Physis e Polis

A cidade e a natureza no centro do universo

Os helenos vivam o universo a partir da perspectiva de sua própria cidade-estado

A relação entre natureza e sociedade é um dos temas mais polêmicos na história da filosofia. Nem sempre natureza e sociedades foram vistas como partes opostas de uma dicotomia, como hoje. A concepção que os antigos helenos tinham das cidades (poleis) era de uma extensão contínua da natureza (physis). Havia a tentativa de alcançar uma integração harmoniosa entre os seres humanos e seu meio. Uma integração diferente da que se busca atualmente, a despeito do consumo voraz dos recursos naturais. Enquanto se tenta forçar uma visão orgânica da biosfera, tendo a espécie humana como parte desse organismo, por outro lado, alimenta-se um comportamento doentio e extremado de destruição em nome de um duvidoso desenvolvimento econômico.
Ao longo do tempo, diversos autores e correntes filosóficas diferentes disputaram qual delas tinha a melhor interpretação acerca da natureza e sociedade. Ora concebendo ambas como coisas distintas, ora como uma única totalidade, por vezes, em conflito interno. Tais posturas refletiam a opinião do senso comum expressa nas várias narrativas mitológicas; crenças religiosas nos seus modos de conceber as dificuldades da vida prática e as delícias de um suposto mundo sobrenatural. Algumas religiões pretendem anular os efeitos nocivos da atuação humana, incentivando sua total submissão e integração ao universo (taoísmo e budismo, por exemplo). Outras consideram a natureza uma criação divina posta para servir à espécie humana (judaísmo e cristianismo, por exemplo).
De todo modo, em qualquer tempo, as paisagens e fenômenos naturais foram temidos, respeitados e admirados como algo sublime ou como ameaças e obstáculos que deveriam ser transpostos ou retificados para o bem do ser humano. Os antigos egípcios associavam o vento quente do deserto ao deus Seth – representação das forças obscuras do mal, que devastava a vegetação, espalhando a seca e a morte. Mesmo em florestas tropicais, os índios americanos, que não prestavam nenhum culto religioso, temiam os monstros tenebrosos que habitavam os interiores densos e úmidos da mata [1].
As primeiras civilizações, quando atingiam uma tecnologia transformadora, alteravam os cursos dos rios, drenavam pântanos e cavavam montanhas, a fim de servir seja por um propósito militar, sanitário, ou simplesmente para ostentar a riqueza e o poder de algum soberano lunático. Assim, a história da humanidade está marcada por atitudes dúbias, quando não contraditórias, em seu manejo dos recursos naturais. Enquanto a população mundial esteve abaixo do bilhão de habitantes, o planeta – graças a sua capacidade regeneradora, autopoiética – pôde manter a diversidade de ambiente e espécie sustentável e vigorosa. Entretanto, agora que a população já passa dos 6 bilhões, a natureza já apresenta sinais de esgotamento frente à proliferação de sociedades devastadoras e consumistas. Os recursos são escassos e, para entender o debate em torno desse difícil problema de convivência e mentalidade, vale a pena passar em revista os principais momentos em que a sociedade ocidental tratou da questão sobre a natureza até se tornar na sociedade globalizante que constituiu uma segunda natureza rival da original.

Continua…