Origem do Sincretismo Cristão: Conclusão*

*Por Manoel Vasconcellos Gomes

São Jorge (séc. III)

São Jorge, o santo guerreiro, viveu no século III, virou padroeiro da Inglaterra e Portugal. Na mitologia yoruba, foi associado a Ogum, o senhor dos metais. Sua data comemorativa é 23 de abril. Fonte: Abril Cultural.

Apesar do sincretismo através das imagens ter sido previamente condenado pelas escrituras, o uso de signos e ídolos pagãos foi largamente praticado pelos cristãos primitivos, seja na forma, seja no seu conteúdo adaptado. E não só os gentios convertidos, mas também alguns judeus cometeram o mesmo tipo de idolatria. Como se observou no decurso da história, essa falta se generalizou por ser muito difícil pregar a nova conduta apenas com ideias transmitidas pelas palavras e manter a pureza dos ensinamentos de Cristo, por muitas gerações sem alterações significativas. O que prevaleceu foi um sincretismo de concepções religiosas que assimilava o que cada novo povo cristianizado trazia de contribuição cultural no contato com os romanos que também poderia ser útil à conversão dos tardios pagãos em católicos novos.
Séculos depois, a colonização das Américas e da África, patrocinada pela igreja teve de adotar os mesmos métodos de assimilação sincrética em relação aos negros e índios, para ser entendida, por povos tão distintos. Afinal o sincretismo se tornou um procedimento típico do catolicismo diante de novas culturas. Uma prática muito eficiente na seletiva luta pela sobrevivência das ideias religiosas nas mentes das pessoas. Isso permitiu seu triunfo adaptativo em meio à tão feroz competição que teve de enfrentar. De outro modo, restaria somente o emprego da força em última instância, com seus resultados de difícil aprovação a longo prazo.
Não foi o sincretismo uma estratégia pensada de modo consciente pelos primeiros cristãos. Porém, estes souberam aplicar de forma eficiente essa tendência conciliatória, nas maiorias das situações. Quando esse método se tornou evidente, novas adaptações tiveram de ser impostas à teologia e à doutrina original de Cristo e seus apóstolos. Por fim, prevaleceu a flexibilidade da liturgia que proporcionou sua sobrevivência ao longo do tempo, nos mais diversos ambientes. Tal universalização não teria sido possível se tivesse vencido o entendimento ortodoxo contra o qual Paulo combateu, desde o primeiro concílio em Jerusalém. A opção pela incorporação do gentio obrigou a uma maior acomodação dos ideais estrangeiros ao cânone da nova religião.
Nesse sentido, o estudo do sincretismo cristão em sua fase catacumbária ajuda a entender melhor as transformações sofridas pela doutrina do cristianismo até chegar ao estágio atual experimentado pela Igreja Católica e das diversas denominações protestantes. No início, as ideias revolucionárias de Cristo tiveram de concorrer com o judaísmo enrijecido pela hierarquia sacerdotal que se corrompia no contato com a máquina burocrática romana, na Palestina. Em seguida, com a intervenção de Paulo, teve de enfrentar as várias religiões que se praticava em Roma. Para escapar do medo supersticioso dos gentios, passou a seguir costumes da maioria da população, revestindo a forma dos seus hábitos comuns nos novos conteúdos propostos. O incremento do número de adeptos aumentou a relevância dos cristãos na medida em que já não se podia mais ignorá-los ou combatê-los. A percepção da importância do cristianismo para segurança militar e social do império levou ao reconhecimento oficial dê suas crenças e à liberdade de culto.
Depois dessa união entre cristianismo e Império Romano, já não foi mais possível aos pagãos reverter a situação, apesar da tentativa anacrônica do imperador Juliano, o apóstata (imperou de 361 a 363). Não obstante, o próprio cristianismo não escapou de muitas mudanças que transfiguraram a sua forma primitiva. Assim, nesse processo de sobrevivência, as ideias do começo de sua trajetória histórica mostraram, por um lado, robustez e perseverança, enquanto se fizeram clemente e maleáveis diante da interação com o meio circundante. Destarte, a capacidade adaptativa se revelou fundamental na manutenção de suas principais instituições por mais de dois milênios. A permanência das ideias de Cristo demonstrou a sua força e inteligência evolutiva durante todo esse processo histórico de seleção das ideias religiosas. Nisso tudo, a adoção intuitiva da estratégia do sincretismo serviu, portanto, como um instrumento muito eficaz na luta pela sua sobrevivência teológica e ideológica (senão, política), desde o início da história do cristianismo.