A Prova do Mundo Externo de Moore

George E. Moore (1873-1958) foi, ao lado de Bertrand Russel (1872-1970), um dos principais responsáveis pela implantação de uma nova abordagem filosófica na Inglaterra. Antes dele, predominava, entre os ingleses, uma corrente idealista que abafara a tradicional visão cética e empírica, oriunda de autores como Francis Bacon (1561-1626), David Hume e John Locke (1632-1706). Depois de 1903, no entanto, com a publicação de Principia Ethica e do ensaio Refutação do Idealismo, Moore introduziu uma nova maneira realista de tratar os problemas filosóficos.
A principal característica de seu pensamento era uma postura analítica de investigação, voltada para o exame do significado das expressões empregadas na linguagem corrente, em oposição aos enunciados filosóficos de difícil compreensão. Em relação ao uso dado pelo senso comum à linguagem, Moore considerava seus significados verdadeiros e todos poderiam percebê-los claramente. Quanto ao uso filosófico da linguagem, era preciso buscar uma interpretação que tornasse evidente a verdade ou falsidade de suas proposições.
Pelo método de Moore, a clareza dos significados das expressões do senso comum servia como instrumento de elucidação dos significados dos enunciados filosóficos. Apesar das sentenças populares não exigirem provas ou refutações, elas impediriam que as teorias filosóficas caíssem num paradoxo, ao negá-las. O senso comum era, para Moore, um parâmetro útil no intuito de assegurar a verdade filosófica. Em Moore, a análise da linguagem pressupõe que haja no senso comum um universo de significados que se mostra no seu uso cotidiano. Caberia ao filósofo fazer a descrição geral desse universo.

Antecedentes

Por conta disso, para adentrar-se à obra de Moore é preciso estar atento aos antecedentes filosóficos e históricos necessários para a exata compreensão de seu objetivo teórico de esclarecer as expressões da filosofia. No caso do ensaio “Prova de um Mundo Exterior” (1939), a questão em torno da existência do mundo externo remonta a Descartes, George Berkeley (1685-1763) e Kant.
Descartes, em suas Meditações, procurou fundamentar a existência das coisas materiais a partir da noção de Deus – entidade capaz de produzir todas as coisas que se pode conceber com distinção. Nesse sentido, é possível conceber a existência de coisas materiais, uma vez que, como os objetos das demonstrações dos geômetras, elas podem ser reconhecidas clara e distintamente, graças à existência de Deus [1].
Ao contrário de Descartes, Berkeley via uma contradição na noção de matéria ou substância corpórea. Isso porque, todos os corpos que compõe o mundo não subsistem sem um espírito, um ser ativo que os perceba. Sem a percepção atual de algum espírito eterno, nada tem existência ou subsiste na mente. Não é possível separar o ser de um objeto sensível daquilo que nele é percebido. Só há, portanto, uma substância, o espírito percipiente, que percebe. Donde a contradição da existência de uma coisa que não possa perceber, pois ter uma ideia é o mesmo que percebê-la. Não há substância que não seja pensante ou substractum daquelas ideias [2].
Com Kant, é dado o ponto de partida das reflexões de Moore. Kant distinguia duas formas de idealismo material: o idealismo problemático de Descartes e o dogmático de Berkeley. Segundo ele, Descartes admitia como indubitável a asserção: “eu sou, eu existo”; enquanto Berkeley considerava o espaço exterior impossível em si. Contra Berkeley, Kant propôs, na Crítica da Razão Pura (1781), um sentido externo pelo qual se obteria a representação de objetos como exteriores a nós e situados no espaço. Assim, o espaço não representa qualquer propriedade das coisas em si, sendo somente a forma de todos os fenômenos do sentido externo: uma condição subjetiva da sensibilidade.
Contra Descartes, por sua vez, ele procurou mostrar que temos também experiência e não apenas imaginação das coisas exteriores. A experiência interna, que é indubitável, só seria possível mediante o pressuposto da experiência externa. Isso foi feito partindo-se da concepção de tempo como sentido interno. A determinação de algo no tempo pressupõe a sua permanência na percepção. Como representação de algo em mim, esta coisa deve ser distinta das simples representações de coisas fora do sujeito. Logo, a determinação própria no tempo só é possível pela existência de coisas reais, que percebo como externas. A consciência da própria existência, determinada no tempo, é também a consciência imediata da existência de outras coisas exteriores ao sujeito [3].
Kant pensava, então, ter fornecido, com a suposição dos sentidos interno (tempo) e externo (espaço), a única prova possível da existência do mundo exterior. Deste modo, estaria resolvido o escândalo filosófico acerca da existência das coisas exteriores a nós, sem apelar para crença, tendo em vista apenas a maneira pela qual a razão percebe o mundo por aqueles dois sentidos extraídos da forma da sensibilidade.

Prova do Mundo Exterior

No começo de seu ensaio, Moore, que leva a sério a tentativa de Kant resolver essa questão, pensa ser de alguma importância e pertinente à filosofia a discussão sobre o tipo de prova dado em relação à existência da alguma coisa exterior a nós. Ele considera que a prova oferecida por Kant para “a realidade objetiva da intuição exterior” também se aplica à expressão “a existência das coisas exteriores a nós”. Entretanto, a prova kantiana não é considerada satisfatória, pois ela ainda se concentra numa concepção subjetiva do entendimento do mundo. Para Moore, portanto, essa é uma questão que “ainda merece ser discutida” [4].
A partir desse ponto, Moore passa a fazer uma análise da expressão “coisas exteriores a nós”, que pensa ser uma expressão filosófica cujo significado não é perfeitamente claro. Dá preferência à expressão “coisas externas a nossa mente” [5]. É mencionada a ambiguidade apontada por Kant na expressão “exterior a nós”. Haveria um sentido transcendental – no qual uma coisa existiria como coisa em si distinta de nós – e um sentido empírico – de aparência exterior das coisas que devem se encontrar no espaço [6].
A última concepção adotada por Kant caracteriza o tipo de coisa ao qual o modelo da prova deverá se adequar, a saber: os “objetos físicos” ou melhor dizendo “tudo que se pode encontrar no espaço”. Nesse sentido, uma vez que se prove a existência de duas coisas diferentes, seguir-se-á a existência de pelo menos duas “coisas que se deveriam encontrar no espaço”, não importando o tipo desses objetos físicos.
Desse ponto em diante, Moore faz o exame dos objetos que podem ser considerados externos ou não. As imagens provocadas por uma fixação do olhar que permanecem na mente depois de passado algum tempo de observação, embora não fossem algo que pudesse ser encontrado no espaço, poderiam ser objetos de experiências que outras pessoas poderiam realizar. Assim, a expressão “ser encontrado no espaço” quer dizer que outras pessoas também poderiam perceber as coisas que alguém observa e experimenta. Entretanto, as imagens fixas na mente, mesmo que sejam apresentadas no espaço, não são encontradas neste mesmo espaço, nem fora da mente, já que a repetição da experiência não garante que a representação da imagem seja a mesma em cada indivíduo. As ilusões de ótica, provocadas por imagens duplas e as dores corporais são exemplos de coisas apresentadas no espaço que não estão nele e sim dentro da mente humana.
Segundo a concepção kantiana de “coisas encontrada no espaço”, Moore propõe que ela amplie seu significado, abrangendo os objetos de um experiência possível e não apenas da experiência real. A despeito do objeto de uma experiência possível não poder ser considerado como algo que é ou foi “apresentado” de modo absoluto, como acontece com as sombras que estão no espaço, mas nem sempre aparecem à percepção.
Moore não reconhece as imagens mentais, as dores e as alucinações como “coisas exteriores”, fora da mente, pois é necessário que outra pessoa também percebam as mesmas coisas que o sujeito afetado por elas percebem. Ele usa a expressão “coisa que se devem encontrar no espaço” no sentido de que uma vez que existam coisas, então elas devem ser encontradas no espaço [7]. Isto é, se algo exterior existe, ele deve encontrar-se no espaço em meio às coisas percebidas de um modo geral pelas pessoas comuns.
Para tornar isso mais claro, entretanto, Moore pretende abandonar a expressão “coisas que se devem encontrar no espaço” em favor de “coisas exteriores a nossas mentes”. Pois da existência de dois objetos não se segue que estes devam ser encontrados no espaço. Todavia, se é utilizada a frase “coisas exteriores a nossas mentes”, objetos existentes – como estrelas, corpos humanos, sombras – devem ser procurados externamente, ou seja, fora da mente humana. Esses objetos poderiam ter existido antes que o sujeito os percebessem e talvez continuassem a existir depois de serem percebidos [8]. Assim, objetos externos são logicamente independentes da percepção do indivíduo, para poderem existir de fato.
A prova que Moore pretende fornecer de um mundo externo passa pela existência desse tipo de coisas que podem ser encontradas no espaço e existem “fora de nós”. E basta que apenas dois objetos sejam provados, para que todo o resto seja admitido como existente, fora da mente. Destarte, no final de seu ensaio, Moore procede a sua demonstração:

segurando minhas duas mãos e dizendo, à medida que faço um certo gesto com a mão direita, “aqui está uma mão”, e acrescentando, à medida que faço um certo gesto com a esquerda, “aqui está a outra”. E se, fazendo isso, provei ipso facto [a partir do feito] a existência de coisas exteriores, todos nós veremos que posso também fazê-lo de várias outras maneiras: não existe nenhuma necessidade de multiplicar os exemplos (MOORE, G. Op. Cit, in idem, p. 292).

A mão esquerda de Moore segura seu cachimbo. Fonte: Filobotfil [CC BY-SA 3.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)%5D, from Wikimedia Commons.

Eis a prova da existência de um mundo exterior. Uma prova que, para Moore, é a melhor e a mais rigorosa. Ela atende a três condições formais: primeiro, a premissa era diferente da conclusão, pois mostrar as mãos e fazer gestos é diferente de dizer que “duas mãos humanas existem atualmente”; segundo, havia o conhecimento de que a premissa está de acordo com o que pretende demonstrar e é verdadeira; terceiro, a conclusão se segue das premissas. Em suma, “se há uma mão aqui e outra aqui agora, então segue-se que há duas mãos em existência agora” [9].
Posto isso, conclui-se que ao preencher todas as exigências de rigor, a prova apresentada pode afirmar a existência de objetos presentes agora. Para uma prova da existência no passado, basta que se diga que se manteve as mãos sobre algum móvel, num tempo anterior, logo, as duas mãos existiram neste tempo passado. É suficiente que uma pessoa saiba que esse fato tenha ocorrido como diz a premissa. Assim, também é possível, através de um testemunho fidedigno, provar a existência de objetos exteriores no passado, sendo essa prova perfeitamente conclusiva.
Não obstante, essa prova circunstanciada não corresponde à fórmula de um enunciado geral, capaz de provar qualquer proposição desse tipo. Moore não acredita que se possa provar de um modo geral as suas premissas, pois isso exigira a demonstração de todas as evidências relativas ao indivíduo: que ele não está sonhando ou sob o efeito de drogas; que as mãos são suas e não artificiais etc. Essas provas extras não podem ser dadas por esse tipo de prova. Contudo é um tipo de requisito equivocado tentar provar tudo o que se sabe. De acordo com Moore, é possível saber coisas que não se pode provar. A insatisfação contra a solução fornecida não tem bons motivos para ser sustentada.

Notas

1. Veja DESCARTES, R. Meditações, terceira e sexta.
2. Veja BERKELEY, G. Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano, “Dos princípios do conhecimento humano”, §§1 a 7.
3. Veja KANT, I. Crítica da Razão Pura, “Refutação do idealismo”, B 275/6.
4. MOORE, G. “Prova de um Mundo Exterior”, in Escrito Filosófico, p.278.
5. MOORE, G. Op. Cit., idem.
6. MOORE, G. Idem, ibdem, p.279.
7. MOORE, G. Ibdem, ibdem, p.285.
8. MOORE, G. Ibdem, ibdem, p.285/290.
9. MOORE, G. Ibdem, ibdem, p. 292.

Referências Bibliográficas

BERKELEY, G. Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano; trad. Antônio Sérgio. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
DESCARTES, R. Meditações; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
KANT, I. Crítica da Razão Pura; trad. Manuela P. Dos Santos e Alexandre F. Morujão. – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
MOORE, G. Escritos Filosóficos; trad. Paulo R. Mariconda. – São Paulo: Nova Cultural, 1989.