Bach

Johann Sebastian Bach
(Eisenach, 1685 – Leipzig, 1750)

HAUSSMANN, G. E. Retrato de Bach (1746), Museu da História da Cidade de Leipzig, Alemanha.

Neto, filho, irmão e pai na família mais importante da história da música, Johann Sebastian Bach conseguiu levar essa arte ao seu cume, superando seus predecessores — até mesmo seu ídolo Dietrich Buxtehude (1637-1707) — e sem jamais ter sido igualado pelos que o sucederam. Compositor completo dentro do estilo barroco, produziu obras polifônicas, sacras e profanas, das quais se destacam o Magnificat (1723) e os seis Concertos de Brandemburgo (1721). Como teórico musical, lançou o Cravo Bem Temperado (1722-1744), os Cânones (1742) e a Arte da Fuga (1748-1750), onde levou ao máximo os limites do sistema tonal. Porém, em sua época era mais destacado por ser um virtuose cravista, violinista ou maior organista de seu tempo. Após sua morte, a maioria de suas obras caiu no esquecimento, sendo resgatadas mais tarde, quando Felix Mendelssohn–Bartholdy (1809-1847) — neto do filósofo Moses Mendelssohn (1729-1786) — regeu, em março de 1829, a reestreia da Paixão, segundo São Mateus (1729), na Academia de Canto de Berlim, fazendo com que Bach renascesse como nome fundamental da música por excelência.

“Só a partir de Beethoven a música se dirige aos homens: antes, só conversava com Deus. Bach e os grandes Italianos não conheceram esse deslize para o humano, esse falso titanismo que altera, desde o Surdo, a arte mais pura. A torção do querer substituiu as suavidades; a contradição dos sentimentos, o ímpeto ingênuo; o frenesi, o suspiro disciplinado. O pecado fluía antes em doces prantos; veio o momento em que transbordou: a declamação venceu a oração, o romantismo da Queda triunfou sobre o sonho harmonioso da decadência…

Bach: languidez de cosmogonia; escada de lágrimas por onde sobem nossos desejos de Deus; arquitetura de nossas fragilidades, dissolução positiva — e a mais alta — de nossa vontade; ruína celeste na Esperança; único modo de perder–nos sem desmoronar e de desaparecer sem morrer…” (CIORAN, E.M. “Abdicações”, in Breviário de Decomposição, p. 149).

Representações

O conceito de imagens mentais (ou representações) está longe de ter uma simples e pacífica definição filosófica. Ao longo da história da filosofia, vários autores debateram o assunto sem que se chegasse a um acordo. E essa é uma boa oportunidade de se passar em revista os principais tópicos sobre o assunto.
Quem primeiro pôs a visão em lugar de destaque foi Platão (cc.427-347 a.C.). Seguindo a tradição pitagórica, na qual a verdade só seria revelada pela contemplação de um mundo superior, Platão elaborou a famosa teoria das formas. Nessa teoria, o conceito chave de ideia era concebido a partir de uma capacidade de identificar a unidade existente em todas as coisas, apesar da aparente multiplicidade percebida. Todo mundo teria ideias das coisas, embora uns tivessem uma compreensão mais completa do que outros, devido a atenção dada à convivência com elas, pelas almas, em um mundo ulterior. Ideia seria então

a reminiscência do que nossa alma viu quando andava na companhia da divindade e, desdenhando tudo o que atribuímos realidade na presente existência, alçava a vista para o verdadeiro ser (PLATÃO, Fedro, 249 c).

Isso quer dizer que haveria um mundo das ideias, do qual as almas teriam vindo com a lembrança do que teriam visto por lá. Portanto, a nitidez da memória visual e as imagens guardadas seriam fundamentais para compreensão da verdade no mundo terreno. Os mais sábios seriam aqueles que viram as ideias melhor e o tirano seria o que nada vira com atenção. As teses platônicas da existência de ideias inatas foi radicalizada, já na era moderna, pelo bispo irlandês George Berkeley (1685-1753), que escreveu um Ensaio sobre uma Nova Teoria da Visão (1709) e, no Tratado sobre o Conhecimento Humano (1710), reafirmava “que os objetos da vista não existem fora do espírito, nem são imagens das coisas externas”. Em uma passagem pouco antes dessa, havia dito com todas as letras que “um cego de nascença, adquirida a vista, não poderia a princípio pensar se as coisas que via estariam fora de seu espírito ou colocadas a alguma distância” (BERKELEY, G. Tratado sobre o Conhecimento Humano, §§ 44 e 43, respectivamente).
Tais afirmações chocavam-se diretamente com o empirismo defendido por John Locke (1632-1704). Locke, que era médico inglês, dizia categoricamente que não haveria ideias inatas e se faltasse algum dos cinco sentidos

as qualidades que constituiriam os objetos do quinto sentido ficariam tão distantes da nossa observação, imaginação e concepção, como deve estar no momento algo pertencente ao sexto, sétimo, ou oitavo sentido (LOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano, liv. II, cap. II, § 32).

Ou seja, um cego de nascença, não saberia nada a respeito da visão ou imagens de objetos externos, da mesma forma que os humanos que veem normalmente não sabem nada acerca da visão infravermelha e ultravioleta.
Uma tentativa pioneira de resolver essa polêmica foi feita pelo enciclopedista francês Denis Diderot (1713-1784). Diderot, a partir de uma entrevista que fizera a um cego de nascença, operado de catarata, concluiu que

não podendo colorir, nem por conseguinte figurar como nós o entendemos, só tem memória das sensações apreendidas pelo tato, que ele refere a diferentes pontos, lugares ou distâncias, e com os quais compõem figuras (DIDEROT, D. Carta sobre os Cegos, p.9).

A filosofia contemporânea, até metade do século XX, muito por influência da corrente analítica da linguagem, principalmente o austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951), negava que houvesse algum conhecimento inato que servisse de base para formulação de argumentos e juízos verdadeiros. Nenhum objeto imaginado ou linguagem privada – aquela que o próprio sujeito teria acesso privilegiado – seria possível sem o apoio de uma gramática, cujas regras suportam uma linguagem comum adquirida de fora para dentro. Assim,

o conceito de “imagem interior” é enganador, pois o modelo para esse conceito é a “imagem exterior“; e no entanto, os empregos dessas palavras conceituais não se assemelham mais uns aos outros do que os de “algarismo” e “número” (WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas, II part. seç. XI, p. 191).

Ou seja, a compreensão de uma imagem dependeria de um uso adequado de conceitos estabelecidos por uma linguagem partilhada por todos os falantes. Assim, casos descritos pelo neurologista inglês Oliver Sacks, em Um Antropólogo em Marte (1995), indicariam que “cegos de nascença” precisariam aprender a ver o mundo, depois de recobrada a visão, como quem aprende uma nova linguagem, com todos os problemas de um adulto que tem de aprender um idioma estrangeiro (Veja SACKS, O. “Ver e Não Ver”, in Um Antropólogo em Marte, pp. 134 e ss).
Neurologistas e filósofos da mente, ou cientistas cognitivos de um modo geral, têm renovado o interesse pela visão e outros sentidos, seja para entender como o cérebro capta e forma imagens, bem como uma máquina ou computador poderia enxergar como humanos. Pesquisas recentes tem sido realizadas ou comentadas por nomes como António R. Damásio, Paul M. Churchland, Steven Pinker, entre outros. Vale a pena ler o capítulo 5 de O Erro de Descartes, de António Damásio; o capítulo 6 de Matéria e Consciência, Paul Churchland; e o abrangente capítulo quatro de Como a Mente Funciona, de Pinker.
Além desses autores um nome importante que vem se destacando é o do neurocientista indiano Vilayanur S. Ramachandran, com pesquisas sobre o conceito de qualia – experiências sensoriais internas -, sinestesia e fantasmas sensoriais. No seu livro Fantasmas no Cérebro (1998), Ramachandran descreve, no capítulo quatro, casos de lesões cerebrais em áreas específicas do cérebro em que pessoas deixam de enxergar as cores, linhas ou formas de figuras quaisquer. Lá, o autor descarta a ideia de imagens no cérebro e passa a trabalhar com a definição de descrições simbólicas de objetos e acontecimentos externos.

(…) O cérebro humano contém múltiplas áreas para processar imagens, cada uma das quais é composta de uma emaranhada rede de neurônios especializada em extrair da imagem certos tipos de informação. Qualquer objeto evoca uma forma de atividade – única para cada objeto – entre um subconjunto destas áreas. (…) Os padrões de atividade simbolizam ou representam objetos visuais da mesma forma que os rabiscos de tinta no papel simbolizam ou representam seu quarto de dormir [ou qualquer cena descrita verbalmente]. Como cientistas tentando entender os processo visuais, nosso objetivo é decifrar o código usado pelo cérebro para criar essas descrições simbólicas, da mesma forma que um criptógrafo tenta decifrar uma estranha mensagem escrita em código (RAMACHANDRAN, V.S. Fantasmas no Cérebro, cap. 4, p. 101).

Imagens do Corpo

Antropocentrismo, o homem como a medida de todas as coisas. Fonte: Marco VITRÚVIO Pollio, Da Arquitetura, liv III.

Em todos os aspectos, não apenas os relacionados à visão, a imagem que se tem do corpo humano está vinculada a uma concepção filosófica do homem. Desde o início da história da medicina ocidental, a especialização e o tratamento total do corpo e da alma estiveram em confronto. De um lado os pitagóricos que, como Platão (429-347 a.C.) do Cármides, consideravam a cura de uma enfermidade possível apenas pela cura de um mal que afligia conjuntamente o corpo e alma e só com o trato desta ela seria atingida. Doutro os hipocráticos, que primeiro medicavam a parte doente para depois examinar todo o corpo. Externamente, os antigos helenos levaram o estudo das proporções anatômicas a sua compreensão máxima. O homem tornou-se, literalmente, a medida de todas as coisas. Os romanos com o arquiteto Vitruvius (70 a.C.- ?) e o médico greco-romano Galeno (c.130-210) levaram a arquitetura e a medicina grega adiante.
Com a Idade Média, no entanto, a concepção religiosa de que o corpo era uma prisão e castigo para a alma ganhou força, enquanto o humanismo cedia lugar ao fanatismo cristão. Qualquer forma de prática científica estava ameaçada de condenação por heresia e o médico italiano Pedro d’Abano (1250-1316), que procurou conciliar as escolas grega e árabe, não escapou de morrer no calabouço. O Renascimento, através das obras de outro italiano Mondino Luzzi (1275-1326), no início, e do anatomista flamengo Andreas Versalius (1514-1564), mais tarde, trouxe de volta o interesse pelo corpo humano. Especulações sobre o cérebro como sede da alma impuseram-se contra a tese aristotélica em favor do coração. De fundamental importância foi a interpretação do médico inglês William Harvey (1578-1657) acerca da circulação sanguínea. René Descartes (1596-1650) escreveu As Paixões d’Alma (1649) criticando as ideias de seus contemporâneos à luz de sua teoria dualista da relação corpo/mente. Em 1748, Julien de La Mettrie (1701-1751) difundiu a concepção materialista radical do “homem máquina”. Ainda hoje, esse é um tema caro para a fenomenologia, a epistemologia, filosofia da mente, ética etc. A história da medicina e da filosofia sempre andaram lado a lado e diversas enciclopédias podem ser editadas sobre o assunto.
Um exemplo de visão filosófica do corpo encontrar-se no principal livro de Michel Foucault (1926—1984) a tratar do conceito de corpo, Vigiar e Punir (1975), onde se aborda o tema a partir dos corpos dos condenados ao suplício e dos corpos dóceis submetidos à disciplina nas prisões modernas. Na entrevista Microfísica do Poder, deste mesmo autor, a questão surge na vinculação entre corpos e poder. Mas há também um capítulo de O Nascimento da Clínica que tem intuições interessantes de Foucault acerca da pesquisa médica com cadáveres, o domínio da ciência sobre o conhecimento da fisiologia humana. O corpo visto como campo de disputa entre poderes políticos e estéticos, no mais amplo sentido.

Referências Bibliográficas

BERKELEY, G. Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano. – São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores).
CHURCHLAND, P. M. Matéria e Consciência. – São Paulo: Unesp, 2004.
DAMÁSIO, A. R. O Erro de Descartes. – São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
____. O Mistério da Consciência. – São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
DESCARTES, R. As Paixões da Alma. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.
DIDEROT, D. Carta sobre os Cegos. – São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
FOUCAULT, M. O Nascimento da Clínica. – Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980.
____. Vigiar e Punir. – Vozes, 1977.
____. Microfísica do Poder. – Rio de Janeiro: Graal, 1979.
LOCKE, J. Ensaio acerca do Entendimento Humano. – São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores).
MERLEAU-PONTY. M. Fenomenologia da Percepção. -São Paulo: Martins Fontes.
NAGEL, Th. Una Visión de Ningún Lugar. – México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1998.
PINKER, S. Como a Mente Funciona. – São Paulo: Cia.das Letras, 1998.
PLATÃO. Fedro. – Belém: UFPA, 1975.
____. Cármides. – Belém: Universidade Federal do Pará, 1975.
RAMACHANDRAN, V.S. Fantasmas no Cérebro. – Rio de Janeiro: Record, 2004.
SACKS, O. Um Antropólogo em Marte. – São Paulo: Cia. da Letras, 1995.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. – São Paulo: Nova Cultural, 1989. (Os Pensadores).

 

O Mítico B-17, a Fortaleza Voadora

O B-17 foi um dos melhores bombardeiros quadrimotores da II Guerra Mundial. Executou a maioria das operações diurnas, em altitude elevada, nos céus da Europa, decolando das bases no Reino Unido. Seu projeto data desde 1934. Planejado inicialmente para defesa naval, foi utilizado pela Royal Air Force (RAF) como bombardeiro de maiores altitudes. Fabricado pela Boeing, o B-17 recebeu várias versões e o apelido de Fortaleza Voadora, por sua robustez e confiabilidade, quando ganhou uma torre de duas metralhadoras, para rechaçar caças inimigos.

Imagem: O mítico B-17G, a “Fortaleza Voadora”. Fonte: AVIÕES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, Ed. Abril, 1975.

Suas características principais são:

  • peso bruto de 29.710 kg.;
  • envergadura de 31,62 m;
  • comprimento de 22,66 m;
  • quatro motores Wright Cyclone R-1820;
  • 11 metralhadoras;
  • tripulação de 10 pessoas;
  • velocidade de 462 km/h a 7.620 m;
  • teto de 10.500 m e
  • alcance de 3.220 km, carregado com 2.720 kg de bombas.

 

Ambiguidade

Uma série de falácias derivam da ambiguidade. De um modo geral, a ambiguidade surge de expressões cujo significado varia, segundo o contexto ou sinonímia das palavras. Exemplos de raciocínios ambíguos são “todos os bispos são ministros, logo os bispos são políticos, pois existem ministros nos gabinetes do governo”; ou, “o fim da política é a felicidade do povo, assim, para o povo ser feliz será preciso acabar com a política” – quando se interpreta “fim” como “término” e não por “objetivo”.
Piadas de duplo sentido fazem uso de ambiguidade. Muitas vezes argumentos cômicos por sua dubiedade são lançados como se fossem sérios. Outro tipo equívoco relacionado com a ambiguidade aparece na consideração da bondade de uma pessoa, só porque exerce bem sua carreira profissional. Um assassino pode ser bom em seus crimes, por ser eficiente em matar alguém, mas isso não quer dizer que seja uma boa pessoa.
A ambiguidade é uma armadilha tão abrangente que pode ser observada em ilusões de ótica, como a famosa figura do Pato-Coelho destacada pelo psicólogo polaco-estadunidense Joseph Jastrow (1863-1944) do semanário Harper (originalmente publicada na revista de humor alemã Fliegende Blätter, de 23 de outubro de 1892) e depois inserida no seu livro Fact and Fable in Psychology (1900). O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) comentou tal ambiguidade nos parágrafos subsequentes ao oitavo da XI seção, da segunda parte de sua obra Investigações Filosóficas (1951). Tudo graças à atração humana pelo auto-engano, ou disposição para ser iludido.

Quais animais são mais semelhantes um com o outro? Coelho e Pato. Fonte: Fliegende Blätter, 1892.

Bacon

Francis Bacon, Barão de Verulam
(Londres, 1561-1626)

Francis Bacon

Imagem: Francis Bacon em quadro da Galeria Nacional de Retratos de Londres.

Estadista e filósofo inglês. Pioneiro do método experimental e indutivo em ciências, foi acusado legitimamente de suborno, quando exercia cargo de juiz na corte de Jaime I. Alguns de seus fãs atribuem–lhe a autoria das peças de Shakespeare. Autor reconhecido de Os Ensaios (1597), Novum Organum (1620) e Nova Atlântida (póstumo, 1660).

“Até agora, ninguém surgiu dotado de mente tão tenaz e rigorosa que haja decidido, e a si mesmo imposto, livrar-se das teorias e noções comuns e aplicar, integralmente, o intelecto, assim purificado e reequilibrado, aos fatos particulares. Pois a nossa razão humana é constituída de uma farragem e massas de coisas, procedentes algumas de muita credulidade, e outras do acaso e também de noções pueris, que recebemos desde o início” (BACON, F. Novum Organum,I, § XCVII).