A Educação Social defendida por Vygotsky

Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934) foi o principal psicólogo da breve história da antiga União Soviética. Sua curta existência e a qualidade de sua obra permitiu que ele fosse comparado ao compositor austríaco Mozart. Apesar da influência marcante de suas ideias pedagógicas entre os antigos países por detrás da “cortina de ferro”, seus textos só passaram a ser conhecidos no ocidente graças ao interesse do psicólogo estadunidense Jerome S. Bruner e pela divulgação feita pelo seu discípulo Alexander Romanovitch Luria em congressos internacionais, a partir de 1962.
Vygotsky foi o primeiro autor a chamar atenção da importância do envolvimento ambiental no desenvolvimento da criança e no processo de formação da mente. De sua bibliografia, destaca-se o livro Pensamento e Linguagem (1934), onde desenvolve sua teoria sobre a evolução do significado durante o crescimento da criança com a mudança do pensamento em suas diversas etapas de interação social. Com isso, o processo de formação mental passou a ser encarado de um modo a comprometer o pedagogo com a observação empírica dos pontos críticos de transformação dos indivíduos em pessoas maduras. Sua metodologia não abria mão da relação entre teoria e prática, no que diz respeito ao entendimento empírico da psicologia humana.
Para a ciência cognitiva, suas teses são relevantes por irem além das simplificações behavioristas -cujo principal papel no processo de maturação cabe ao ambiente e não ao indivíduo- e por complementarem as etapas do desenvolvimento intelectual, meramente genético, sugeridas pelo suíço Jean Piaget. Em Vygotsky, a participação da criança e do instrutor no processo de aprendizagem apontava para importância de inserção social do indivíduo, nos momentos adequados, em suas diversas fases de crescimento, mostrando que a mente depende constitutivamente do contato estreito com uma comunidade para sua efetiva maturação.

 

A Formação Social da Mente

O ensaio “Interação entre Aprendizado e Desenvolvimento”, incluído na coletânea norte-americana A Formação Social da Mente, antecipa as concepções desenvolvidas em detalhes em Pensamento e Linguagem. Para Vygotsky, o entendimento da relação entre aprendizado e desenvolvimento ajudaria à aplicação correta das teorias educacionais. Nesse sentido, ele procurou confrontar as três principais teorias existente até então, enquanto preparava o terreno para colocação de suas ideias.
Primeiro, ele atacou as teses iniciais de Piaget, nas quais o desenvolvimento é concebido independente da aprendizagem. Segundo essa perspectiva, o domínio do pensamento formal e lógico ocorreria por si mesmo, sem a interferência do ensino. Tudo que fosse aprendido dependeria, em primeiro lugar, do desenvolvimento requerido para aquisição do conhecimento. Por conseguinte, o aprendizado não poderia alterar as diversas etapas de formação.
Outra hipótese criticada é a de William James, sobre a equivalência da aprendizagem com o desenvolvimento. Por essa teoria, ambos poderiam ser subsumidos a um processo de formação por hábitos. Ao invés de assumir o inatismo de Piaget, James conceberia a educação como uma atividade organizadora dos hábitos de conduta e tendências adquiridos. Assim, aprendizagem e desenvolvimento ocorreriam ao mesmo tempo e do mesmo modo.
Por último, também é rejeitada a tentativa de descrever o aprendizado e o desenvolvimento como processos separados, mas que se influenciam mutuamente. De acordo com essa tendência, defendida pelo alemão naturalizado estadunidense Kurt Koffka (1886-1941), a maturação prepara a possibilidade da aprendizagem que, por sua vez, estimula o crescimento. Entretanto, não ficaria clara a maneira pela qual essa interação ocorreria.
Muitos autores que defendiam o ponto de vista do hábito, por outro lado, rebateram a suposição de que o ensino de uma disciplina formal clássica específica pudesse ajudar o incremento de todo raciocínio. Contudo, o desenvolvimento do uso preciso das palavras, da sagacidade, da memória e do poder de concentração não são atributos exclusivos de uma única matéria. Pois a especialização não contribui em nada para a formação geral da mente. Já naquela época, algumas pesquisas mostravam que a mente não se resumia a uma rede complexa de capacidades gerais, mas pelo contrário, era um sistema de funções específicas que se desenvolviam independentes umas das outras. O aprendizado, portanto, não deveria ser focalizado numa área apenas, ao contrário, ele precisa proporcionar a aquisição de diversas capacidades particulares. Uma disciplina só afetaria e contribuiria para o desenvolvimento de uma outra à medida que tivesse algum ponto em comum entre elas.
Desse modo, presumia-se que o desenvolvimento fosse equivalente à obtenção de várias habilidades e hábitos, o que a teoria de Koffka rejeitava. Para este, o processo de desenvolvimento, na interpretação de Vygotsky, seria maior que o de aprendizado, isto é, para cada tema novo aprendido, a capacidade de desenvolver-se ampliaria o dobro [1].

 

Desenvolvimento Proximal

Vygotsky considerou que todas essas teorias psicológicas do ensino não satisfaziam a compreensão da relação entre aprendizado e desenvolvimento. A seu ver, a solução desse problema deveria ser encarada sob dois aspectos: geral e particular. Primeiro, seria necessário sempre ter em vista que o aprendizado não começa na escola, porém vem desde o nascimento da criança. A partir daí, aprendizado e desenvolvimento encontram-se interligados.
A diferença entre o ensino anterior e posterior à escola concentra-se na sistematização que ocorre quando a criança é deixada sob a tutela de uma instituição e que o desenvolvimento passa a se desenrolar em dois níveis distinto: o real e o potencial. O primeiro nível é aquele em que a criança consegue resolver por si mesma os problemas que lhe são propostos, enquanto, no segundo aspecto, elas só são capazes de alcançar uma resposta com a ajuda do instrutor. Entre esses dois patamares, haveria uma zona de desenvolvimento proximal que indicaria até onde o aprendiz pode chegar na sua etapa atual de crescimento.
De acordo com Vygotsky, a zona proximal corresponde às funções que estão em maturação no indivíduo. O desenvolvimento real, no qual a criança faz suas coisas com independência, retrata o amadurecimento consolidado, ao passo que aquelas tarefas realizadas com ajuda dos outros apontam para o desenvolvimento mental que pode ser adquirido. A zona proximal revelaria a dinâmica do processo de desenvolvimento, prevendo o resultado a ser obtido quando o conhecimento foi assimilado. Ela revela o desenvolvimento real futuro, aquilo que uma criança será capaz de fazer sozinha, depois de internalizar o aprendizado. Destarte, é possível prever o desenvolvimento de uma pessoa ao observar essa diferença entre o que ela faz e o que pode fazer.
A imitação e a brincadeira indicam um nível de compreensão a ser trabalhado. Diferente dos animais, que também podem imitar os gestos humanos, o aprendizado da criança é fomentado pela natureza social de sua espécie. Um processo pelo qual elas são inseridas na vida intelectual da comunidade. A atividade coletiva e o aprendizado social permite que se ultrapasse os limites do desenvolvimento real, até se alcançar a plena maturidade. O que explica também como os conceitos abstratos podem ser adquiridos pela experiência concreta do cotidiano. Nas palavras de Vygotsky, “o concreto passa agora a ser visto somente como um ponto de apoio necessário e inevitável para o desenvolvimento do pensamento abstrato -como um meio, e não como um fim em si mesmo” [2].

Esportes coletivos e brincadeiras, como o jogo de bola, no desenvolvimento da plena maturidade. Fonte: Pixabay, por joshdick75.

Ao observar a zona proximal, o educador pode orientar o aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real. Nesse ínterim, o ensino deve passar do grupo para o indivíduo. Em outras palavras, o ambiente influenciaria a internalização das atividades cognitivas no indivíduo, de modo que, o aprendizado gere o desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental só pode realizar-se por intermédio do aprendizado.
Resta saber, como esse conhecimento externo é internalizado pelas crianças. O objetivo da análise psicológica e educacional é revelar como os processos de desenvolvimento podem ser estimulados pelo ensino. Em todo caso, depois de Vygotsky, foi possível afirmar que se trata de uma interação dinâmica e complexa entre os dois processos, revelando que o desenvolvimento mental deve ser entendido sob o aspecto global que somente pesquisas empíricas puderam demonstrar com base no conceito de zona de desenvolvimento proximal [3].

 

Notas

1. Veja VYGOTSKY, L.S. “Interação entre Aprendizado e Desenvolvimento”, in A Formação Social da Mente, cap. 6, pp. 103-109.
2. VYGOTSKY, L.S. Op. Cit., idem, p. 116.
3.Veja VYGOTSKY, L.S. Idem, ibdem, pp. 109-119.

 

Referências Bibliográficas

VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente; trad. José Cipolla Nt. – São Paulo: Martins Fontes, 1994.
______. Pensamento e Linguagem; trad. M. Resende. – Lisboa: Antídoto, 1979.