Filme soviético de 1934 dirigido pelos irmãos Georgi (1899-1946) e Sergei Vasilyev (1900-1959)
Adolf Hitler (1889-1945) e Iossif Vissarionovich Dzhugashvili, vulgo Stalin (1879-1953), tiveram, em vida, filmes realizados para que pudessem se mirar como diante de espelhos mágicos que lhes mentiam dizendo “não haver ninguém mais poderoso no mundo do que eles”. Antes de Olimpíada: Festa do povo (1936), Helene “Leni” Riefenstahl (1902-2003) filmou O Triunfo da Vontade (1935), no intuito de celebrizar o congresso do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazi), onde o fuehrer estrela o grande aparato político que expressava sua mania de grandeza. Mas é Tchapaev (1934), dos irmãos Sergei (1900-1959) e Georgi Vasilyev (1899-1946), que inaugura o culto da personalidade no cinema. A história do popular herói revolucionário analfabeto, simples e carismático que deu nome à película serviu como uma luva para enaltecer as “virtudes” guerreiras, francas e eficazes do novo ditador que assumia com mão de ferro as diretrizes da Revolução que os soviéticos fizeram no sentido de restaurar os ideais de igualdade e fraternidade deixados de lado, pelos liberais ocidentais.
Essas obras de propaganda política, travestidas de arte cinematográfica, levavam às massas aquilo que elas queriam acreditar. A sedução pó uma história que recriava a realidade de uma maneira generalizante que permitia à imaginação da maioria acompanhar o desenrolar dos fatos. Nada das difíceis contradições, coincidências e irregularidades da vida cotidiana, apenas a orquestração dos acontecimentos de modo à explicar a falsa predestinação de seus idolatrados líderes.
“A principal qualificação do líder de massa é a sua infinita infalibilidade: jamais pode admitir que errou. Além disso, a pressuposição de infalibilidade baseia-se não tanto na inteligência superior quanto na correta interpretação de forças históricas ou naturais (…) que nem a derrota nem a ruína podem invalidar porque, a longo prazo, tendem a prevalecer. Uma vez no poder, os líderes da massa cuidam de (…) fazer com que as suas predições se tornem verdadeiras.” (ARENDT, H. As Origens do Totalitarismo, III, cap. II, §1, pp. 82-3).
Se as coisas não vão como o esperado, os manipuladores publicitários tratam logo de mudar os métodos de estatísticas, para que os números se acomodem às predições do líder. Na sequência, as encomendadas enquetes de popularidade reforçam a noção de apoio das massas conquistado pela propaganda oficial. Enquanto o público não estiver totalmente isolado das fontes de informação crítica, a propaganda partidária procura parecer plausível as pretensões dos políticos populistas. A falsificação deliberada faz parte então desse tipo de formação de culto em torno do chefe da organização. Como dizia Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), “é na comunidade da mentira que os líderes e seus liderados se reúnem graças à propaganda” (ADORNO, T., HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento, p. 238).
Quando regimes democráticos estão fragilizados, por sucessivas crises econômicas, políticas e morais, fica fácil para políticos demagogos conduzirem as massas a se identificarem com sua personalidade corrupta. O controle das fontes publicitárias dos meios de comunicação ajuda a eliminar os obstáculos da opinião contraditória isolando o público das informações necessárias para tomada de decisão isenta. O caminho fica aberto ao predomínio da tendência adesista. Assim, a população pode internalizar sem maiores dificuldades os valores mesquinhos do líder, que passam a ser divulgados constantemente sem oposição. Desde a educação infantil aos concursos públicos, a nova mentalidade é implantada sem restrições efetivas.
Eis o ambiente em que floresce o culto à personalidade, a mistificação e a deificação dos políticos de vertentes totalitárias, garantidos pela adoração incondicional de uma maioria alienada.