asserção ­ com pretensão de verdade ou correção e sujeita à justificação -, estando obrigado prima facie a justificá-la, ante qualquer questionamento, pressupõe uma igualdade de aptidão entre os participantes e por isso não pode usar de força para impor seus argumentos, enquanto apela para o convencimento de todos sobre as boas razões que defendem sua asserção. Logo, ao agir sobre esses pressupostos, o agente estaria desempenhando um papel típico do cotidiano humano, sendo portanto parte dessa forma de vida. Entretanto, a despeito disso, alguém sempre pode tomar parte da espécie humana e simultaneamente promover uma estratégia na qual a violência substituiria as exigências defendidas pelos pressupostos anteriores pela nova ordem proposta. Todavia, ao proceder dessa maneira, não é difícil imaginar o encaminhamento de um impasse existencial entre os homens, dado as características particulares de uma comunidade que propusesse esse tipo de vida [34]. Daí, dizer Alexy, não ser “necessário obter a aceitação de nenhum princípio universal”, nesta situação [35].
Com certeza, a quinta proposição alexiana enfraquece em muito a intenção de fundamentar a ética do discurso na maneira pretendida por Apel. Embora a aproximação do argumento transcendental kantiano com uma forma de vida humana descrita do modo típico da tradição jusnaturalista não seja de todo compatível, o ganho em plausibilidade compensaria a perda de rigor sistemático. Apesar do pessimismo latente na formulação do “estado da natureza” feita por Hobbes, sua descrição das paixões humanas é coerente com a forma de Estado civil resultante delas. Diferente da perfeição moral concebida em um reino dos fins, que tem de rezar para que os seres humanos evoluam de seu estágio atual, até se enquadrarem na condição de seres puramente racionais. A fundamentação natural da ética do discurso não parte de nenhuma santidade encravada no ser humano, mas procura mostrar como, das imperfeições deste ser inseguro, que não é capaz de sobreviver isoladamente, se ergue todo um conjunto de regras a partir do qual nações inteiras avançam no domínio do meio ambiente, a ponto de se afastar os perigos de extinção da espécie por causas fora do controle do conhecimento humano. A despeito de todas objeções, foi o uso da razão como meio para solução do problema de subsistência que levou o homem a não mais temer as ameaças das intempéries, através do encontro das regras que permitem a constituição de um Estado suficientemente resistente, para garantir a paz entre seus membros. Só a ameaça de desmonte do Estado, traz de novo os riscos de um retorno as circunstância trágicas originárias da espécie humana. Onde falta o Estado, o homem morre à míngua.
A alternativa materialista hobbesiana, contemporânea ao idealismo cartesiano, tem hoje a revanche histórica que conta com o apoio do desenlace das ciências naturais no ajuste de conta daqueles pontos nos quais o idealismo pensava superar o naturalismo. Para tanto, vale a pena voltar-se ao estágio atual das ciências naturais, nos aspectos relevantes à discussão moral.

 

Notas

1- cf. DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, liv. IX, cap. XI, p. 243.
2- Veja DESCARTES, R. Meditações; I e II, pp. 85-98.
3- Platão expõe no Fedro, com todas as letras a teoria da reminiscência e da região supraceleste, aqui mencionada, através do mito da “parelha de cavalos alados” (ver PLATÃO, Fedro, 246 a – 250 c).
4- DESCARTES, R. Meditações, II, § 2, p. 91.
5- KANT, I. Crítica da Razão Pura, A 452/B 480 a A 461/B 489 (referências da 1ª e 2ª edições), para a quarta antinomia e A 584/B 612 a A 587/B 615, para o argumento em favor da existência de um ser supremo.
6- KANT, I. Op. cit. A 589/ B 617 e ss.
7- KANT, I. Idem, A 620/B 648 e A 641/B 669.
8- KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, B XV (referência da 2ª edição).
9- Sobre o que se diz, veja KANT, I. Op. cit., B 7 e ss.
10- KANT, I. Idem, B 10.
11- KANT, I. Ibdem, B 15/6.
12- KANT, I. Ibdem, B 52.
13- KANT, I. Ibdem, B 66/7.
14- O raciocínio de Kant é vasto e sutil. Por isso o salto do resumo obriga que se remeta ao texto do autor. cf. KANT, I. Ibdem, B 69-110.
15- KANT, I. Ibdem, B 122.
16- KANT, I. Ibdem, B 123.
17- KANT, I. Crítica da Razão Prática, A 4 (referência da 1ª edição).
18- Sobre o Faktum da razão ver KANT, I. Op. Cit., A 9, A 56, A 72 e A 187 e ss.
19- Do parágrafo 62 ao 74 da Investigação sobre o Entendimento Humano, Hume desenvolveu seu argumento em torno da necessidade e da liberdade. Assumindo a determinação natural de todos os eventos físicos e a uniformidade que liga a ocorrência de um objeto após outro, se a conjunção constante dos objetos e a decorrente inferência mental permite relacionar uma coisa com outra, então a necessidade é derivada universalmente nestas circunstâncias. O reconhecimento de tal contexto, mesmo nas ações voluntários humanas reduziria a noção de liberdade a duas concepções: uma em que ela se oporia à necessidade negando a determinação e afirmando o acaso, o que, pela suposição de não existe nada sem que haja uma causa para sua existência (ex nihilo nihil), é absurdo; o único conceito aceitável, então, seria o de agir ou não agir de acordo com as possibilidades dos fatos e da determinação da vontade, imersa na cadeia causal natural. Uma pessoa só é livre para ir e vir se não estiver presa a correntes e sua coordenação motora assim o permite etc…
20- KANT, I. Idem, A 92.
21- Ver HUME, D. Investigação sobre o Entendimento Humano, §§ 34-6.
22- KANT, I. Crítica da Razão Prática, A 93.
23- KANT, I. Op. cit./i>, A 88 – 97.
24- HUME, D.
Investigação sobre o Entendimento Humano, § 36 e ss.
25- Ver HUME, D. Uma Investigação sobre os Princípios da Moral, seção I, p. 26.
26- Confira a 5ª seção de HUME, D Op. Cit., partes I e II, pp 79 – 101.
27- Veja TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética, 3ª lição, p.57.
28- Ver HOBBES, Th. Leviatã, cap. XIII.
29- HOBBES, Th. Op. cit., cap. XV, p. 94.
30- Confira HOBBES, Th. Idem, cap. V, p. 27 e ss e cap. XIII, p. 77.
31- Ver APEL, K-O. “Como Fundamentar Uma Ética Universalista de Corresponsabilidade…”, p. 15.
32- HABERMAS, J. “De l’Éthique de la Discussion”…, p.195.
33- As regras propostas por Alexy no ensaio “Eine Theorie des praktischen Diskurses” (Uma Teoria dos Discursos Práticos), in OELMÜLLER,W (org.) Normenbegründung, Normendurchsetzung (Fundamentação de Normas, Imposição de Normas), em 1978, e depois utilizadas por Habermas em “Notas Programáticas Para a Fundamentação de Uma Ética do Discurso”, texto de 1983.
34- Toda essa discussão está em HABERMAS, J.“Notas Programáticas para Fundamentação da Ética do Discurso”, in Consciência Moral e Agir Comunicativo, § 8a-b, p. 122-31, e ALEXY, R. “Discourse Theory and Human Rights”, in Ratio Juris, vol 9, nº 3, p. 217.
35- ALEXY, R. Op. cit., p. 217.

 

Referências Bibliográficas

ALEXY, R. “Discourse Theory and Human Right”, in Ratio Juris, vol 9, nº 3; trad. Kirston Bock e Suzanne Gaschke. – Oxford: Blackwell, 1996.
APEL, K-O. “Como Fundamentar uma Ética Universalista de Corresponsabilidade que tenha efeito sobre as Ações e Atividades Coletivas”, in Ethica, ano III, nº 4; trad. Anna Mª M. Rodrigues. – Rio de Janeiro: UGF, 1996.
ARISTÓTELES. Metafísica; trad. Leonel Vallandro. – Porto Alegre: Globo, 1969.
DESCARTES, R. Meditações; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. – 3ª ed. – Sào Paulo: Abril Cultural, 1985.
DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres; trad. Mário da G. Kury – Brasília: UnB, 1977.
HABERMAS, J.“Notas Programáticas para Fundamentação de uma Ética do Discurso”, in Consciência Moral e Agir Comunicativo; trad. Guido Almeida. – Rio de Janeiro: 1989.
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HOBBES, Th. O Leviatã; trad. João P.G. Monteiro e Mª Beatriz N. da Silva. – 3ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
HUME,D. Investigação sobre o Entendimento Humano; trad. Leonel Vallandro. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
_____. Uma Investigação sobre os Princípios da Moral; trad. José O. De A. Marques. – Campinas: Unicamp, 1995.
KANT, I. Crítica da Razão Pura; trad. Alexandre F. Morujão e Manuela P. dos Santos. – 2ª ed – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes; trad. Paulo Quintela. – 2ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
_____. Crítica da Razão Prática; trad. Artur Morão. – Lisboa: Edições 70, 1986.
PLATÃO. Fedro; trad. Carlos A. Nunes. – Belém: Universidade Federal do Pará, 1975.
TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética; trad. Aloísio Ruedell e outros. – Petrópolis: Vozes, no 1997.

Antinomias

EM sua Crítica da Razão Pura (1781), Imannuel Kant (1724-1804) descobriu quatro paradoxos aos quais dava o nome de antinomias. Tais antinomias refletiriam o conflito da razão com ela mesma, na hora de definir questões fundamentais acerca das ideias cosmológicas do ordenamento do mundo sensível. Esses conflitos não seriam resultante de erros de raciocínio ou de confusões paradoxais, como nos enunciados autorreferenciais. A rigor, não eram falácias ou sofismas criados para embaraçar a argumentação, segundo o contexto em que fossem proferidos. Todavia, indicavam as limitações reais da capacidade mental para solucionar esses problemas, no âmbito da metafísica
Kant demonstrou que as antinomias se chocavam com obstáculos racionais que impediam uma posição favorável seja por uma tese, ou por uma antítese que, respectivamente, se contrapunham. As quatro antinomias apresentam relacionados com os limites do universo; à complexidade das coisas; à liberdade causal e à existência de um ser necessário. Para cada um desses assuntos, uma tese favorável e uma antítese contrária de igual valor poder-se-ia ser levantada pela razão.
A respeito da limitação do universo, sua tese pressuporia que houvesse um começo do mundo no tempo e no espaço, enquanto sua antítese sustentaria que o “mundo é infinito no tempo e no espaço”. Sobre a complexidade, por um lado, se afirma que “tudo no mundo é constituído por partes simples”, mas, por outro, também se diz que “nada é simples e tudo é um composto”. Para a liberdade, “haveria várias causas livres para as coisas no mundo” ou “haveria apenas uma causa de todas as coisas e nada estaria livre das leis naturais”. Por fim, no mundo, “existe um ente necessário, seja como parte ou origem da série causal”, ao passo que se defenderia contra isso que “nada seria necessário, porém contingente, no mundo ou fora deste” (veja KANT, I. Prolegômenos, A 144, p.68).
Diferente dos paradoxos, onde as soluções decorrem do encontro de erros nas premissas ou na inferência que leva a conclusões aparentemente inaceitáveis, as antinomias kantianas não podem ser resolvidas por argumentos ou fatos naturais. Sempre se poderá sustentar pressupostos válidos em favor de uma tese ou de sua respectiva antítese. Kant sugeriu então que respostas aceitáveis deveriam ser extraídas dos interesses racionais puros. Assim, se para as duas primeiras ideias cosmológicas matemáticas de limite e divisão, não se pode conceber a experiência de um nada ou vazio no infinito e no início das séries compostas, entretanto, poder-se-ia imaginar uma progressão indefinida que fosse condicionada pelos fenômenos, como estes aparecem.
Em outras palavras, seria plausível a imaginação defender que há uma série indeterminada, segundo sua grandeza, mas limitada por uma quantidade desconhecida de fenômenos – o termo simples das séries divisíveis -, embora isso não pudesse ser provado pela razão pura, sem contradição. Por exemplo, haveria no mundo sensível uma grande quantidade de matéria, suficiente para torná-la indeterminada – os grãos de areia em uma praia. Tal matéria, por sua vez, poderia ser dividida até os limites subatômicos. Todavia, mesmo que isso fosse verdade, pelo que a mera experiência mostra, nada impediria que a razão pura continuasse a progressão até superar os limites e a divisão ao avançar sobre o infinito. “A divisão [como o limite] só vai até onde a experiência alcança” (KANT, I. Prolegômenos, A 149, §52c).
Com relação à disputa sobre a liberdade, Kant pressupõe que a razão seja livre da sensibilidade e capaz de causar ações no mundo, por meio de um agente. Isto mesmo se considerando que todas as demais coisas no universo estão presas a leis naturais e, portanto, condicionadas pela causalidade. Desse modo, Kant compatibilizava o livre arbítrio dos seres racionais com o determinismo do mundo fenomênico (veja KANT, I. Op. Cit., A 154, §53).

Logo, posso dizer, sem entrar em contradição: todas as ações de entes racionais, enquanto fenômenos, estão sujeitas à necessidade da natureza; mas as mesmas ações, consideradas apenas em relação com o sujeito racional e com sua capacidade de agir apenas pela razão, são livres (KANT, I. idem, A 154, §53).

Porém, para a quarta antinomia – também chamada de teológica -, não é possível sustentar empiricamente a existência de um ser necessário independente da própria série causal. Não obstante, a sua impossibilidade em si, não pode ser decretada, uma vez que, no mundo sensível, apenas fenômenos existem – não objetos numênicos, que existam por si mesmos. Sob o ponto de vista transcendental, o incondicionado tem de estar necessariamente fora do âmbito da experiência física. Sendo assim, um ser apenas inteligível seria admissível, sem ferir a causalidade empírica – existiria, no entanto, apenas na razão (veja KANT, I. Crítica da Razão Pura, B 587 e ss.).
A rigor, as antinomias não são falácias, pois os argumentos nos quais se apoiam não estão errados. Também não são efetivamente paradoxos que se referem a si mesmos, nem estão em contexto dúbio. A solução de suas aporias representam, na acepção kantiana, um acabamento para razão do mundo, onde uma natureza sensível procura conviver com o entendimento em seres racionais dotados de sensibilidade. Demonstram, ao final, as dificuldades da razão em responder as principais questões ligadas à ordem do universo. O que foi um incômodo sem precedentes para uma geração de filósofos dogmáticos e idealistas românticos que o sucederam.
As antinomias kantianas se distinguem ainda das “antinomias jurídicas” que, no direito, tratam das normas legais que entram em contradição umas com as outras. Estas nada têm a ver com os intransponíveis problemas da metafísica e sua razão pura transcendental.

Nos limites do universo, o limite da razão humana. Via Láctea vista do Canion de Fairland, por Adam Derewecks. Fonte: Pixabay.

Referências Bibliográficas

KANT, I. Crítica da Razão Pura; trad. Manuela P.dos Santos e Alexandre F. Morujão. – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
___. Prolegômenos; trad. Tânia Mª Bernkopf. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Kant

Filosofia ModernaA vida de Immanuel Kant é uma das mais estranhas entre as estranhas vidas de todos aqueles que se dedicaram à filosofia. Enquanto a maioria dos filósofos modernos foi arrastada pela onda de transformação do pensamento e dos costumes, sendo por conta disso que muitos deles foram obrigados a viajar ou exilar-se em países diferentes de sua origem, Kant permaneceu protegido desse frenesi, graças a uma rotina metódica que espanta quem se interesse pela obra deste autor crucial para história da filosofia. Como Rousseau e Hobbes, o início da vida de Kant foi marcada pela pobreza e uma dura luta pela subsistência. Seu pai era um artesão que produzia selas e artigos de couro. Sua mãe pertencia a uma seita religiosa chamada Pietista que seguia com rigor absoluto todas práticas e crenças religiosas. De sua infância e juventude pouco se sabe, além do fato que o próprio Kant procurava esquecer os anos difíceis da “escravidão juvenil”. Os Kant haviam deixado a Escócia um século antes do nascimento de Immanuel, procurando por uma situação mais confortável na Prússia Oriental. O Kant mais famoso era o segundo entre seis irmãos e nasceu, em 22 de abril de 1724, na cidade prussiana de Königsberg (depois da invasão russa, em 1945, Kaliningrado). Cresceu, trabalhou, estudou, pensou, escreveu e envelheceu sem nunca ter atravessado os limites da cidade. Morreu tranquilo na senilidade, a 12 de fevereiro de 1804.
Inserido texto sobre O Arquiteto da Crítica, na seção de Metafísica de Filosofia Moderna, em Discursus.