O sucesso surpreendente da greve de caminhoneiros autônomos, no final de maio de 2018, marcou a história dos movimentos de trabalhadores no Brasil. Seus resultados foram diretamente proporcionais ao completo fracasso da política de valorização das rodovias e da cadeia industrial dos combustíveis fósseis do país. Os manifestantes obtiveram êxitos em todas as suas reivindicações econômicas e ainda avançaram vários pontos em sua pauta política. Contou com apoio maciço da população, dos seus patrões, motoristas de veículos coletivos, motociclistas e explícito de agentes de polícia federal, bem como do consentimento tácito das forças armadas.
Nos seus vários aspectos econômicos, o movimento dos caminhoneiros revelou os erros históricos do abandono de alternativas sustentáveis para o transporte de cargas e passageiros, seja por ferrovias ou vias aquáticas – marítimas ou fluviais. Mostrou também os equívocos em se insistir na concentração de recursos no monopólio estatal da produção de combustíveis fósseis, sem investimentos significativos na pesquisa tecnológica por outras fontes de energia limpa e em veículos elétricos. Na contramão de países desenvolvidos mais a China, que já produzem carros elétricos com autonomia superior a 300 quilômetros, no Brasil não há qualquer esforço público ou privado nesse sentido, enquanto, na Europa, Alemanha, Reino Unido e França já programam o banimento de veículos poluentes para as próximas duas décadas.
A origem do problema energético, no Brasil, não está, entretanto, apenas no preço dos combustíveis, mas no monopólio estatal que distorce todo setor de transporte e energia. A empresa responsável pela produção nacional não vende só essa mercadoria energética essencial, mas sobretudo impostos travestidos em gasolina, diesel e álcool, para cobrir os rombos criados por má administração e corrupção no governo, seu principal controlador. Diante do achaque diário praticado pelo monopólio, os caminhoneiros, como principal grupo de consumidores, reagiram da maneira que podiam: simplesmente pararam. Sem concorrência de preços e alternativa para o produto, não há que se falar em mercado livre. Vence a disputa por preço quem tiver maior poder de pressão.
No âmbito político, a grande greve de maio de 2018 pôs na lona uma quadrilha formada de políticos corruPTos – continuação do governo anterior, composto por uma organização criminosa, que foi deposto em 2016. Escancarou o arrocho cometido pela política de preços de um monopólio estatal que serve para cobrir o rombo fiscal provocado pelos interesses escusos de seus administradores indicados por partidos políticos, responsáveis pela corrupção generalizada nas empresas públicas. Na esteira da greve, o governo vigente só não foi derrubado, graças à proximidade das eleições marcadas para o final de 2018.
Imprensa: desenho de Calixto Cordeiro (1877-1957).
O movimento serviu ainda para destacar a rápida mobilização da população feita através de mecanismos de comunicação móveis. Com a ajuda de programas de troca de mensagens dos dispositivos móveis, os caminhoneiros puderam se comunicar com colegas e familiares, a fim de se atualizarem sobre a situação e obterem recursos para manutenção da greve. O uso dessa tecnologia avançada desorientou os meios de comunicação tradicionais e a própria rede mundial de computadores que permaneceram desinformados sobre como era feita toda mobilização. Por conta disso, a divulgação de notícias falsas sobre a paralisação, com intuito de desmoralizá-la, revelou a forma como esses meios são empregados para manipulação da opinião pública. Porém, a comunicação direta dos manifestantes com a população permitiu desmascarar a trama fantasiosa de um jornalismo arcaico que ainda se acha capaz de influenciar o pensamento dos outros, como faziam os antigos oligopólios de comunicação antes do advento da INTERNET.
Todo tipo de especulação foi lançado pelos pseudointelectuais e comentaristas desinformados, expondo seu despreparo em contraste com a eficácia da manifestação dos caminhoneiros autônomos, em escala continental. A imprensa marrom e seus supostos especialistas caíram mais uma vez em descrédito. Acostumados que estavam em apenas reproduzir comunicados de assessorias de imprensas de políticos e seus patrocinadores, sem o contraditório direto das partes envolvidas.
David com a cabeça de Golias (1610), Michelangelo da Caravaggio (1571-1610).
A vitória do movimento dos caminhoneiros autônomos serviu, por fim, para demonstrar, no plano teórico, a superioridade do individualismo metodológico sobre o método sociológico. Sem o controle de sindicato, de patrão ou de um líder heroico, cada um dos caminhoneiros provou que foram seus interesses individuais e não os coletivos de um grupo que motivaram sua mobilização. Foram o custo do frete de cada um e seus prejuízos individuais que os levaram à greve, não a vontade de uma entidade classista imposta de cima para baixo.
A paralisação foi, portanto, uma resposta dos principais consumidores de combustíveis ao achaque diário, ao qual vinham sendo submetidos pela política de preços imposta pelo monopólio estatal. A demonstração de que os indivíduos organizados conseguem vencer qualquer grupo monopolista, por maior que este seja.