Conceitos de Ética Ambiental

Arthur Schopenhauer e seu cão Atma

Caricatura de Wilhelm Busch (1832-1908) sobre Arthur Schopenhauer (1788-1860) e seu cão Atma

Considerações sobre os costumes e hábitos humanos são tão antigas em filosofia como as investigações sobre a natureza. Foi a partir do ateniense Sócrates (470-399 a.C.) que se buscou uma argumentação sistemática para a ética tal como já vinha sendo esboçada na física e depois na metafísica. Ao longo do tempo, a ética foi ocupando o lugar central da filosofia, à medida que a física passou a ser campo de trabalho específico para os físicos e a metafísica perdeu-se na procura de definições sempre pendentes por falta de fundamentos últimos inalcançáveis.
Os estudos éticos foram gradualmente ampliados conforme cresciam os interesses humanos pelo melhor ordenamento de suas relações e a realização de seus objetivos mais elevados. Primeiro, tratou-se de conhecer a si mesmo, depois as pessoas de sua família, em seguida os amigos, mais tarde os vizinhos, os compatriotas e por fim toda humanidade passava a fazer parte das motivações morais de uma pessoa. Depois de Arthur Schopenhauer (1788-1860), os animais superiores também ganharam estatuto moral quando se encontrou um argumento pela compaixão que permitia a consideração do sofrimento dos animais.
A ética da compaixão sustentava a identificação dos interesses dos animais com os interesses do próprio sujeito que deve evitar a crueldade, como um mal. No momento que tal identificação fosse forte o suficiente para suprimir o egoísmo natural das ações humanas, surgiria a compaixão como sentimento que impede a aplicação do sofrimento ao outro. Para Schopenhauer, “essa compaixão sozinha é a base efetiva de toda a justiça livre e de toda a caridade genuína. Somente enquanto uma ação dela surgiu é que tem valor moral e toda ação que se produz por quaisquer outros motivos não tem nenhum”[1].
Tal formulação permitia o alargamento do ciclo de consideração ao outro, que é o cerne de todo o comportamento moral. O senso comum tende a confundir preceitos morais com as restrições religiosas ou uma lista arbitrária de proibições ou permissões consagradas pela tradição. Também se vincula erradamente a ética a comportamentos sexuais que dizem respeito apenas às preferências do indivíduo. Ao contrário disso tudo, a filosofia atual trata a moral a partir de questões relativas às ações humanas que envolvam os interesses dos outros. Nesse sentido, o que Schopenhauer fez foi encontrar um fundamento – a compaixão – que possibilitava a abordagem de temas até então difíceis para quem quisesse defender os direitos dos animais.
Isso explica também porque simples códigos de “ética” classistas não podem ser considerados moralmente válidos, enquanto permitam exclusões corporativas quando o direito de terceiros são prejudicados. A ética não pode ter seu fundamento restrito a uma profissão específica, a uma religião, ou espécie vivente qualquer. Para ter valor moral universal reconhecido, as ações éticas têm que levar em conta os interesses de todos os concernidos e não apenas a perspectiva relativista ou egoísta de um agente racional.
Ao lado da ética da compaixão de Schopenhauer, o utilitarismo de preferência defendido por autores contemporâneos, como o filósofo australiano Peter Singer, permitiu a inclusão dos direitos dos animais através da manifestação de suas preferências em suas ações e reações diante da busca por maior utilidade e menor dano. Os animais dotados de sistema nervoso complexo – incluindo os seres humanos – demonstrariam os mesmo interesses em evitar a dor e maximizar o prazer. Assim, toda ação humana que atingisse seres sencientes deveria ser considerada boa ou má, na medida em que contribuísse para aumentar o bem estar de todos os seres sencientes envolvidos e, por conseguinte, ajudasse a diminuir seus sofrimentos. No caso de conflito de interesses entre entes morais, a vida dos seres com maior grau de consciência deveria ter preferência em detrimento daquela que se encontra em nível inferior[2].
O cálculo das preferências, como o da felicidade no utilitarismo clássico[3], é um problema de difícil solução sob a ótica do balanço dos sentimentos. Entretanto, se as escolhas forem definidas sob o padrão contratualista, pode-se tomar as comparações viáveis ao se defrontar a lista de preferências racionalmente transitivas dos agentes em questão. Se alguém prefere “X” a “Y” e “Y” a “Z”, então sempre preferirá “X” a “Z”. Por outro lado, se dois “Z” equivalerem a “X”, o mesmo agente racional poderá preferir “2Z” a “Y”, na ausência de “X” e assim por diante. Destarte, as preferências podem ser comparadas e se fazer uma ponderação adequada com os pesos que lhe são conferidos.
Nestas circunstâncias, para as relações de troca existentes entre os agentes serem consideradas válidas, bastaria que o acordo resultante levasse em conta a tabela de preferências manifestas e seu devidos pesos intercambiáveis, a fim de que um equilíbrio fosse estabelecido nos ganhos obtidos por todos envolvidos. O contratualista, por fim, poderia tratar de preferências sem apelar para sentimentos subjetivos, mas considerando os valores objetivos observáveis por todos.
Para a ética ambiental, essas definições são importante posto que não só os interesses dos seres conscientes e sencientes estão em jogo, mas toda a diversidade da vida e os próprios recursos naturais que a mantém também precisam ser avaliados. Nesse sentido, trata-se de saber qual o peso que a preservação de uma determinada espécie terá na sobrevivência de outra. Além disso, o ecossistema que sustenta várias espécies depende do frágil equilíbrio do conjunto dos seres que o compõe. O que gera uma carga complexa de informações que tem de ser inserida no cálculo do valor moral da ação em termos ambientais com pretensões universalistas.

Ética Ambiental para Crianças

No ensino da ética para crianças na primeira infância, conforme o ponto de vista desenvolvimentista de Jean Piaget (1896-1980), não se pode abarcar os mesmos princípios formais que mais tarde os adultos podem discutir. Antes de atingir a competência linguística completa, aos 10 anos de idade, as crianças em geral manifestam compreensões morais diferenciadas. Segundo Howard Gardner, elas podem perceber o montante dos danos causados, embora não possam compreender as intenções de quem cometeu a ação[4]. Antes do domínio pleno da linguagem, a criança só pode constituir as noções básicas da ética que mais tarde serão melhor trabalhadas no enfrentamento das discussões éticas das quais tomará parte.
O psicólogo estadunidense Lawrence Kohlberg (1927-1987) foi quem primeiro procurou relacionar os estágios de desenvolvimento da consciência moral, sobre as premissas do processo cognitivo defendido por Piaget. A pesquisa de Kohlberg – apresentada em Essays on Moral Development (1981) – divide em seis estágios consecutivos, o progresso moral dos indivíduos. As duas primeiras etapas estão incluídas no nível pré-convencional, onde prevalece a perspectiva egocêntrica nas interações das crianças, que são dirigidas por uma autoridade externa, no primeiro estágio, e pelos próprios interesses, no segundo. A faixa etária desse período vai do quinto ao nono ano de vida, aproximadamente. Dos sete aos 12 anos de idade, são estabelecidas as relações convencionais e o dever passa a concorrer com as inclinações, no nível convencional. Já é possível a formação de papéis sociais, no terceiro estágio, quando a autoridade é interiorizada, passando a adotar a perspectiva coletiva do grupo, na etapa seguinte. Após os 10 anos e até os 15, consolida-se a posição autônoma do indivíduo diante da heteronomia. É o nível pós-convencional. Os conflitos são resolvidos com base nas perspectivas dos falantes e do mundo. No estágio cinco, a pessoa orienta-se por meio de princípios de justiça, enquanto, no sexto e último, seria possível apelar para fundamentação de normas e às regras de segunda ordem que examinam os princípios e o processo de formação de normas. A passagem por cada um desses níveis é entendida como um processo de aprendizagem do indivíduo.
O primeiro nível, chamado pré-convencional, abrange todo o primeiro ciclo fundamental -da primeira a quarta série. Dois estágios iniciais subdividem esse nível. No primeiro estágio, o castigo e a obediência orientam as ações da criança. O que esta entende por “direito” é a obediência irrestrita às regras e autoridade. Aqui, trata-se de evitar o castigo e o dano físico a pessoas e bens alheios. O ponto de vista egocêntrico prevalece nesta etapa e as ações são julgadas em termos de suas consequências físicas, não em função do respeito aos interesses dos outros.
No segundo estágio do nível pré-convencional, as relações de troca passam a fazer sentido. O “direito” já é entendido como seguir regras que sejam de interesse próprio e permitir que os outros também o façam. A troca justa é entendida como a transação mental para servir suas próprias necessidades em um cenário que se reconhece no outro os mesmos “direitos” a busca de seus respectivos interesses. Agora, a perspectiva individualista concreta é adotada. Já é possível separar seus objetivos dos outros. A interação entre pessoas nessa fase ocorre em função da necessidade instrumental – voltada para fins – dos serviços dos outros. Neste sentido, são admitidas as partilhas em termos de igualdade, onde cada pessoa recebe a mesma quantidade de recompensa. O primeiro nível é uma preparação para o estágio contratualista – orientado pela “regra de ouro”, de reciprocidade – que o sucede na fase convencional do desenvolvimento moral[5].
A ética ambiental que pode ser ministrada por profissionais dedicados à educação infantil deve então considerar essas particulares do desenvolvimento cognitivo e moral da criança. Mesmo que esteja imersa na perspectiva egoísta pré-contratual, é possível fazer prosperar a cooperação infantil no trato da natureza, desde que ela perceba a preservação do meio ambiente como parte de seus próprios interesses. Faz-se isso seguindo as sugestões feitas por Konrad Lorenz (1903-1989) de inserir a criança no contato com a natureza logo nos seus primeiros anos de vida.

Notas

1. Ver SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral, III, §16, p. 129.
2.Ver SINGER, P. Ética Prática, cap. 4, p. 117.
3.O utilitarismo clássico segue os princípios de felicidade expostos por seu fundador Jeremy Bentham (1748-1832) que visa ampliar ao máximo a felicidade aumentando o ganho de prazer e reduzindo ao mínimo a dor.
4.Ver GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom, cap. 4, p. 80.
5.A teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg tem uma descrição em português resumida na tradução de HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo, cap. 4, pp. 152-155.

Referências Bibliográficas

GARDNER, H. O Verdadeiro, o Belo e o Bom; trad. Álvaro Cabral. – Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo; trad. Guido A. De Almeida. – Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
LORENZ, K. A Demolição do Homem; trad. Horst Wertig. – São Paulo: Brasiliense, 1986.
SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral; trad. Mª L. Cacciola. – São Paulo: Martins Fontes, 1995.
SINGER, P. Ética Prática; trad. Jefferson L. Camargo. – São Paulo: Martins Fontes, 1993.