Queensland

Austrália

O estado de Queensland, na Austrália, teve poucas baixas, apesar de sofrer a pior enchente de sua história.

Menos de um ano depois da tragédia político-ambiental que atingiu a cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, onde cerca de 50 casas foram soterradas pela avalanche de lixo em que estavam assentadas, nova tragédia volta assolar o estado brasileiro. Dessa vez, o desastre político-ambiental veio a ocorrer na região serrana do Rio de Janeiro, matando mais de 500 pessoas. Entre uma tragédia e outra, a organização criminosa que tomou o poder em 2003 conseguiu eleger sua candidata fantoche à presidência do país, enquanto reelegeu o governador fluminense com quem mantém conluio.
O estado do Rio fica entre o trópico de Capricórnio e o paralelo 20 sul. Do outro lado do globo, na Austrália, o estado de Queensland tem larga fatia de seu território cortada pelos mesmos paralelo 20 e trópico de Capricórnio. Em Queensland, estão a Cordilheira Australiana (Divinding Range) e a Grande Barreira de Corais – fortemente ameaçada pela poluição dos mares e pelo aquecimento das águas oceânicas. Este ano, o estado australiano sofreu com tufões e a maior enchente de sua história. Diferente do Brasil, no entanto, em Queensland, morreram menos de 50 pessoas e os danos em sua maior parte foram materiais.
A Austrália possui a 13ª economia mundial de 2009, com renda per capita de US$42.279. O Brasil jacta-se de ser a oitava economia, embora sua renda per capita de US$8.121 seja menor que a média mundial que é de US$8.581. Como agravante, o Brasil tem uma péssima distribuição de renda – metade da população ganha menos de US$5 mil ao ano, sendo um dos 10 países mais desiguais do mundo. Por conta disso, o Brasil ocupa a 73ª posição no índice de desenvolvimento humano (IDH), ao passo que a Austrália é o segundo país com melhor qualidade de vida no planeta.
Além de todas essas diferenças, a Austrália não permite que sua população cresça sem controle. Há muito que seus vizinhos neozelandeses conhecem a política do “crescimento zero”, que implica em sustentabilidade e responsabilidade fiscal com consideração social. Também se esforçam para impedir que governos corruptos e demagogos prosperem por muito tempo.
No Brasil, bem ao contrário dos principais países da Oceania, a população cresce desordenadamente nas favelas que proliferam até mesmo em pequenas cidades, sem qualquer infraestrutura que atenda o adensamento populacional. Em meio a tudo isso, prospera o governo corruPTo e incompetente de um partido acusado de ter formado uma organização criminosa para assaltar os cofres públicos. Eis a razão para os recordes sucessivos de calamidades públicas no país do carnaval e do futebol. Afinal, como diria o líder molusco, “nunca na istora dessi paiz…”

Assistência Internacional

Planejamento Familiar

Medidas simples, como dar o direito a mulheres para o acesso a métodos de controle da natalidade, fazem parte de uma assistência internacional eficaz, em sociedades oneradas. Imagem: Raghubir Singh, Woodfin Camp & Assocs

Depois de ter elaborado sua teoria da justiça para o contexto geral de uma “sociedade bem ordenada”, John Rawls (1921-2002) achou possível estender suas definições para o concerto das nações mundiais. Em O Direito dos Povos (1999), novos conceitos foram propostos, a fim de abrangerem também os “povos decentes” e as “sociedades oneradas” que compunham, no entender de Rawls, o leque das comunidades internacionais, ao lado das “sociedades bem ordenadas”. As sociedades bem ordenadas foram caracterizadas em Uma Teoria da Justiça (1971) como um estado de cunho liberal capaz de promover o bem de seus cidadãos e manter uma concepção pública de justiça sustentada em leis conhecidas por todos [2].
Povos de tradição não liberal poderiam ser incluídos entre as sociedades consideradas razoáveis se adotassem como critério abster-se de objetivos bélicos, usando sempre de diplomacia, para atingir seus fins pacíficos e respeitar a ordem política e independência de outras sociedades. Além disso, deveriam assegurar aos seus membros os direitos humanos. Caso cumprissem essas determinações tais países poderiam ser considerados como povos decentes, pois todos os cidadãos possuiriam deveres e obrigações morais e legais, com instituições jurídicas calcadas em noções de justiça e bem comum e não apenas na força.
Contudo, eventualmente, existiriam também estados fora da lei que se recusariam a reconhecer o direito de povos razoáveis, defendendo por vezes seus interesses exclusivistas por meio de guerras ou outros tipos de ações belicosas. Tais regimes poderiam estar entre os mais eficientes e avançados de sua época, embora mantivessem tradições culturais e instituições políticas atrasadas, sob o aspecto legal. Por fim, as sociedades oneradas seriam aquelas que, não sendo belicosas, estão em condições desfavoráveis por causa de tradições retrógradas, poucos recursos financeiros e conhecimento humano limitado.
Para Rawls, a longo prazo, povos bem ordenados deveriam assistir as sociedades oneradas. Porém, não seria a mera distribuição de bens que viria a resolver a desigualdade entre elas. Pois esse tipo de iniciativa não tem objetivos definido nem limites claros para o auxílio necessário exigido. O objetivo da assistência não seria o de nivelar a riqueza e o bem estar das sociedades. Sociedades pobres carecem de recursos naturais, mas podem ser consideradas bem ordenadas, liberais ou povos decentes, desde que respeitem as instituições fundadas nos direitos humanos. O alvo da ajuda internacional teria que ser, portanto, tornar as sociedades oneradas povos bem organizados [2].

Três Diretrizes

A primeira diretriz, sugerida por Rawls a ser seguida por uma sociedade pobre que queira tornar-se bem ordena, recomenda o atendimento inicial de três pontos básicos para o estabelecimento inicial de uma poupança justa: a) fundar instituições justas e promover vida digna para todos seus cidadãos; b) com poupança zero – sem acréscimo real de capital líquido à economia do país – os povos precisam equilibrar o valor agregado dos bens a uma capacidade de suprir todos de modo sustentável, sem que seja necessário gerar excedente antes; c) povos bem ordenados podem ter níveis de riqueza diferentes, dependendo de sua concepção de justiça. O objetivo da assistência é concretizar e preservar instituições justas, sem a preocupação de maximizar o nível médio de riqueza de qualquer sociedade.
Para cumprir a segunda diretriz, deve-se entender que as causas da riqueza de uma nação dependem da cultura, religião e suas virtudes políticas. Qualquer sociedade razoável e racional pode tornar-se bem organizada. Além de dinheiro, a ênfase dos direitos humanos ajuda a mudar a conduta de quem nunca se preocupou com o bem-estar da população. Falhas na estrutura política e social, incompetência e corrupção são responsáveis pelo sofrimento da própria população. Por outro lado, o respeito aos direitos humanos alivia o problema da superpopulação, uma vez que é dado às mulheres o poder de decidir sobre a quantidade de filhos que quiser gerar. Tal alternativa é preferível ao emprego da força ou ao simples aporte de recursos a fundo perdido, par essas nações. A tolerância religiosa não pode servir de pretexto para justificação da manutenção de uma situação equivocada com base no argumento da preservação cultural da sociedade.
Por último, uma terceira diretriz aponta para o objetivo final da assistência focado na libertação e promoção da igualdade entre as sociedades oneradas. A variante de patriotismo a ser encorajada, nessas circunstâncias, visa reconhecer as reivindicações legitimas de um povo e das comunidades de imigrantes, que precisam ver seus interesses particulares básicos atendidos, no sentido de fomentar a melhor em sua auto-estima e condição política e econômica. No decorrer do convívio cotidiano, a introdução de uma rotina civilizada às sociedades oneradas proporciona aos seus membros resolver os problemas internos de uma forma institucionalizada.
A afinidade entre os povos deve ser buscada também em sociedades com territórios restritos a poucas culturas. Mesmo aí, a cooperação institucional deve ajudar no encontro de objetivos comuns entre os povos e aumentar o interesse recíproco, de um modo geral. Depois de implantada as instituições básicas, a defesa de ideais e princípios deve se restringir a estágios de cooperação mais avançados que transcendam aos interesses regionais recíprocos iniciais.

Diferença e Poluição

Já havia em Uma Teoria da Justiça um “princípio de diferença” que também poderia ser aplicado no concerto das nações, bastando, para isto, que seus preceitos fossem ampliados dos limites nacionais para o cenário internacional. O princípio da diferença orienta a melhor distribuição dos benefícios de modo que, se uma igualdade plena não for possível, pelo menos a desigualdade aceita seja em favor de toda sociedade. Tal princípio tem em vista uma igualdade equitativa de oportunidades de acordo com as posições ocupadas e disponíveis aos indivíduos. A desigualdade entre os membros de uma sociedade só é admitida se aqueles favorecidos justifiquem sua diferença, em relação aos mais pobres; se sua atividade contribuir para a melhoria da situação dos mais necessitados, em contraste com a alocação hipotética mais igualitária [3]. Assim, o objetivo de toda poluição excedente seria justificável se acaso melhorasse a condição dos menos poluidores, o que já não é mais possível de se defender nas circunstâncias vividas desde a década de 10 do século XXI.
A noção de equidade do princípio de diferença sustenta uma repartição livre de críticas à desigualdade. Enquanto, por um lado, visa ajudar os mais necessitados, por outro, aceita a imposição de encargos desiguais das partes em função de uma distribuição mais justa. Todavia, se já não é mais razoável defender um suposto “direito de poluir”, sob a alegação de redução da desigualdade – assumindo que há uma sobrecarga insuportável imposta à natureza -, a falha do argumento dos poluidores obriga que estes arquem com os custos da mudança climática. A assistência às nações mais pobres, portanto, deve levar em conta as exigências de políticas sustentáveis na solução de suas dificuldades.
A distribuição equitativa de encargos tem um caráter pedagógico que força os poluidores arcaicos a observarem as consequências de suas ações. Além disso, é um meio viável de resolver os conflitos por recursos ambientais, buscando o maior benefício geral. Eventualmente, no entanto, a exigência por uma redução nas emissões justifica um provável desconforto que possa causar aos mais poluidores, em troca de um aumento no bem estar de todos. Ainda que os maiores poluidores, sejam estes países ricos ou pobres, tenham de suportar todos os ônus da despoluição.

Notas

1. Veja RAWLS, J. Uma Teoria da Justiça, cap. VII, § 69.
2. Veja RAWLS. O Direito dos Povos, part. III, § 15, pp. 139/140.
3. Sobre o “princípio de diferença”, veja RAWLS, J. Uma Teoria da Justiça, pp. 63-83.

Referências Bibliográficas

RAWLS, J. Uma Teoria da Justiça; trad. Carlos P. Correia. – Lisboa: Editorial Presença, 1993.
____. O Direito dos Povos; trad. Luís C. Borges. – São Paulo: Martins Fontes, 2001.